“Envelhecimento do corpo docente da UAlg preocupa”

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José António Moreira, professor auxiliar na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade do Algarve (UAlg), onde leciona desde 1999, foi eleito presidente da direção do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP) para o biénio 2023-2025 no dia 15 de abril. A lista encabeçada pelo químico de 55 anos elege como grandes prioridades do seu mandato o combate à precariedade, a progressão nas carreiras e a valorização salarial. Falou ao JA sobre a falta de condições, a sua vontade de continuar a dar aulas e considera que lhe faltam "mais dois anos para ser algarvio do que qualquer outra coisa", apesar da sua naturalidade de Lisboa e de residir no sul há 24 anos

JORNAL do ALGARVE (JA) – Quais são as suas prioridades para o mandato que agora assume?
José Moreira (JM)
– Infelizmente as prioridades não são muito diferentes das prioridades dos mandatos anteriores. Giram em torno de questões fundamentais com igual peso. A primeira é a luta contra a precariedade, tanto dos docentes do ensino superior, como dos investigadores. A segunda reivindicação prende-se com a perda remuneratória. Os docentes universitários perderam, nos últimos 19 anos, em média, entre 22% e 27% do seu poder de compra, sendo que a maioria dos profissionais perderam cerca de 25%. Em cada quatro vencimentos, perdemos um.

JA – Que tipo de precariedade existe nos docentes e nos investigadores?
JM
– Tudo isto é feito ao abrigo da lei. As pessoas têm contratos, mas de apenas três meses, seis meses, com a grande desvantagem que sendo um setor público podem estar anos e anos nesta situação, pois não há nenhuma obrigação legal de integrar na carreira. A figura de ‘professor fora da carreira’ foi criada aos chamados ‘professores convidados’ que têm uma atividade profissional relevante, cujo contributo para a instituição é o seu saber e experiência. Poderão receber 200 ou 300 euros, no máximo, e não está previsto que estas pessoas sejam contratadas ao fim de um determinado tempo porque têm uma atividade profissional externa à academia. Fruto da conjuntura das limitações financeiras e de algumas más práticas que as universidades e os politécnicos implementaram, esta figura está a ser usada para satisfazer necessidades permanentes de pessoas que não têm outra atividade profissional, nem estão a lecionar disciplinas ou cadeiras que tenham a ver com uma atividade profissional específica. Não foi criada para termos docentes cuja única atividade é suprir cadeiras básicas como a Matemática, Física, Química, etc

JA – O que vai negociar em primeiro lugar com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior?
JM
– Para negociarmos precisamos de duas partes, um parceiro de cada lado. O SNESUP, em setembro do ano passado, foi convocado para uma reunião com a ministra e poderia haver um processo negocial que começaria em novembro, onde iam ser aprovados desde o regime jurídico das instituições de ensino superior, aos estatutos de carreira, financiamento, regulamentação no ensino superior privado e estava previsto que o calendário negocial começasse em novembro, com uma primeira reunião. Uma das últimas reuniões seria agendada agora para abril. Desde novembro que não temos nenhuma notícia da ministra. Negociar só quando a tutela abrir um processo negocial. Se a tutela não quiser abrir teremos que, com os colegas, ver quais são as formas de pressão que iremos adotar nos próximos meses.

JA – Fala também da necessidade de inversão do subfinanciamento crónico do setor e nas instituições de ensino superior. Pode explicar melhor esta ideia?
JM
– Nas últimas semanas saiu um comunicado do presidente do Conselho de Reitores em que ele dizia que faltavam cerca de 70 a 80 milhões de euros para as contas das universidades poderem ser fechadas, por causa de pequenos ajustes nas remunerações e outros pontos. Estamos a falar de um ‘bolo’ que veio para as universidades de pouco mais de mil milhões de euros. Estamos a falar de uma percentagem diminuta do financiamento, mas que todos os anos tem que ser negociado ao milímetro. Vai sendo o momento de se fazer um contrato entre as instituições e o resto da sociedade, representada pelo Governo e pelo Parlamento, para nos assegurar um financiamento estratégico que permita responder aos problemas de pessoal, aos problemas de funcionamento quando não há disponibilidade financeira para pagar as contas e do problema gravíssimo que se tem arrastado ao longo dos anos que é a renovação e a manutenção das infraestruturas físicas das escolas, universidades, institutos de investigação. Há edifícios em situação altamente degradada porque não tem havido capacidade de investir na sua manutenção e recuperação.

JA – No caso da UAlg, há algum edifício/faculdade que apresente especial preocupação em termos de degradação?
JM
– A UAlg, tal como outras instituições de ensino superior, sempre que pode concorre a alguns financiamentos externos que lhe vão permitindo fazer alguma manutenção. Se entrar nos edifícios mais antigos, o seu estado de degradação é mais grave ou menos grave dependendo do seu uso. Temos desde os ares condicionados que não funcionam ou já não são os mais modernos e gastam muita energia, aos próprios laboratórios que a universidade tem feito um esforço para recuperar mas o seu funcionamento não é de longe o razoável.

JA – A renovação dos quadros por via do recrutamento externo também será outra das suas prioridades. Quer acabar com a ideia de elitismo no acesso à profissão no ensino superior?
JM
– Não é uma questão de elitismo. É uma questão de abrir mesmo o acesso. O número de concursos para o ingresso na carreira é extremamente limitado. Na Universidade do Algarve contam-se pelos dedos de duas mãos o número de concursos por ano, isto na melhor das hipóteses. É o que acontece em todas as instituições. Tendo em conta a idade média dos docentes, os próximos cinco a dez anos vão coincidir com o período de reforma de muitos e não vamos ter docentes para estar a assegurar o serviço letivo… Ou vamos ter que fazer uma renovação completa, à pressa, que não nos parece a melhor forma de resolver a questão. Deveríamos estar a integrar profissionais na carreira docente e nas carreiras de investigação.

JA – Uma carreira no ensino superior continua, apesar de tudo, a ser atrativa. Concorda?
JM
– Temos dúvidas. Em algumas áreas é certamente muito pouco atrativa, sobretudo por uma questão de remuneração que normalmente não se conseguirá de todo resolver com eventuais aumentos de remuneração. Temos áreas, sobretudo aquelas ligadas às Ciências Informáticas, Biológicas e às Ciências da Saúde com muita capacidade de recrutamento no setor privado, dentro e fora do país e é muito difícil as universidades competirem com o que estão a pagar. Por outro lado, acrescento a precariedade, que é de cerca de 40% entre os docentes e entre 70 a 80% nos investigadores, está a levar a que muita gente que mantém o sistema a funcionar acabe por sair após 10 ou 20 anos em situação precária. Os precários têm salários líquidos à volta de 1000 euros se estiverem a tempo completo e bastante inferior a esse valor se estiverem em funções a tempo parcial. Ninguém se vai deslocar para trabalhar no Algarve porque não conseguem fazer face às suas despesas. Preferem enveredar por outro tipo de trabalhos. Há colegas com contratos de trabalho precários no Algarve há mais de 10 anos e a sua remuneração base é exatamente a mesma, ou seja, nunca progridem no escalão remuneratório e estão no nível inicial do vencimento. Provavelmente, a curto-médio prazo, é um setor que pode entrar em rotura, isto conjugado com a idade média dos docentes estar acima dos 50 anos. Estamos a aproximar-nos do que está a acontecer noutros níveis de ensino.

UAlg tem 1616 vagas para o próximo ano letivo
UAlg – Gambelas

JA – Do ponto de vista da realidade sindical na UAlg, o que está a correr menos bem?
JM
– O que corre menos bem são basicamente duas questões: a elevada precariedade, notória entre o corpo docente, e a elevadíssima precariedade entre o corpo de investigadores e depois os processos da avaliação de desempenho e sucesso. Na UAlg e noutras instituições, o que acontece é que a progressão só acontece se durante seis anos consecutivos o docente tiver nota máxima. Se um docente tiver durante cinco anos a nota máxima e se no sexto ano tiver uma nota ligeiramente abaixo já não progride e pode nem sair do primeiro escalão. Não podermos ter um processo deste tipo… É importante que quem se destaca pelo seu trabalho deva ser recompensado na avaliação, mas quem tem uma prestação razoável deve ter também uma perspetiva de progressão horizontal, ou seja, não muda de categoria, mas se cumpre com os seus deveres deve progredir. Por fim, na UAlg, o envelhecimento notório do corpo docente é algo que nos preocupa. O número de professores que se aproxima da idade da reforma é elevadíssimo.

JA – Como olha para os movimentos que estão a ser organizados por jovens universitários em prol do clima e a favor de uma vida digna?
JM
– Pessoalmente olho com muita simpatia e com solidariedade e o Sindicato também… Porque se o nosso objetivo principal é contribuir para a defesa dos interesses dos nossos representados – docentes e investigadores das instituições de ensino superior – nós também somos parte da sociedade e interessa-nos que todos tenham uma boa vida, uma vida justa. Porque aparentemente parece que o nosso país está a tornar invisível não só as classes mais desfavorecidas, como também a classe média. Estamos a entrar no teto da falência total. Se os serviços públicos, como o ensino superior, se começam a degradar e a tornar cada vez mais caros, estamos a retirar dinheiro do bolso das famílias. Bons serviços públicos representam dinheiro no bolso das famílias.

JA – Recentemente surgiram ameaças de ataques a escolas e universidades com fotos de armas, que foram rapidamente partilhadas milhares de vezes nas redes sociais. A segurança nas universidades está em risco?
JM
– As universidades não estão fora da sociedade. Os problemas de segurança ou de insegurança que eventualmente existam na nossa sociedade também se refletem nas universidades. Tal como o nosso país é um país extremamente seguro, o que não quer dizer que episodicamente não existam problemas, também as nossas universidades, politécnicos e centros de investigação estão seguros ou até mais do que acontece noutros espaços. O que tivemos foi um momento em que se multiplicaram notícias alarmistas, muitas vezes não verificadas, que têm uma expansão muito grande pelas redes sociais e fazem com que a perceção de insegurança seja maior do que é na realidade. Não nos parece, nem temos nenhum indício que existam problemas graves de segurança nas instituições de ensino superior, mas não negamos que haja problemas pontuais que precisam de ser tratados com cuidado e é isso que está a ser feito.

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JA – Disse publicamente que chegam algumas “dezenas de queixas de assédio moral por ano” ao Sindicato. O que pode estar na origem e o que pode ser feito para combater essa realidade?
JM
– Essas queixas existem porque as instituições de ensino superior são o local ‘perfeito’ para situações de assédio… Existem fortes relações de poder, ou seja, há uma forte discrepância entre quem tem o poder e quem não tem. As relações de poder são muito desiguais entre estudantes e docentes e também entre estudantes de doutoramento e orientadores. Não quer dizer que não existam, mas não conhecemos diretamente casos de assédio sexual. Vamos tendo algumas notícias de casos de assédio moral a alunos e vice-versa. Conhecemos sim largas dezenas de assédio moral dentro de instituições de ensino superior, mas o número de casos que chegam às últimas instâncias judiciais são uma minoria porque a relação de dependência com que está a ser acusado faz com que as vítimas não avancem. Depois é algo que também é difícil de provar. Temos de ter outros mecanismos de denúncia, quer do assédio moral, quer do assédio sexual. E o assédio moral, apesar de parecer um assédio ‘menor’, sabemos que para além de haver muitas vítimas, é algo que tem sérias consequências na saúde mental dos assediados.

JA – Há muitas queixas afetas à UAlg?
JM
– Temos registados casos de queixas que configuram questões de assédio moral dentro da Universidade do Algarve.

JA – Acredita numa hipotética abolição das propinas a longo prazo?
JM
– Sou francamente favorável à abolição das propinas. O Sindicato não acompanha a posição da OCDE sobre a questão das propinas com níveis diferentes de acordo com o rendimento das famílias porque isso conduz a uma degradação do ensino superior. As famílias que mais contribuem começaram a pôr em questão se não sairá mais barato meter os filhos a estudar em instituições públicas fora do país… Porque provavelmente, com o custo do alojamento que se pratica cá, sai mais barato para uma família colocar o aluno a estudar em Paris ou até mesmo em Londres porque apesar do alojamento ser caro, há um sistema de apoio de residências universitárias. Quem mais contribui não tem que ser duplamente penalizado. O que é preciso é assegurar que aquelas famílias que não têm capacidade económica para manter os filhos no ensino superior tenham as ajudas suficientes para tal. Neste momento, o problema do alojamento/habitação é crucial. Mesmo para uma família típica de classe média começa a ser muito difícil ter um filho ou uma filha a estudar fora do local de origem.

Eleição no SNESUP

A lista encabeçada por José Moreira venceu as eleições que decorreram a 8 de março e sucede, assim, a Mariana Gaio Alves na liderança do sindicato que representa os docentes do ensino superior e investigadores científicos. A nova direção do Sindicato Nacional do Ensino Superior é composta por 25 membros e contará com Teresa Summavielle, investigadora principal no i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde e Raul Jorge, professor auxiliar na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, como vice-presidentes.

Nota biográfica

É doutorado em Química-Física pela Faculdade de Química da Universidade de Santiago de Compostela (2000). Possui mestrado em Química Orgânica Tecnológica pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (1995) e licenciatura em Química pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (1991). Conta com 20 anos de experiência sindical. Exerceu atividade como delegado sindical na Universidade do Algarve e enquanto membro da direção cessante do Sindicato Nacional do Ensino Superior.

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