“A anexação da Crimeia seria uma violação da integridade da Ucrânia”

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Na sequência do resultado do referendo da Crimeia, em que a adesão à Rússia obteve 95,5% dos votos quando estava escrutinada metade das urnas, Carlos Gaspar, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Nova, diz ao Expresso que “as linhas de comunicação entre as partes interessadas – nomeadamente os Estados Unidos, a Rússia, o Reino Unido e a Ucrânia – estão permanentemente abertas e não há nenhuma indicação de que as conversações tenham sido interrompidas no dia 16 de Março, independentemente dos acontecimentos na Crimeia”.

Estão já marcadas para esta segunda-feira de manhã reuniões internacionais nas quais os chefes da diplomacia da União Europeia vão deliberar sobre as sanções a impor à Rússia. Ekhard Cordes, do Comité Oriental da Economia da Alemanha, declarou o seu receio ao site “Spiegel Online” relativamente à escalada que pode resultar da “imposição de sanções e contra sanções.

“A escalada foi iniciada com a intervenção militar na Crimeia e a decisão russa de simular uma consulta eleitoral sobre o futuro do território, cujas consequências imediatas, nomeadamente as sanções dos Estados Unidos e da União Europeia, foram sinalizadas antecipadamente”, considera Carlos Gaspar.

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A interdependência da Rússia e do Ocidente é assimétrica

Inquirido sobre a interdependência da Rússia e do Ocidente e do papel que esta possa jogar na solução da crise, Carlos Gaspar afirma que “a relação de interdependência entre a Rússia e o Ocidente é fortemente assimétrica, designadamente no domínio económico: a economia russa tem uma excessiva dependência dos investimentos e dos mercados da União Europeia e são os países da Europa Central e Ocidental os principais clientes dos produtos energéticos russos”.

“Mas”, prossegue Carlos Gaspar, “uma parte das autoridades russas está aparentemente convencida de que os responsáveis europeus e ocidentais ou têm medo da Rússia ou, como dizia Lenine, estão preparadas para vender a corda com que os vão enforcar”. “O fim da Guerra Fria devia ter servido para demonstrar que Lenin não tinha razão”, acrescenta.

Caso se concretize a anexação da península da Crimeia pela Rússia, o entusiasmo dos eleitores não será desde logo refreado pela dificuldade em fazer transitar a região da Ucrânia, da qual depende em pesada percentagem, para a Rússia?

“A anexação da Crimeia pela Rússia seria uma violação da integridade territorial da Ucrânia, cujas fronteiras são garantidas pelos Estados Unidos, pela Rússia e pelo Reino Unido nos termos do Memorandum de Budapeste, um dos acordos decisivos que define a ordem internacional do pós-Guerra Fria”, responde Carlos Gaspar.

“No fim da Guerra Fria, a Ucrânia detinha o terceiro maior arsenal nuclear do mundo, a seguir aos Estados Unidos e à União Soviética, e aceitou entregar essas armas, as únicas que podiam assegurar a sua interidade territorial, em troca de uma garantia formal dos Estados Unidos, da Rússia e do Reino Unido – os três Estados nucleares originais do Tratado de Não-Proliferação Nuclear -, que se comprometeram, nos termos do memorandum de Budapeste, a manter a Ucrânia nas suas fronteiras de 1994, incluindo a Península da Crimeia”, prossegue o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Nova.

“As armas nucleares da Ucrânia foram entregues à Rússia, que pôde assim ser reconhecida como o único sucessor nuclear da antiga União Soviética e preservar o seu estatuto como grande potência nuclear”, adianta ainda.

Desde modo, “se a Rússia violar esse acordo com a anexação da Crimeia”, continua Carlos Gaspar, “está a revelar a sua natureza como uma potência revisionista e a pôr em causa a ordem internacional do pós-Guerra Fria”.

“Se os Estados Unidos e o Reino Unido aceitarem a anexação da Crimeia, estão a sancionar a estratégia da Rússia. É isso que está em causa na Crimeia”, conclui.

RE

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