Lápis azul também riscou sobre as crianças, diz investigadora

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Comunicação social, livros, pinturas ou peças de teatro foram alguns dos alvos da censura do Estado Novo. Mas nem só o material para adultos foi alvo do lápis azul. Ana Margarida Ramos, investigadora da Universidade de Aveiro (UA), garante que também as produções destinadas a crianças levaram o crivo do regime de Salazar.

A especialista em livros infantis revela que livros e peças de teatro para crianças estiveram igualmente e com força na mira da censura.

“Sabemos que todas as representações teatrais feitas em Portugal tinham de ter a respetiva autorização da Censura e isso implicava que os textos fossem enviados para a comissão de análise que ainda ia assistir aos ensaios gerais para avaliar a representação, incluindo figurinos, cenários, movimentos, etc.”, lembra Ana Margarida Ramos, investigadora do Centro de Investigação em Línguas, Literaturas e
Culturas, uma das unidades de investigação da UA.

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“Este tipo de análise prévia estendia-se não apenas ao teatro profissional, mas também ao amador, incluindo até escolar e televisivo, por exemplo, este último a partir de 1957”, diz.

O teatro, explica, “tinha um grande impacto social e um peso considerável na oferta cultural para o público infantil, ao longo dos anos 50, 60 e 70, com a existência de companhias que se dedicavam exclusivamente a estas produções. Por isso o controlo do mesmo era fundamental, de modo a que não passassem ideias contrárias aos valores do regime”.

A investigadora revela que desde 1950 que vigoravam instruções da Censura para a literatura infantil e que davam indicações específicas sobre temas proibidos e permitidos, mas também sobre o próprio aspeto gráfico dos livros, incluindo as cores usadas. “A maior atenção da Censura recaía quer sobre o teatro, quer sobre a imprensa, em particular jornais e revistas (publicações periódicas) para a infância,
justamente por causa do sucesso grande das mesmas, maior do que os próprios livros, que se destinavam a uma minoria”, diz: “As tiras de banda-desenhada importadas, por exemplo, eram alvo de especial atenção também, nomeadamente as de origem norte-americana”.

“O controlo sobre as leituras dos mais novos – e a educação em geral – era fundamental para o controlo das pessoas. Existia a política do livro único e não interessava que as pessoas desenvolvessem pensamento próprio e espírito crítico porque essa é a génese da contestação e da reivindicação de direitos”, aponta a investigadora.

“A ignorância, como sabemos, é mais fácil de manipular e controlar e esse trabalho era feito desde cedo”, lembra. Não é por acaso, aponta Ana Margarida Ramos, que o analfabetismo e o abandono escolar grassavam no país, que o nível de escolaridade obrigatória era tão baixo e chegou a ser diferente para raparigas e rapazes, que não se investia na formação de professores e que se controlava e fechava o acesso das pessoas à formação”.

“Manter um regime totalitário durante 48 anos exigiu um controlo efetivo das pessoas e do seu pensamento e agir sobre as crianças é uma forma relativamente fácil de assegurar esse controlo”, sublinha.

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