Olhar para os noticiários nos tempos que correm, é um martírio de números e estatísticas. Dir-me-ão que falamos de questão científicas; os números são o que são e não há como escapar. Lembro-me que logo nos primeiros meses da pandemia em que apareceram uma série de teóricos, afirmando a pés juntos, que o essencial para podermos resolver os momentos de crise era que soubéssemos exactamente o número de infectados por COVID 19, concelho por concelho e seria essa então a forma mais racional de se poderem fazer confinamentos parciais. Passados uns meses veio a verificar-se que, para uma quantidade enorme de pessoas (pelo menos é essa a minha impressão), o que era uma ideia fantástica passou a ser um inferno. Com as informações disponíveis e a sucessão de alterações dos estados de emergência, a certa altura passou-se a não saber até que hora se podia andar, ou sequer se era possível passar para certos concelhos vizinhos. Provavelmente não existiria outra hipótese de se fazerem as coisas, mas alguma coisa se deve ter perdido no meio, para que dois ou três concelhos que estiveram nos, com maior número de infecções, estão (passado nem um mês) agora entre os menos maus. Eu sei que números são números (disse-o acima) mas, por isso mesmo, valerá apenas valorizar tanto certos índices?
Por falar em números: espanta-me que exista para todos (pecarei por excesso?) os partidos avaliações da realidade, contraditórias e populistas. Já cheguei a ver, no espaço de uma hora, um responsável partidário dizer que era necessário um confinamento carregado de medidas mais apertadas e, depois, outro responsável pelo mesmo partido, observar que um confinamento apertado vai levar, de ciência certa, à morte de muitos pequenos negócios. É o ambiente do quanto pior melhor, que é aqui adaptado das redes sociais à vida partidária. A diferença que existe – nesta situação particular e que se pode esticar a outras – entre os partidos do situacionismo e o Chega (com um bocadinho de exagero pedagógico, da minha parte) é que esta contradição, que é aqui assegurada por diferentes pessoas é assegurada no partido citado, apenas pela figura de André Ventura.
Quando ouvi a história da confusão de competências entre a PSP e a GNR de Évora, no transporte de vacinas para o Sul, pensei que assim só em Portugal. Tinha achado que tudo tinha corrido demasiado bem e que, a determinada altura, havia de entrar na engrenagem um grãozinho de areia tuga; um belo dia aconteceu. Eu sei que não é um grande problema, mas é mesmo à nossa medida. Lá fora, as coisas podiam ser mais feias: se tivessem roubado um camião cheio de vacinas, estaríamos em Itália. Se o roubo do um camião cheio de vacinas, e o condutor perdido de bêbado tivesse batido numa árvore, sem dúvida estaríamos na Rússia. Nos EUA haveria um problema de competências seguido de um belo tiroteio. E na Bulgária, se não existissem camiões em condições de manter as temperaturas baixas que a vacina exige, usar-se-iam carrinhas de transporte de salsichas para cachorros. Não se riam, esta foi mesmo a sério. Afinal o nosso inferno pode ser um pouco melhor que muitos outros.
Fernando Proença