Sócrates devia ter sido libertado: os argumentos do juiz derrotado

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Apesar do seu voto sair derrotado contra os das juízas Laura Maurício e Teresa Féria, o juiz José Reis, do Tribunal da Relação de Lisboa, fez questão de deixar os seus argumentos escritos. Para o magistrado, José Sócrates deveria ser imediatamente libertado. E mais. Não existem indícios de especial complexidade na Operação Marquês.

Numa extensa declaração, José Reis arrasa com o trabalho do Ministério Público no caso que envolve o ex-primeiro-ministro, suspeito dos crimes de fraude fiscal agravada, branqueamento e corrupção.

O magistrado lembra que os dois últimos dois crimes enquadram-se no conceito de criminalidade altamente organizada. Só que, frisa, “criminalidade altamente organizada não significa, só por si, que o procedimento se revele complexo”. E nem o facto de o processo contar agora com sete arguidos significa que seja mais complexo. “Trata-se de um número de arguidos frequente, mais que normal e muito longe de ser excecional”.

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Sobre o primeiro interrogatório judicial realizado a Sócrates, logo na altura da sua detenção, em novembro do ano passado, o juiz considera que em momento algum o arguido “foi confrontado com quaisquer factos ou indícios concretos suscetíveis de integrar o crime de corrupção. E seguramente não o foi porque simplesmente no rol de factos eles inexistem.”

Sensivelmente a meio da sua declaração, José Reis escreve que “a decisão que declara a excecional complexidade não exige uma caracterização detalhada dos factos em investigação, mas não pode prescindir de um núcleo mínimo de fatos ou indícios que permitam compreender o que está em causa e, assim, ajuizar de forma prudente daquela mesma complexidade”. E conclui: “A decisão não descreve um único indício factual de suscitar os crimes de corrupção”.

Para o juiz da Relação, a tese do Ministério Público sobre a ocultação das transferências financeiras entre Carlos Santos Silva e José Sócrates apresenta-se com contornos difusos e demasiado genéricos. “Está subjacente que tudo é contrapartida (indevida, claro) de atos do governo mas não se descreve um único desses atos que permita estabelecer conexão judiciária entre os mesmos e avultados montantes dados à estampa. em suma, continua a faltar descrição indiciária objetiva do cimento da ligação.” Acrescenta logo a seguir que “faltando o cimento que ligaria os factos narrados aos que não vemos narrados, não é possível a este Tribunal produzir um juízo favorável às pretensões da investigação”.

À medida que o documento se aproxima do fim, o magistrado torna-se cada vez mais contundente. “Não pode ser à custa da elevação do prazo da sua prisão preventiva que se poderão ultrapassar eventuais atrasos ou dificuldades da restante investigação.”

Algumas linhas abaixo, lê-se outra frase demolidora: “Não se pode justificar a excecional complexidade com a indicação, de forma desgarrada e difusa, de uma enxurrada de factos (alguns de duvidosa relevância criminal) e a omissão de outros que são nucleares para permitirem estabelecer judicialmente uma conexão aos primeiros.” E logo depois mais outra: “Este tribunal fica sem saber o que, concretamente, com relevância criminal, se está a investigar, pelo que não pode conceder o seu aval àquilo que desconhece. Ou seja, se se ignoram os indícios dos factos que se projetam demonstrar não se pode fazer um juízo fundamentado acerca da complexidade da investigação, sendo certo que não há complexidade alguma em investigar o nada, o vazio.”

As conclusões de José Reis tornam-se, assim, previsíveis: “Não se mostram preenchidos os pressupostos necessários para a declaração recorrida e, consequentemente, não podem ser elevados os prazos de duração do inquérito, do segredo de justiça, nem da prisão preventiva”.

RE

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