Cerca de 250 alunos da Escola E. B. 2, 3 Infante D. Fernando, em Vila Nova de Cacela, no concelho de Vila Real de Santo António, plantaram na quinta-feira, dia 24 de novembro, sobreiros e carvalhos na Mata de Santa Rita, uma das zonas ardidas nos incêndios do ano passado. Diz-se que, pelo menos uma vez na vida, deve-se plantar uma árvore, ler um livro e ter um filho. Estes alunos riscaram o primeiro objetivo.
Poucos metros a norte da Via do Infante, os alunos do 6.º ao 9.º ano de escolaridade de Vila Nova de Cacela viveram uma manhã diferente, contribuíram para o bem-estar do ambiente e para a reflorestação do interior do sotavento algarvio, que foi muito afetado no incêndio do verão de 2021 nos concelhos de Vila Real de Santo António, Castro Marim e Tavira.
Esta iniciativa começou em outubro do ano passado com a criação do projeto intitulado “Traz uma bolota”, com os alunos a levarem para a escola uma bolota.
“Era uma ação que fazia falta, uma vez que também estivemos envolvidos como voluntários no incêndio e a área ardida é muito grande. É muito bom dar esta noção de cidadania aos nossos alunos”, começa por dizer ao JA Ana Cabrita, coordenadora e docente do estabelecimento que faz parte do Agrupamento de Escolas de Vila Real de Santo António.
Com o apoio de algumas empresas e da comunidade foi então criado um viveiro na escola, que foi regado e tratado pelos alunos ao longo do último ano.
No âmbito do Dia da Floresta Autóctone, assinalado a 23 de novembro, a direção da escola decidiu realizar esta iniciativa na mesma semana por se tratar de “uma experiência para a vida para os nossos alunos e para todos nós”.
Ao todo foram aproveitadas cerca de 650 bolotas, cuja maioria foi plantada naquela manhã, enquanto o resto será plantado pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que ficou também encarregue da manutenção das pequenas árvores, em colaboração com a Junta de Freguesia de Vila Nova de Cacela.
Segundo Ana Cabrita, alguns dos alunos daquela escola “tiveram o incêndio muito próximo da sua casa”, como é o caso de uma aluna que foi recolhida pela comunidade escolar na noite do incêndio, juntamente com os seus irmãos, “porque tinha o fogo mesmo à porta”.
“Os alunos estão muito envolvidos e preocupados com o ambiente. Esta comunidade escolar de Cacela é um pouco diferente de Vila Real de Santo António, porque muitos dos estudantes de aqui crescem no campo e gostam tanto da natureza que dentro da escola sobem às árvores e brincam na terra”, explica Ana Cabrita ao JA.
Professora há vários anos, com muitas gerações ensinadas, a docente vilarrealense nota “muita diferença” nos alunos “porque agora estão muito mais envolvidos com a natureza, mais interessados e informados”.
Esta iniciativa contou com a participação do presidente da Junta de Freguesia de Vila Nova de Cacela, Luís Rodrigues, da Guarda Nacional Republicana, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, de encarregados de educação e da comunidade.
Reflorestar requer paciência e persistência
Antes do início da plantação, um técnico do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas disse aos alunos que “reflorestar uma área é um processo que requer muita paciência e persistência”.
“Vivemos num clima que é muito seco e é muito difícil conseguirmos fazer floresta. Esta zona já acolheu uma plantação no ano passado mas algumas plantas não vingam”, conta.
Segundo o técnico, um dos segredos para as plantas vingarem “é serem bem plantadas” numa “boa cova, onde a planta encontre terreno”.
“Tem de ser com as nossas futuras visitas e o nosso acompanhamento para se conseguir vingar neste clima mediterrânico”, acrescenta.
Outra das iniciativas que foram dinamizadas, além do peddy-paper de matemática e ciências naturais e atividades de educação física, foi a remoção de uma espécie exótica que é “o problema desta mata” de Santa Rita.
Trata-se de uma espécie chamada acácia, “que invade os espaços florestais”, agora substituída por espécies autóctones, “que são da nossa floresta mediterrânica”, explica.
Uma escola multicultural
A 14 quilómetros da sede de concelho, a escola de Cacela tem uma particularidade especial: a multiculturalidade.
Dentro da comunidade escolar existem alunos de 12 nacionalidades diferentes, de países como Espanha, Paquistão, Nepal, Estados Unidos da América, Guatemala, Ucrânia, Reino Unido, Alemanha e Rússia.
Esta particularidade da escola é uma situação recente, apesar de ao longo dos anos já terem passado por aquele estabelecimento de ensino alunos de outros países como a Ucrânia.
Neste momento, os alunos com origens do Paquistão e do Nepal frequentam aquela escola, pois os seus pais são trabalhadores da agricultura, enquanto os estudantes ingleses e alemães fazem parte de famílias “que procuram a paz e sítios diferentes para viver”, explica Ana Cabrita ao JA.
Dos Estados Unidos da América chegou uma aluna “que em cinco meses aprendeu a falar português”, além dos oito alunos espanhóis “que todos os dias atravessam a fronteira” para frequentar aquela escola em Vila Nova de Cacela.
A vinda de alunos espanhóis para aquele estabelecimento de ensino começou há quatro anos atrás, com a inscrição de três alunos que faziam parte de uma família “que tinha como objetivo vir aprender português”.
“Como gostaram do ensino, passaram a palavra e acabámos por receber mais alunos espanhóis ao longo dos anos. Os pais dizem-nos que o ensino português é um dos melhores do mundo, o que nos orgulha”, acrescenta.
Para Ana Cabrita, “esta mistura de nacionalidades, para os nossos alunos, é uma riqueza. É muito rico pelo nível cultural de cada um. Fala-se português no meio de tanta língua”, conta.
Atualmente, os alunos estrangeiros “acabam por ser os intérpretes dos pais, que continuam sem falar português, fazendo eles a tradução”.
Esta multiculturalidade dentro do recinto escolar de Cacela “quebra barreiras muito importantes” como o racismo e a xenofobia, problemas que “existem mas vão-se quebrando e os alunos vão-se adaptando”.
“Os meninos que vêm de outras culturas vão-se adaptando à nossa e os nossos também se vão apropriando de algumas coisas dos estrangeiros”, acrescenta.
O ensino do português é dividido entre os alunos portugueses e os estrangeiros, uma vez que os estudantes de outro país têm a disciplina de Português Língua Não-Materna, “porque sem saberem o português, depois não conseguem saber história, fisica e química ou geografia”.
Além deste apoio, existem ainda alguns professores “que fazem tutorias para melhorar a integração desses alunos na escola”.
Os resultados “vão sendo bons”, naquele que é um projeto “desafiante, mas muito gostoso” para Ana Cabrita e toda a comunidade escolar.
“Esta escola marca a diferença pela proximidade. É uma escola muito familiar, com um corpo docente muito próximo, com assistentes operacionais e técnicos que são como uma família. Todos nos ajudamos. O que for preciso fazer, fazemos. O que mais nos interessa é que os pais deixam os seus filhos às 08:00 na escola e podem vir buscá-los às 18:00, que nós cuidamos. Tentamos fazer uma escola melhor e preparar estes cidadãos para o futuro”, conclui.