Os mails em que Carlos Costa avisou Durão de que as exigências de Bruxelas punham em risco o Banif

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No final de 2012 e no início de 2013, no preciso momento em que Carlos Costa convencia o Governo a injetar €1100 milhões no Banif, com o argumento de que o banco era viável com base no plano de reestruturação que estava em cima da mesa, o mesmo Carlos Costa já sabia que esse plano de reestruturação não seria aceite pelas autoridades europeias.

Mais: o governador do Banco de Portugal já tinha a noção de que as exigências que Bruxelas estava a colocar para esse plano de reestruturação, não só significavam uma mudança radical sobre os pressupostos em que tinha proposto a recapitalização pública, como “punham em causa a viabilidade” do próprio Banif.

Dito de outra forma: se já havia dúvidas sobre os fundamentos de Carlos Costa para ter dito a Vitor Gaspar que o Banif era “viável” – e o socialista João Galamba insistiu na audição desta terça-feira em questionar os estudos que suportaram essa posição -, sabe-se agora que o próprio governador admitia que o futuro do Banif pudesse estar em risco tendo em conta as exigências da Comissão Europeia e da Direção-Geral de Concorrência (DGComp). E admitia esse risco no momento em que o Ministério das Finanças estava a operacionalizar a injeção de 1100 milhões de capitais públicos.

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É o próprio Carlos Costa a alertar, no final de 2012 e no início de 2013, os elementos da troika e até Durão Barroso de que as exigências que estavam a ser colocadas pela Comissão Europeia podiam fazer perigar o futuro do Banif. O governador contou isso mesmo esta terça-feira, perante a comissão parlamentar de inquérito (CPI), e enviou à CPI um conjunto de emails que, do seu ponto de vista, provam que o BdP foi proativo a contrariar as pretensões das instituições europeias.

“Uma farsa de dois anos”, diz Mortágua

Os mesmos documentos que levaram a deputada do BE Mariana Mortágua a por em causa boa parte da narrativa do governador, notando que, de acordo com aqueles emails, Carlos Costa sabia, desde o início, que nunca haveria plano nenhum que fosse aprovado por Bruxelas e fosse aceitável para o Banif.

“O senhor governador participou numa farsa que durou dois anos”, disparou a deputada bloquista, considerando que “durante dois anos há um suposto braço de ferro sem nenhumas consequências a não ser o custo para contribuintes”. Carlos Costa, acusou Mortágua, “sabia que o plano não ia ser aprovado, que a Comissão Europeia não aceitava os planos que da administração do Banif e o Banif não aceitava as ideias da CE”.

De acordo com os emails, o supervisor sabia mais: sabia que aquilo que Bruxelas exigia ia contra o plano de reestruturação que estava a ser preparado e punha em causa o futuro do banco.

“Para ti e para o Presidente Barroso”

Recorde-se que, tal como o Expresso já noticiou, a 15 de novembro de 2012 o governador do BdP escreveu uma carta ao então ministro das Finanças, Vitor Gaspar, considerando que o Estado devia proceder à recapitalização do Banif – o supervisor considerava o banco viável, mas seria essa a condição para que pudesse avançar com um plano de reestruturação (que teria de ser aprovado pela DGComp). Na resposta, Gaspar mostrou-se surpreendido pela sugestão, levantou uma imensa lista de questões sobre a viabilidade do banco, chega a sugerir outras saídas – mas acaba por ser convencido por Carlos Costa de que aquela seria a melhor solução e todas as alternativas seriam piores para acudir à situação em que a instituição tinha caído.

Porém, pouco depois, num email de 20 de dezembro, enviado a um elemento do gabinete de Durão Barroso (e com subject “Mensagem para ti e para o Presidente Barroso”), o governador do BdP assinala que “numa reunião realizada hoje, a DGComp informou que, como condição para uma decisão positiva em termos de auxílios do Estado, deveriam ser introduzidas alterações profundas na estrutura da operação de capitalização e na dimensão da redução da atividade do banco, que divergem materialmente do que tinha merecido o acordo da troika”.

Essas alterações, avisava Costa, “são geradoras de incerteza quanto à sustentabilidade do Banif e poderão motivar uma perda de confiança dos depositantes nesta instituição. Com efeitos não previsíveis no sistema financeiro”.

Ou seja, as alterações em causa – basicamente, a redução da dimensão do Banif em 60%, transformando-se apenas num banco das ilhas – podiam por em causa os próprios fundamentos da entrada do Estado no banco. Entrada essa que, recorde-se, estava em vias de acontecer – foi oficializada a meio de janeiro.

Porém, ainda antes do Estado injetar no Banif os 1100 milhões de euros que o BdP tinha recomendado, e pelo meio de muitos outros emails de caráter semelhante, avisando para as consequências dos planos que a DGComp tinha para o Banif, há outro email de Carlos Costa para Durão Barroso. Tem data de 10 de janeiro de 2013, foi dele dado conhecimento também ao presidente do BCE e ao ministro das Finanças, Vitor Gaspar, e punha preto no branco todas as dificuldades que o Banif teria pela frente.

“Infelizmente não conseguimos dissuadir a DGComp em relação ao downsizing exigido (pelo menos 60% da dimensão do balanço atual) e à limitação geográfica (focando os negócios nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores e nas comunidades emigrantes) a introduzir no plano de reestruturação do Banif”, queixava-se o governador. “Sublinho que os objetivos que a DGComp está a exigir implicariam uma alteração substancial dos pressupostos do plano de reestruturação que suporta o plano de recapitalização. Qualquer mudança que signifique uma mudança material na atual versão do plano de recapitalização implicaria uma nova opinião do Banco de Portugal”, avisava Costa.

Resgate em risco

“Esta situação é uma surpresa para mim”, insistiu o governador, invocando os compromissos a que tinha chegado com a troika durante a sexta avaliação do Memorando de Entendimento. Não era só o Banif que ficava em causa, mas todo o sucesso do resgate a Portugal – para que a economia reanimasse, precisava de liquidez, e as exigências que estavam a ser colocadas por Bruxelas ao sistema financeiro português punham em causa as hipóteses da banca financiar a economia. “Um enorme risco que na minha qualidade de governador e de cidadão português não posso aceitar”, escreveu Costa na carta a Durão Barroso.

A história, depois, é conhecida: a DGComp nunca validou nenhum dos planos de reestruturação apresentados pelo Banif, preparados com o Governo e a colaboração do BdP. Esse impasse levou a que a Comissão Europeia abrisse uma investigação aprofundada à ajuda do Estado ao Banif, com vista a declará-la ilegal. E, segundo contou Carlos Costa aos deputados, foi essa avaliação de que em 2013 teria havido uma ajuda estatal ilegal ao Banif (por nunca ter sido aprovado o plano de reestruturação) que se precipitou a resolução do banco.

Apesar de logo em 2012 e 2013 Carlos Costa ter percebido que o modelo de banco das ilhas proposto pela DGComp poria em causa a viabilidade futura do Banif, o governador aproveitou a ida à CPI para acusar a anterior administração do banco de não ter tido “habilidade negocial”.

Filipe Santos Costa (Rede Expresso)

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