Universidade, CCMAR e empresas de mãos dadas pela inovação e sustentabilidade

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Natural de Vila Real de Santo António, Alexandra Teodósio esteve à conversa com o JA sobre os projetos que estão a ser desenvolvidos no seio da Universidade do Algarve (UAlg) e que prometem dinamizar as potencialidades da costa. Defensora de uma maior proximidade entre a instituição e a comunidade, Alexandra Teodósio assume a coordenação de múltiplos projetos nas áreas da Economia Azul, Biologia Marinha e Sustentabilidade. Através do CCMAR e de outros centros de investigação, a UAlg tem sido pioneira na investigação e exploração de temáticas que contribuem diretamente para a inovação e crescimento económico da região e afirma que Investigadores e professores têm noção do que o Algarve precisa

Vice-reitora da UAlg desde 2017, Alexandra Teodósio é também professora associada com agregação na Academia e uma das coordenadoras do grupo de investigação ‘Ecologia e Restauração de Habitats Fluviais, Estuarinos e Costeiros’ do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) desde 2001. Crescer a Sotavento – na vila raiana banhada pelo Guadiana – deu-lhe o “fascínio” por aquele estuário e pelas espécies que observava na infância. Daí nasceu a paixão pela Biologia Marinha e a vontade de explorar “as potencialidades dos rios e dos mares”.

Ingressou como estudante na UAlg em 1983 e licenciou-se em Biologia Marinha em 1988. Entre os seus principais interesses de investigação estão a ecologia estuarina e marinha, a dinâmica trófica e a condição nutricional desde alforrecas, peixes, tartarugas até mamíferos marinhos e os efeitos das alterações climáticas nos ecossistemas aquáticos, nomeadamente a regularização de caudais, impactos de espécies não nativas, plastificação do planeta, sustentabilidade e a acidificação do oceano.

“Muito mudou” desde que entrou como aluna, conta ao JA. Quando entrou na Universidade “eram cerca de 90 estudantes”, recorda. Hoje, são mais de 10 mil aqueles que escolhem a Academia para “estudar onde é bom viver”. Na sua visão, a expansão da UAlg, ao longo de 43 anos, tem sido “bastante grande e consistente”, com uma resposta formativa e de investigação “que vai ao encontro da realidade e das necessidades da região, mas que vai muito para além do Algarve”, afirma.

Segundo os resultados da ‘Times Higher Education’ (THE), na edição 2023 dos ‘World University Rankings’, a UAlg volta a obter a pontuação mais elevada no indicador que avalia a projeção internacional das universidades. O ranking voltou a considerar que o ponto mais forte da Academia algarvia é a sua “projeção internacional”, colocando-a na posição 347 entre as 1799 instituições avaliadas, de 104 países. Nesta edição, a UAlg melhorou o seu desempenho em três das quatro áreas em avaliação: Investigação, Transferência de Conhecimento e Projeção Internacional.

Projetos reforçam internacionalização da Academia
Alexandra Teodósio está envolvida em três projetos internacionais, que partem de pressupostos de outras investigações já realizadas na região, mas também na coordenação de outros projetos de âmbito regional relacionados “com a proximidade da Universidade à sociedade e com a Educação”, distingue. Na região, os projetos de investigação concentram-se na monitorização de algas tóxicas e outras, na detenção e impacto dos microplásticos nos ecossistemas marinhos, na economia azul e na sustentabilidade.

O Cavalo-marinho tem assinatura do artista Bordalo II e alerta para a extinção da espécie

No âmbito do projeto europeu ‘Horizontes de Sustentabilidade’, no qual a UAlg assume a coordenação, Alexandra Teodósio explica que foi criado um percurso “de oito quilómetros” entre a escultura de um cavalo-marinho – criada pelo artista Bordalo II com lixo e artes de pesca abandonadas na Ria Formosa –, que pode ser vista no Campus de Gambelas, e outro cavalo-marinho de plástico que adorna a torre de água do parque de campismo de Ilha de Faro. Ao longo do percurso, estão disponíveis QR Codes que explicam o ciclo de vida do cavalo-marinho e as suas ameaças “com o objetivo de sensibilizar as pessoas para o decréscimo das pradarias marinhas na Ria Formosa”, explica.

Repovoamento de espécies
Atualmente, ao abrigo do projeto ‘Seaghorse’, existem investigações a decorrer, lideradas pelo investigador Jorge Palma (CCMAR), relacionadas com a sustentabilidade do cavalo-marinho. Segundo Alexandra Teodósio, existem, desde 2020, “duas áreas marinhas protegidas para estimular o aumento das populações, o que já está a surtir um efeito positivo”, adianta.

Para além disso, o mesmo grupo de investigação está a reproduzir a espécie em cativeiro. Recentemente, foram libertados 150 cavalos-marinhos criados na Ria, entre Faro e Olhão, onde foram colocadas estruturas artificiais que recriam o seu habitat natural, para que ali se possam fixar. A maior parte destes cavalos-marinhos nasceu nos tanques da Estação Marinha do Ramalhete, em Faro, mas os seus progenitores são espécimes que viviam em ambiente selvagem e foram para lá levados com o intuito de se reproduzirem, contribuindo, assim, para a conservação da espécie.

Partilha científica em África
A nível internacional, o projeto ‘Luanda WaterFront’, que vê o seu término em fevereiro próximo, tem como objetivo estudar “a macrofauna na Baía de Luanda, onde o desconhecimento era quase total”, recorda a vice-reitora. À semelhança dos postais ilustrados, pensados para “recriar a fauna invasora do Guadiana”, a mesma ideia seguiu para África, mas para o levantamento das espécies base daquela bacia, aliando assim “a ciência à arte”, refere. Estudar “o recrutamento dos peixes no Estuário dos Bons Sinais, em Moçambique”, é outra das frentes do CCMAR, da vice-reitora e de dois estudantes de doutoramento que estão “a explorar o fenómeno de entrada de novos indivíduos numa população que está disponível à pesca”. Ainda em África, o projeto ‘LittleFish – STP’, pretende estudar o peixinho (uma espécie de apenas alguns centímetros) e capacitar as comunidades locais, pescadores e governo sobre a gestão daquele e outros recursos pesqueiros ameaçados na Ilha de São Tomé e no Príncipe.

A UAlg coordena o projeto europeu “Horizontes de Sustentabilidade”

Festival de Inovação Azul e Sustentabilidade
O Festival Inovação Azul e Sustentabilidade no Estuário do Guadiana decorreu em outubro, no edifício da Reserva do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António. A iniciativa, integrada no projeto “Impulso da Aliança Litoral Atlântica para o Crescimento Azul – Atlazul”, teve como objetivo “a promoção de projetos empresariais no sector turístico, pesqueiro e aquícola, de carácter intersectorial, potenciadores do desenvolvimento de novos produtos e empresas na área da economia azul sustentável, e geradores de impulsos de inovação em empresas existentes”, explana Alexandra Teodósio.

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A sustentabilidade da economia azul, as necessidades e oportunidades do turismo da economia azul, a Eurocidade do Guadiana, a aquacultura e as rotas turísticas foram também temas debatidos com vista “a incentivar o crescimento azul no Algarve e na Andaluzia”. Para a investigadora de 57 anos, “o crescimento sustentável no mar tem muito potencial na região, sobretudo o crescimento da aquacultura não alimentada, como é o caso dos bivalves, que crescem naturalmente em sistemas abertos”, exemplifica.

Para a vice-reitora da UAlg, “criar sistemas integrados onde tudo se aproveita e apostar no crescimento azul é a resposta ao planeta como um todo”. No Algarve, particularmente, diz ainda haver “condições excecionais para explorar novas espécies e novos setores… Focamo-nos demasiado no Turismo e é preciso diversificar a economia, ainda que o Turismo seja importante. Gostava que o azul fosse mais do que o ‘azul’ das praias porque temos condições para isso”, advoga.
Durante o Festival, um dos projetos premiados, e que mais atraiu a atenção da audiência, consiste “no aproveitamento da biomassa dos volumes de algas que estão a afetar as praias da região – e que são um problema para todos os municípios no litoral – e tirar valor económico desse produto para várias aplicações.

Outro dos projetos que está a fazer eco na comunidade científica, na área da Biologia Marinha e da Oceanografia, permitirá pescarias mais dirigidas e sustentáveis. “Com o objetivo de dotar a indústria pesqueira de tecnologia avançada de registo, reporte e gestão de dados, a UAlg e mais duas empresas estão a desenvolver um software para que as pescarias possam ser mais inteligentes e direcionadas e evitar a pesca acessória, que está a ameaçar a sustentabilidade de espécies como o tubarão de profundidade, por exemplo”, atenta.

O percurso foi criado este ano no âmbito do projeto ‘Horizontes de Sustentabilidade’

Projetos que acompanham os desafios da região
As alterações climáticas são, para a investigadora, “um dos maiores desafios no Algarve” – o que por sua vez “acarreta outros problemas”. A “tropicalização”, um dos fenómenos já evidentes no clima algarvio, “faz com que as espécies – terrestres ou marinhas -, que antes só estavam presentes em zonas subtropicais, estejam a aparecer naturalmente na nossa costa porque as águas estão mais quentes”.

De acordo com a académica, algumas das novas espécies que aqui se fixam “são interessantes do ponto de vista económico”. Por outro lado, alerta que “há outras que podem ser problemáticas por terem efeitos urticantes e que não são conhecidas pelas pessoas”. Nesse sentido, “têm sido dinamizadas campanhas de sensibilização dirigidas ao público em geral, agentes turísticos e aos pescadores”.

Mudança na matriz piscatória
Relativamente à hipotética mudança na matriz piscatória da região, Alexandra Teodósio, reforça que essa é uma realidade “mais evidente e mais estudada no Estuário do Guadiana” e explica: “O estuário sofreu um impacto ambiental com a construção do Alqueva, o que fez com que a influência salina no rio subisse e isso deu espaço a que outras espécies se tenha desenvolvido naquele ecossistema”.

O caranguejo azul e a corvina americana são exemplos de espécies que apresentam “potencial para serem introduzidas na economia e na nossa alimentação”, afirma. Por isso, “estão a ser desenvolvidos em colaboração com pescadores, chefes de cozinha e população em geral”, avança. O objetivo é “mostrar que estas espécies podem ter valor, que podem ser comercializadas”.

Segundo a bióloga, muitas das espécies nativas da pesca algarvia já estão “sobre-exploradas” e novas espécies vão ajudar “a recuperar as nativas”, que já estão a ser afetadas também pelas alterações climáticas. Colocar o foco na captura de outras espécies “pode ser o caminho a seguir”, sugere.

Graças aos eventos climatéricos extremos, algumas espécies “podem mesmo já não estar na nossa costa”, observa. No caso das anchovas ou das sardinhas, “por serem espécies de águas frias e ao afloramento costeiro, duas realidades em risco, podem colocar em causa a sustentabilidade destes peixes na costa algarvia”, denota.

O caso da mortandade que está a assolar os bivalves da Ria Formosa e da Ria de Alvor, associada numa fase preliminar às alterações climáticas “é uma das grandes questões que está a ser estudada por cerca de 10 investigadores do laboratório colaborativo que é dirigido às questões de aquacultura sustentável e inteligente”, diz ao JA. “Os fenómenos extremos do clima arrastam nutrientes e partículas muito rapidamente e os bivalves são filtradores… Estão a aparecer novas doenças que também não existiam. Mas ainda não temos uma solução”, lamenta.

Captar investimentos
Na sua perspetiva, “o futuro passa pela colaboração com as empresas”. Explica que os projetos de investigação “são sempre levados a cabo com fundos externos” por não existir um fundo de investigação que financie os projetos. Para estar na linha da frente, a UAlg “concorre a projetos” e conta também com apoios da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Contudo, a investigadora considera que “cada vez mais faz sentido que as empresas inovem com tecnologia e valor acrescentado, e para que isso aconteça é preciso investigação. Essa ligação é necessária”, assume, ainda que saiba que, na região, “as empresas ainda investem pouco”.

Na associação entre a Academia e os laboratórios colaborativos como o da aquacultura, o GreenColab (algas), o do Turismo e o recém-criado ABC CoLAB, “a representação das empresas é relevante. São quatro centros de investigação universitários em que a maior parte dos sócios são empresas e nas quais a UAlg tem estado a apostar e a fazer-se representar no sentido de perceber o que é que as empresas precisam para que se possa dar essa resposta”.

Através da Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia (CRIA), no Campus das Gambelas, a incubação de empresas tornou-se uma realidade na UAlg. Já o ‘Algarve Tech Hub’, no Campus da Penha, empresas já estabelecidas utilizam o espaço apenas com uma contrapartida – receber estudantes de doutoramento e investigadores que possam contribuir para os projetos na área da tecnologia.

“Abrir mais as portas e deixar cair dos gradeamentos da Universidade”, “envolver a comunidade num espaço aberto a todos”, revolucionar a dinâmica do ensino com “salas de aula ao ar livre” e “apostar em soluções de base natural para potenciar o crescimento sustentável” são algumas das ambições da vice-reitora da Universidade do Algarve.

Ainda que “os financiamentos não corram como seria desejável”, Alexandra Teodósio está convicta que a Academia algarvia “está no caminho certo” e que “os investigadores e os professores têm noção do que o Algarve precisa”. A questão da eficiência hídrica e energética, e os desafios da agricultura também fazem parte do leque problemáticas para as quais os centros de investigação da UAlg “procuram soluções e respostas”.

“Há boas sementes plantadas nas diferentes áreas. O essencial é conhecer todos os ecossistemas para fazer a gestão integrada dos recursos”, conclui.

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