Clima: 36 mil pessoas terão que ser realojadas até 2050

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Até 2050, 36 mil pessoas que vivem na costa no Algarve terão quer ser retiradas e realojadas devido à subida do nível do mar, ao desaparecimento de zonas costeiras e às cheias. Dentro de menos de 30 anos, os algarvios terão de viver com a falta de água, mais ondas de calor, eventos climáticos extremos e fogos florestais, segundo os especialistas. As perdas mais impactantes serão o desaparecimento da Ria Formosa, da barra de VRSA e da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim. O JA aprofundou o impacto das alterações climáticas na região e os resultados são surpreendentes. E alarmantes.

A subida das águas do mar vão pôr em risco cerca de 36 mil pessoas até 2050, mas até ao final do século esse número pode vir a atingir 50 mil, segundo dados do INE (Instituto Nacional de Estatística) e de acordo com o que disseram esta semana ao JA especialistas em alterações climáticas. “Metade da população costeira do Algarve vai ser afetada pela subida do nível do mar até ao final do século [2100], um fenómeno que vai continuar mesmo após a viragem do século”, garantiu ao nosso jornal Filipe Duarte Santos, coordenador não científico do Plano Intermunicipal de Adaptação às Alterações Climáticas do Algarve (PIAAC-AMAL) e membro do centro de investigação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Esta será ainda uma região que terá cerca de 19 mil edifícios em zonas de risco, já em 2050, subindo para os 23 mil, em 2100, de acordo com previsões do INE.

Segundo dados do SNM (sigla de Subida do Nível do Mar), Portugal, a nível nacional, o distrito de Faro terá a terceira maior área inundável por km2 do País entre 2025 e 2100. Num futuro próximo, e num cenário projetado de inundação extrema, fala-se, já para 2025, num aumento de 23 cm do nível do mar, gradualmente subindo para os 44 cm, em 2050, e atingindo 1,15m em 2100.

Segundo as previsões do PIACC-AMAL, as zonas de tecido urbano com frente de mar mais críticas serão Quarteira e Praia de Faro, onde se espera que as inundações atinjam as várias linhas de habitação costeira, sendo nesta franja que aquele Plano projeta um maior número de danos materiais e sociais. O PIACC-AMAL aponta quatro possíveis cenários e o desaparecimento da Ria Formosa, da Península do Ancão e das Ilhas-Barreira corresponde aos mais gravosos daqueles cenários, com o galgamento oceânico na origem da perda da biodiversidade e de um património natural único, para além dos prejuízos materiais incalculáveis.

Dadas as características de costa baixa, o extremo Sotavento algarvio (ponta mais a leste da região) será uma das áreas mais fustigadas pela subida do nível das águas, com zonas que ficarão frequentemente submersas (e mais expostas a tempestades), podendo chegar a um nível de submersão anual de 10%, o que corresponde a 876 horas num ano. Neste cenário, os concelhos de Castro Marim e Vila Real de Santo António (VRSA) serão os mais afetados, resultando no desaparecimento da chamada “ponta” (barra) de VRSA e da Reserva Natural do Sapal. Para além disto, destaca-se a vulnerabilidade das zonas baixas de Olhão e Tavira, bem como o Vale da Lama, entre Lagos e Portimão. Pelos índices de ocupação urbana e pela rápida evolução do fenómeno, Luís Dias, o coordenador cientifico do PIAAC-AMAL e especialista em matéria de alterações climáticas, acredita que a deslocalização da população nestas zonas costeiras será uma realidade. Já a zona do Barlavento será maioritariamente afetada pela erosão das praias, disse o especialista ao JA.

Temperaturas cada vez mais elevadas, ondas de calor e mortalidade

No futuro, o aumento da temperatura no Algarve é um dado factual que acarreta consequências graves para a população, esperando-se um aumento a temperatura média (que pode chegar até aos +3,7°C entre 2071-2100), mas também da temperatura mínima e máxima, bem como o aumento na frequência de eventos extremos relacionados com temperaturas elevadas.

Luís Dias, aponta para o aumento da mortalidade associada a ondas de calor e à diminuição dos recursos hídricos, com uma subida entre 2% e 7%, com especial incidência no Sotavento algarvio, Em zonas do interior, como Alcoutim, anteveem-se cenários mais preocupantes, devido às características etárias de uma população cada vez mais envelhecida.

No Sotavento, os dias com temperatura máxima acima de 30°C, podem chegar a +50 dias no final do século e, se falarmos em temperaturas acima dos 38°C, os aumentos mais significativos ocorrerão na zona central do Algarve, entre as serras do Caldeirão e de Monchique e no nordeste algarvio, onde podem fazer-se sentir até +34 dias de calor extremo. Com isto, os dados do PIAAC-AMAL, mostram-nos que, no final do século, poderão registar-se anualmente até +73 dias de ondas de calor na região.

Também as chamadas noites tropicais, com temperaturas mínimas superiores a 20°C, vão aumentar em toda a região e, num cenário mais extremo, podem chegar aos 66 dias por ano, trazendo impactos para a saúde das populações, pois prevê-se o aumento dos efeitos adversos do “stress” térmico sentido durante o dia. Este aumento tende a expandir-se para o interior ao longo do século, nomeadamente para o barrocal e vale do Guadiana.

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No caso da saúde humana, para além dos impactos na mortalidade, é ainda esperado um decréscimo da qualidade do ar, com maiores índices de poluição atmosférica e um aumento de ocorrência de doenças transmitidas por mosquitos e carraças.

De acordo com o Plano Intermunicipal, a agricultura, o aumento da temperatura vai trazer necessidades acrescidas de irrigação, ou situações de perda de culturas.

A população residente, bem como o turismo da região, enfrentarão sérios desafios motivados pelo aumento da temperatura, uma vez que está previsto um decréscimo do conforto térmico para atividades no exterior e do conforto térmico nos edifícios, algo que vai alterar as dinâmicas sociais e o modo de vida característico da região.

Segundo os especialistas, até as vias de comunicação serão afetadas com o aumento da temperatura, sendo a degradação da fiabilidade dos pisos mais pronunciada nos municípios de Alcoutim (87%), Castro Marim (88%), Vila Real de Santo António (91%) e subdivisão de Tavira Norte (91%).

Fogos florestais mais destrutivos e mais frequentes no Sotavento

Com o agravamento das alterações climáticas, é esperado um aumento da frequência de incêndios, das áreas ardidas e da intensidade do fogo, em particular no Sotavento interior, em Alcoutim e em Castro Marim, onde a média anual do número de dias de risco de incêndio pode aumentar até 18 dias. Segundo as previsões do PIAAC-AMAL, a duração da época de fogos vai estender-se para além dos meses tradicionalmente mais críticos, podendo alargar-se entre maio e outubro, num território que é suscetível à desertificação em mais de 90%. Com isto, aumentará a pressão exercida sobre os habitats, especialmente em Monchique, Castro Marim e Aljezur, com as temperaturas elevadas e os fogos a provocarem a migração de espécies e habitats para norte, em altitude ou mesmo o seu desaparecimento.

O Sotavento, a título de exemplo, num cenário extremo, deixará de ter condições de adaptabilidade para espécies como o sobreiro e o medronheiro, espécies fundamentais para a economia da região algarvia.

Menos água disponível, secas mais intensas e mais longas

Independentemente do cenário climático traçado pelos especialistas do PIAAC-AMAL, é observada uma diminuição progressiva da água disponível, fenómeno que os especialistas chamam de “stress hídrico”. A longo prazo, apenas o sistema Arade-Funcho e Silves, Lagoa e Portimão se irão manter na condição de stress moderado, contrastando com a Barragem da Bravura e Lagos, Odelouca e com o Aquífero de Querença-Silves, que entrarão em colapso.

Numa região semiárida como o Algarve, o Plano projeta a diminuição dos aquíferos e do nível das barragens, com um abalo na disponibilidade hídrica da região como consequência da redução da precipitação, como explicou ao JA Cristina Veiga-Pires, professora, investigadora da Universidade do Algarve e editora do PIAAC-AMAL. As maiores reduções de chuva incidem sobre a região de Monchique e nas áreas junto da bacia do Guadiana.

Ainda que se preveja que a precipitação vá diminuir 15% até ao final do século, segundo Cristina Veiga-Pires, assistiremos, por outro lado, ao aumento da frequência, da intensidade e da duração de eventos climáticos extremos, como é o caso de tempestades e intempéries, que estarão na origem de cheias e inundações nas áreas circundantes da Ribeira de Aljezur, Rio Gilão (Tavira), Ribeira de Monchique, Rio Seco (Faro), Rio Arade (Silves), Ribeira de Bensafrim (Lagos) e na Ribeira de Carcavai (Loulé).

Relativamente às secas, em cenário de alterações climáticas projeta-se uma tendência de aumento na duração máxima das secas extremas na região, que poderão chegar aos 7 meses durante um ano. No entanto, se a neutralidade carbónica e os objetivos climáticos não forem atingidos até 2100, poderemos chegar aos 12 meses consecutivos de seca, com impactos catastróficos para toda a economia da região e, consequentemente, tensões entre as entidades interessadas nos recursos hídricos.

Desafios da região face às alterações climáticas

A região do Algarve, encontra-se particularmente exposta a um conjunto de vulnerabilidades climáticas, que serão potencialmente agravadas num contexto de alterações climáticas. Falamos de impactos que vão afetar estruturas sociais, ecológicas, económicas e que provocarão perdas substanciais ligadas à agricultura, energia, saúde humana, segurança de pessoas e bens, incêndios, secas e zonas costeiras.

Embora os cenários para a região sejam preocupantes, Luís Dias, que fez questão de sublinhar o bom exemplo da região e os esforços que se estão a fazer para desenvolver e explorar respostas de redução e adaptação aos impactos das alterações climáticas previstos para o Algarve.

Segundo o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), António Pina, os maiores desafios da região assentam na tomada de consciência por parte da sociedade para a importância das alterações climáticas e do seu impacto na vida quotidiana. Para além disso, a entidade encara a produção e atualização de conhecimento, nomeadamente por parte da comunidade científica e transferência desse conhecimento para atores críticos na implementação de medidas de adaptação e mitigação (entidades públicas e as empresas) como prioridades. Por fim, o líder da AMAL, em declarações ao JA, considera fundamental a capacidade de envolvimento da região em torno deste tema, o que vai permitir prosseguir com uma “estratégia de alinhamento com as estratégias nacional e europeia, contribuindo para que se alcancem as metas definidas e incorporando a adaptação às alterações climáticas nas políticas e nos instrumentos de gestão do território”.

Medidas de mitigação para travar os impactos

As medidas que serão cruciais para travar os feitos provocados pelas alterações climáticas no Algarve passam especificamente, segundo Filipe Duarte Santos, por diminuir o desperdício da água, com a implementação de medidas mais exigentes por parte das câmaras e com vista à eficiência hídrica; pelo tratamento e reutilização das águas residuais urbanas, num contexto de economia circular; e pelo processo de dessalinização das águas. Para Luís Dias, no que toca ao controlo dos incêndios, tudo dependerá de uma gestão sólida e da monitorização da floresta, bem como da prevalência de espécies mais resistentes ao fogo.

No que toca à mitigação dos efeitos do aumento do nível das águas, a alimentação artificial das praias, a curto-prazo, a construção de paredões para travar o avanço do mar, a médio-prazo, e a retirada das populações das áreas mais afetas, a longo-prazo, serão as medidas sugeridas no Plano e que serão implementadas com o supervisionamento de uma comissão de acompanhamento, garantiu Luís Dias. O especialista alerta que o desenvolvimento económico tem de passar pelo sequestro total do carbono e reforça ainda a necessidade de mudança, uma vez que “tudo está formatado para uma lógica que não é aquela que precisamos agora e no futuro”. Por sua vez, Cristina Veiga-Pires fala na necessidade de uma “revolução ambiental” pois, nas suas palavras, “ainda não estamos no bom caminho”.

António Pina revelou ao JA, que o PIAAC-AMAL, cuja fase de implementação está por fazer, se socorrerá do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e dos períodos de programação dos fundos estruturais, nomeadamente dos próximos programas operacionais regionais. No quadro do PRR, o Plano de Regional de Eficiência Hídrica do Algarve (PREH) dispõe de uma verba alocada ao Algarve de 200 milhões de euros (M€), que serão distribuídos por seis medidas de mitigação.

Essas medidas são as seguintes: reduzir perdas de água no setor urbano (35M€), reduzir perdas de água e aumentar a eficiência no setor agrícola (17M€), reforçar a governança dos recursos hídricos (5M€), promover a utilização de Água Residual Tratada (23M€), aumentar a capacidade disponível e resiliência das albufeiras e sistemas de adução em alta existentes e reforçar com novas origens de água (55M€) e promover a dessalinização de água do mar (65M€).

Joana Pinheiro Rodrigues

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