Os segredos e mistérios de Santo António de Arenilha

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O historiador Fernando Pessanha abordou os 500 anos da fundação de Santo António de Arenilha e as relações da antiga vila com a localidade espanhola de Ayamonte. Iniciativa decorreu no Arquivo Histórico António Rosa Mendes, em Vila Real de Santo António

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Domingos Viegas

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A localidade de Santo António de Arenilha, que existiu numa zona a sul da atual cidade de Vila Real de Santo António, desapareceu entre o final do século XVI e o princípio do século XVII.

Mas, quem eram os seus habitantes? Como eram as suas relações com a localidade espanhola de Ayamonte? Quando foi fundada e porque é que desapareceu? Estas foram algumas das questões explicadas pelo historiador Fernando Pessanha na sessão de novembro do ciclo “Arquivo Entre Histórias”, realizada na última semana no Arquivo Histórico António Rosa Mendes, na cidade pombalina.

Fernando Pessanha partilhou com os presentes o pouco que se sabe sobre esta localidade e começou mesmo por desmistificar uma das ideias que muitas pessoas ainda têm acerca do desaparecimento daquele aglomerado urbano: “A história contada, por algumas pessoas, em Vila Real de Santo António de que Arenilha foi destruída pelo terramoto de 1755 é um disparate, porque a localidade já não existia nessa altura”.

Mas desde quando é que a zona era habitada? Fernando Pessanha explicou que, apesar da carta de privilégio ser de 1513 (fez 500 anos no ano passado), existem referências anteriores a Arenilha. “É evidente que a zona era ocupada antes de 1513, nem que fosse de maneira sazonal. E, muito provavelmente, por pescadores espanhóis”, referiu, recordando que a fixação de presença humana na zona deu-se no chamado período orientalizante (século VIII a.C.), através dos diversos povos que passaram por esta zona da Península Ibérica.

O contrabando e a pirataria que se praticavam na zona, e a consequente fuga aos impostos, foram alguns dos motivos que levaram D. Manuel, em 1513, a tomar medidas para pôr ordem nesta zona da fronteira.

“Se quisermos ser cientificamente corretos, as estratégias que obedeceram à fundação de Santo António de Arenilha são as mesmas que obedeceram à fundação de Vila Real de Santo António. Estamos a falar da afirmação do poder português face ao Estado espanhol, com as devidas diferenças do contexto político. E, por exemplo, o problema da pirataria também já não existia aquando da fundação de Vila Real de Santo António”, explicou Fernando Pessanha.

Ainda em relação à questão do contrabando, o historiador acredita que a comercialização de escravos também era efetuada nesta zona. Estes seriam vendidos em Arenilha, aos espanhóis, através de transações que escapavam ao Mercado de Escravos de Lagos e, consequentemente, ao controlo do Estado.

Outro dos motivos da carta de privilégio de 1513 terá sido a “necessidade de povoar esta zona do Algarve para servir de apoio às conquistas em África”, referiu o historiador.

Mas quem eram os habitantes de Santo António de Arenilha? “Eram de Castro Marim, de Cacela, entre outras localidades da zona, mas principalmente de Ayamonte e arredores”, referiu Fernando Pessanha, frisando que “a maioria era de origem espanhola”.

E explicou: “O padre era espanhol. Isto só faz sentido se a maioria da população for espanhola”. Mas há outra evidência, que tem a ver com o nome da localidade, do espanhol “arenilla” (areia fina, em português), e com o facto de este ter continuado a ser utilizado mesmo depois de 1513.

“O topónimo Arenilha manteve-se, sempre, apesar de ter sido instituído no lado de cá da fronteira apenas o nome Santo António, para acabar com uma expressão espanhola e vincar ainda mais o domínio português na zona”, explicou Fernando Pessanha.

O historiador também não tem dúvidas de que havia “boas relações” entre a população de Santo António de Arenilha e a de Ayamonte. “Os rios tanto unem como separam. Neste caso, por exemplo, o contrabando era um fator de união. Uma coisa são os interesses políticos, mas a relação entre os povos das duas margens era boa”, afirmou.

Santo António de Arenilha acabou, posteriormente, por ver a população ir abandonando a localidade. “A vila vai ficando cada vez mais despovoada a partir de finais do século XVI”, conta Fernando Pessanha, acrescentando que a população afastou-se, por ação da pirataria e, também, devido à ação do mar, já que a vila foi, progressivamente, engolida pelas águas.

O local onde habitaram os arenilhenses encontra-se submerso, um facto que também não contribuiu para que se conheça mais sobre a sua história. Depois, a fundação de Vila Real de Santo António “acabou por obscurecer completamente aquilo que foi Arenilha”, considerou Fernando Pessanha em declarações ao JA, à margem da conferência.

“Ainda há muitas lacunas por preencher em relação à história de Arenilha. As relações humanas entre as populações das duas margens é algo que pode ser desenvolvido, assim como o contrabando e as atividades subjacentes a esta prática”, referiu.

“Espero que, no futuro, surjam mais investigadores que se concentrem sobre a história de Arenilha, porque até agora temos sido muito poucos. E a nossa história local merece ser enriquecida porque tem um património muito interessante”, acrescentou.

O ciclo de conferências “Arquivo Entre Histórias” tem sessões mensais e, segundo Fernando Pessanha, pretende “divulgar o património local e regional”. A próxima está marcada para o dia 12 de dezembro, terá como convidada Maria João Valente, da Universidade do Algarve e especialista em Pré-história, que irá falar sobre os hábitos alimentares dos povos que passaram por a nossa região ao longo dos tempos.

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