Algarve recebe expedição pioneira que vai mapear ecossistemas costeiros da Europa

O CCMAR (UAlg) é um dos parceiros do projeto

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Durante esta semana, o Campus de Gambelas da Universidade do Algarve, em Faro, é a nova ‘casa’ da expedição TREC – ‘Traversing European Coastlines’a primeira iniciativa à escala europeia que se propôs a estudar os ecossistemas costeiros e a sua resposta ao ambiente, desde as moléculas às comunidades. O JA fez uma visita guiada ao laboratório móvel da expedição, onde a equipa de investigadores processou amostras recolhidas em Sagres, Faro e Vila Real de Santo António. No total, o projeto reúne mais de 150 equipas de investigação de mais de 70 instituições de 29 países europeus, incluindo o CCMAR.

Uma expedição científica para compreender a biodiversidade e ecossistemas ao longo das linhas costeiras da Europa e perceber o impacto humano nos oceanos. É essa a definição do projeto TREC. Se a primeira ideia que lhe veio à cabeça quando leu esta frase foram aqueles programas do National Geographic, nos quais os cientistas andam em expedição por sítios únicos do nosso planeta em busca de novas descobertas, então acertou. 

Depois do Porto, Faro foi a 27.ª paragem de um projeto científico inédito que arrancou em abril (Roscoff, França) e que prevê a sua conclusão em junho de 2024. Ao longo deste período, biólogos e microbiólogos percorrem, pela primeira vez, a costa europeia, do mar Báltico ao mar Mediterrâneo, num percurso que tem como objetivo traçar um mapa dos ecossistemas costeiros da Europa, numa iniciativa liderada pelo Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL).

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Mapa da expedição TREC

A norte-americana Kiley Seitz, microbiologista do solo e investigadora no EMBL, explicou aos jornalistas durante a visita guiada ao laboratório móvel, um de três veículos envolvidos na expedição, instalado temporariamente junto ao Centro de Ciências do Mar (CCMAR), que o Algarve foi escolhido para integrar a expedição por estar “na fronteira entre o oceano Atlântico e o mar Mediterrâneo”. 

“A costa algarvia é onde se está a sair do [oceano] Atlântico e se começa a ir em direção ao [mar] Mediterrâneo. Estamos a tentar cobrir muitos gradientes diferentes e, como temos esta mudança aqui mesmo, vamos ter uma boa visão do impacto da água e da terra, de como é movida para dentro e para fora do oceano”, acrescentou a investigadora.

O TREC vai explorar interações dentro e entre os dois principais ecossistemas do planeta: oceano e terra. Durante a expedição, investigadores de diversas nacionalidades recolhem e analisam o solo costeiro, sedimentos e amostras de águas rasas, bem como organismos modelo selecionados e dados ambientais ao longo das costas europeias. Serão analisadas amostras biológicas em mais de 120 locais e 46 estações marítimas de Portugal à Estónia e da Finlândia a Malta.

Dar a conhecer a biodiversidade invisível em terra e no mar; compreender os efeitos das mudanças ambientais nas interações dentro e entre ecossistemas; entender as interações entre os humanos e o planeta; e reforçar a importância da colaboração científica e envolvimento público são as bases do projeto, que conta com cerca de uma dezena de investigadores presentes em cada “paragem”.

Laboratório móvel em terra e no mar

A expedição combina a exploração oceânica, onde é utilizado um barco laboratório com tecnologia própria que permite a recolha de fragmentos de solo costeiro, sedimentos, águas rasas e organismos modelo selecionados em vários habitats. 

Em terra, o projeto vale-se de um laboratório móvel, onde existe um forno para secar as amostras e espaço de armazenamento, contudo, ali são apenas realizadas análises básicas, visto que todas as amostras seguem para a sede do EBML, em Heidelberg, na Alemanha, onde se levam a cabo ensaios mais completos. 

O interior da unidade móvel, onde são feitas algumas análises preliminares

Partilha de conhecimento em toda a Europa

Os investigadores recolhem também dados sobre compostos poluentes, antibióticos e pesticidas, mas também a temperatura específica, salinidade, níveis de oxigénio e parâmetros geofísicos de cada uma das zonas em análise.

Os cientistas irão, posteriormente, analisar esses dados para compreender como os organismos e ecossistemas se adaptam às mudanças ambientais a nível molecular e celular. Ao mesmo tempo, as informações recolhidas na expedição funcionarão como um conjunto abrangente de dados de referência que poderá constituir a base para o estudo das mudanças nos ecossistemas costeiros nos próximos anos.

Os esforços científicos e a recolha e análise de dados do TREC também apoiarão outros projetos europeus importantes e contribuirão “para uma melhor compreensão científica, social e política da importância de manter a saúde biológica dos nossos mares e costas”, pode ler-se na página ‘web’ do projeto.

A investigação procura compreender como os organismos e ecossistemas se adaptam às mudanças ambientais a nível molecular e celular

Estudo paralelo tenta encontrar verme “desaparecido”

Em execução está também um subprojeto (‘plug-in’) do TREC que tem como protagonista o anelídeo marinho Platynereis dumerilii (uma espécie de verme). O grupo de investigação Arendt (EMBL) estabelece-o como um novo sistema modelo para evo-devo (biologia evolutiva do desenvolvimento) e adaptação ambiental por ser considerado um fóssil vivo, que terá “desaparecido” das águas costeiras da região há mais de 15 anos. 

“Aproveitando um atlas celular recém-criado de vermes jovens trissegmentados, o projeto TREC irá correlacionar a variação genética e a expressão gênica unicelular com a variação morfológica, para identificar pontos críticos de adaptação celular às mudanças ambientais”, tal como explicou ao JA a investigadora Antonella Ruggiero.

Platynereis dumerilii

“Nunca houve um projeto como este”

Referindo-se à essência da expedição TREC, a microbiologista afirma que “nunca houve um projeto como este. (…) É algo inédito e realmente esperamos que isto seja um ponto de partida para este tipo de coleta de dados em grande escala”, destacou. 

“Queremos responder a questões importantes, como os impactos que os humanos estão a causar no meio ambiente. (…) Todos os nossos dados serão tornados públicos e esperamos poder começar a fazer perguntas muito maiores e a trabalhar com pessoas muito diferentes para definir onde ir a partir daqui”, disse Kiley Seitz.

Meta da biorremediação

Medir a poluição; fazer um levantamento da perda de biodiversidade; identificar vias de fixação de carbono; medir o impacto do aquecimento global e da acidificação nos ecossistemas; explorar simbioses para compreender os mecanismos moleculares das interações dos organismos; e identificar novos antibióticos são metas do projeto, embora o objetivo final seja alcançar a “biorremediação” – processo de utilização de organismos vivos para reduzir ou remover contaminações no ecossistema, “mediando o impacto humano” na natureza.

Ainda que reconheça que essa meta “levará anos e anos”, Kiley Seitz tem a esperança que “essa base” esteja no Algarve “(…) para que outros laboratórios possam começar a ajudar-nos, concentrando a nossa perspetiva em como podemos fazer isso melhor”.

A primeira fase do projeto chega ao final em novembro com próxima paragem, em Cádis (Espanha). A segunda fase acontece de fevereiro a agosto de 2024, percorrendo a costa mediterrânica e terminando em Malta.

A expedição TREC é coordenada pelo Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL), juntamente com a Fundação Tara Ocean, o Consórcio Tara OceanS e o Centro Europeu de Recursos Biológicos Marinhos (EMBRC).

No total, a iniciativa reúne mais de 150 equipas de investigação de mais de 70 instituições de 29 países europeus.

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