Dilma perdeu para os homens de terno

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Brasília tinha pouco mais de um ano desde a fundação quando hospedou a sua primeira crise política. Eleito com discurso de renovação em 1960, o presidente Jânio Quadros renunciara sete meses depois de empossado, alegando que “forças terríveis” trabalharam contra ele.

A 27 de agosto de 1961, Quadros deixou Brasília ao lado apenas do major Chaves Amarante, seu ajudante de ordens. As despedidas são solitárias. O major Amarante, sob a farda, envergava a faixa presidencial. Desrespeitou a proibição de um general e entrou no avião da Força Aérea Brasileira, embarcando rumo a São Paulo. Só então revelou a Quadros que trazia consigo a faixa presidencial, maneira de acalentar a possibilidade de que voltasse ao poder. Ao lançar o olhar ao horizonte de Brasília, Jânio parecia resignado: “Cidade amaldiçoada. Espero nunca mais vê-la”, disse.

A partir dali, Brasília assistiria ainda à crise militar de 1961 com a limitação dos poderes do presidente constitucional; ao golpe militar de 1964, que instalou 21 anos de período autoritário; à morte do presidente escolhido para o retorno ao poder civil em 1985; e, finalmente, ao impeachment em 1992 do primeiro presidente brasileiro eleito por voto direto após o retorno à democracia.

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Brasília testemunhou dramas e crises inimagináveis para uma cidade com 56 anos de existência. Em comum, esses dramas e crises revelam lideranças políticas imersas na solidão quando derrotados. Brasília, cidade de horizontes amplos erguida no Planalto Central do Brasil, é cenário lúgubre para a solidão.

A 17 de abril deste 2016, quando a Câmara dos Deputados aprovava a abertura do processo de impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff manteve-se isolada num dos muitos aposentos do Palácio Alvorada, a residência oficial construída pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Nas vésperas da aceitação do processo de impeachment pelo Senado – a votação começou esta quarta-feira, acabou muitas horas depois -, Dilma já esvaziara as gavetas do gabinete 313, no terceiro andar do Palácio do Planalto, de onde administrou o país por pouco mais de cinco anos.

Confirmado o seu afastamento, deve voltar a residir em Porto Alegre, apesar de ter autorização para ficar no Palácio da Alvorada até à conclusão do processo de impeachment. Brasília já fez de Dilma passado. As articulações e tensões estão em torno do vice-presidente Michel Temer. A atual presidente não recebe mais ninguém. Cumpre agenda mediática tentando dizer-se viva, mas Brasília não quer mais saber dela.

As companhias mais frequentes de Dilma são a mãe de 92 anos, a filha e os dois netos. A mãe vive com ela, mas a filha e os netos moram na capital gaúcha no sul do país. Dilma deve optar pelo conforto familiar em vez do confronto político. Porto Alegre, que sediou celebrações da esquerda que imaginava que outro mundo seria possível, é a capital brasileira da dor de cotovelo. Alimentada pelas canções de desamor do compositor popular Lupicínio Rodrigues, Porto Alegre é a cidade ideal para sofrer por perdas.

Militante esquerdista de facção que aderiu à luta armada contra a ditadura militar, a atual Presidente forjou o couro do corpo político em derrotas doloridas. Nenhuma como a atual, porque não perpetrada por homens com baionetas e canhões. Dilma perdeu para os homens de terno. É importante notar que são muito mais homens do que mulheres os que afastaram a Presidente. Venceram a luta política, de pontos jurídicos questionáveis, mas construída a partir da articulação de agentes políticos. Dilma sai porque não entende a política nem os homens que nela vivem.

Militante teórica depois convertida em burocrata alçada como estranha ao ninho do poder, Dilma poderá repetir Jânio Quadros e culpar Brasília pelos males por que passa. A capital da República não é amaldiçoada, porque os erros que abriga são frutos dos homens que nela habitam. É certo, no entanto, como escreveu o poeta português Daniel Faria, que há homens e mulheres que são como lugares mal situados.

Plínio Frada (Rede Expresso)

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