1596: o ataque do Conde de Essex a Faro

...e o roubo da Biblioteca do Bispo do Algarve

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Foi há exactamente 10 anos, em Dezembro de 2013, que a Associação Faro 1540 aprovou, por unanimidade, requerer à Universidade de Oxford a devolução da biblioteca do bispo do Algarve D. Fernando Martins Mascarenhas, saqueada pelo corsário inglês Robert Devereux, Conde de Essex, em 1596. Volvida uma década sobre esta petição, que a Faro 1540 fez chegar ao então secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier, à Câmara Municipal de Faro e ao bispo do Algarve, D. Manuel Neto Quintas, torna-se simbólico e manifestamente pertinente revisitarmos um tema incontornável da História do Algarve e da sua capital, em particular.

Retrato de Robert Devereux, 2.º Conde de Essex

Antes de mais, convém esclarecer que o ataque do Conde de Essex a Faro e o consequente roubo da biblioteca do Bispo do Algarve tem origem no conflito entre Felipe II de Espanha e Isabel I de Inglaterra, que conduziu à célebre expedição da Armada Invencível às costas inglesas, em 1588. Como é sabido, desde 1580 que a Coroa de Portugal tinha recaído sobre Felipe II, o que conduziu à constituição da União Ibérica católica adversária da Inglaterra protestante. Foi, portanto, nesse contexto que o Algarve sofreu vários ataques, como o ocorrido em 1587, quando o corsário Sir Francis Drake, depois de saquear Cádis, assaltou e incendiou a fortaleza de Sagres ou o ataque de Robert Devereux, 2º Conde de Essex, a Faro, em 1596.

Tal como aconteceu no ataque a Sagres de 1578, também o ataque inglês a Faro foi precedido de uma violenta incursão contra Cádis, que se mostrou incapaz de suster o ímpeto dos atacantes. De facto, os gaditanos, mal preparados, entraram em pânico dificultando qualquer defesa. O fogo posto pelos ingleses destruiu casas, palácios e conventos, sendo que parte da frota espanhola foi incendiada pelos próprios castelhanos, de modo a que os navios e as cargas embarcadas não caíssem em mãos dos adversários. Com efeito, a carga incendiada pelos castelhanos valeria mais de 4 milhões de ducados, sem contar com o valor dos navios (32 perdidos e capturados dois grandes galeões de guerra), munições, armamento e os resgates que foram pagos pelos castelhanos aprisionados pelos ingleses.

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Gravura da cidade de Faro no séc. XVII, de autor anónimo. B.N.P., E. 637 P.

Seis dias após abandonarem Cádiz, a armada inglesa chegou a Faro, em 22 de Julho. A população, ao sentir a sua aproximação dos corsários, fugiu para São Brás de Alportel, deixando a Faro desprotegida. No dia 24, os ingleses desembarcaram na praia de Farrobilhas, a oeste da cidade, de modo atacá-la contornando os obstáculos naturais da Ria Formosa. Os corsários espalharam-se pelos campos roubando todos os géneros alimentares que podiam. Diz-nos Fray Pedro de Abreu, o cronista gaditano que narrou estes acontecimentos em Historia del saqueo de Cádiz por los Ingleses en 1596, que o Conde de Essex mandou incendiar a cidade e os seus templos, deixando um rasto de destruição tão impiedoso como o verificado em Cádis. Informações igualmente asseveradas por historiadores portugueses da Idade Moderna como Luíz Caetano de Lima, que no Tomo II, Capitulo XIV, da sua obra Geografia histórica de todos os estados soberanos de Europa… regista que “padeceo a Cidade de Faro huma lamentavel ruina; porque entrando nella os Inglezes à força de armas aos 25 de Julho de 1596 Saquearaõ, e queimaraõ a dita Cidade, sem que ficassem livres do estrago mais, que as Igrejas de S. Pedro, e da Misericordia, a que se naõ estendeo aquelle grande incêndio”.

O porto de Farrobilhas e a cidade de Faro no mapa do Reino do Algarve. Pormenor extraído de Portugalliae que olim Lusitania, novissima & exactissima descriptio, de Fernando Álvaro Secco (1560). B.N.P., C.C. 400 V.

Fray Pedro de Abreu, cronologicamente mais próximo dos acontecimentos regista que “los ingleses (…) hubieron en su poder todo el despojo de Faro com mucha facilidad y tambien lo que havia en el lugar, haciendo en él dano y destrozo que en los demás, que fué quemarlo y ponerlo por el suelo, con el templo y todo quanto pudieron destruir y arruinar sin respecto ni piedad alguna, con lo cual se volvieron retirando hácia Faro para de alli se embarcase”. Outra fonte inglesa, mencionada por Paul E. J. Hemmer em “Nuevos aspectos sobre la expedición a Cádiz en 1596”, refere que de Faro “levaram uma boa provisão de vinho doce, também sinos e um bom canhão real de 11 polegadas, um basilico de mais de 17 pés, e duas peças de latão”, para além de mencionar que o Conde de Essex ficou com “39 baús de livros e um certo número de quadros que foram embarcados para ele”. De resto, outras obras da historiografia inglesa, como Lives of the British Admirals…, de Robert Southey, são lacónicas ao afirmar que os ingleses “brought away the library which had belonged to Osorio, late bishop of the adjacent city of Sylves, whose Latinized name is still well known, and was then familiar to the English…”. Aliás, refere Southey que “Faro was famous only for this library” e que “the remains of this collection are preserved; but it is probable that those books which would now be the most valuable, were thought by the captors not worthy of preservation”. Por outras palavras, os 65 títulos (num total de 91 volumes) identificados e preservados pela Universidade de Oxford, fazem parte da biblioteca que pertencia ao então bispo do Algarve, D. Fernando Martins Mascarenhas, assim como, aparentemente, ao bispo do Algarve D. Jerónimo Osório.

Passados 10 anos sobre a petição que a Associação Faro 1540 apresentou à Universidade de Oxford para a devolução da biblioteca do bispo do Algarve saqueada pelo 2.º de Essex, parece não ter havido qualquer resposta, até ao momento. Esperamos, portanto, que o estudo que pretendemos publicar em 2024, no próximo número dos Anais do Município de Faro, sobre o assalto a esta cidade comandado por Robert Devereux, em 1596, sirva para reavivar uma questão da maior pertinência para a História e para o Património do Algarve.

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