As águias não geram pombas

Conhecemos, mas rapidamente esquecemos. E quando nos convém, mais rapidamente ainda não nos lembramos.

Sabemos que em sentido real e em sentido figurado, as águias não geram pombas. Os latinos por aí espalharam este aprendizado – aquilae non gerunt columbas, diziam. Vem isto a propósito dos refugiados ucranianos, e dessa gente que sempre foi águia, e, de um momento para o outro, apareceram como pombos e pombas. Mas o bando é conhecido, pelo que não vale a pena gastar muita cera dentro do pombal culpabilizando os portugueses por não terem acolhido os refugiados sírios fugidos dos russos, da mesma forma e com o mesmo entusiasmo com que estenderam o tapete aos que fugiram de mais uma invasão também russa. Invocou-se para esta comparação, os meninos esfomeados na Grécia, mortos no Mediterrâneo, etc. É claro, claríssimo, que os meninos sírios não serviam para trabalhar nas fábricas do Norte, para apanhar fruta do Oeste, para limpar chão ou descascar batatas nos hotéis do Sul, ou para outros serviços não nomeáveis. Mas as raparigas ucranianas sim, servem, e sobretudo se aceitarem trabalhar sem horários e sem descanso semanal nos termos da lei. Se não se lhes perguntar sequer quais as habilitações, se por acaso desejariam prosseguir na universidade onde o inglês que dominam ora serve ora não, conforme a conveniente circunstância.
Rebentou o escândalo em Setúbal, como se sabe, com a aplicação rigorosa da teoria e entendimento que levou alguns poucos pombos com alma de águias ou águias com ar de pombos saídos da cozedura com arroz, a ausentarem-se do parlamento para não dizerem “Não, porque dispenso”, ou então “Sim, porque preciso de quem descasque batatas”. O trabalho sujo que seja feiro em Setúbal, algures no Algarve, muito em geral no Norte, ou então nessa espécie de palavra que serve para garantir qualidade, quer nos hipermercados quer na rosa dos ventos, e que é a palavra Oeste e que nem ao menos faz figura de pera rocha nos tímidos exercícios da regionalização. No Algarve, pelo menos, não se tem notado muito que tenha havido trabalho sujo, mas houve trabalho limpinho.

De qualquer maneira, será aconselhável que, enquanto for tempo, que as inspeções trabalhem, abram os olhos, tomem a iniciativa e redijam relatórios legíveis mesmo que sejam apenas para cozinhar pombos com arroz. O arroz de águias, seguramente, sabe-se há séculos que tem sabor horrível.

Flagrante livro: “Por este mar adentro”, de Maria da Graça Ventura.

Carlos Albino

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1 COMENTÁRIO

  1. È suposto que é consensual o estado de fragilidade extrema em que chegam a Portugal os imigrantes ucranianos, a quem o lunático Putin destruiu a sua vida, os seus lares, os seus modos de subsistência e a sua paz.

    Talvez não tenham escolhido Portugal por acaso.
    Eventualmente, porque tenha chegado ao seu conhecimento que é um país onde poderiam reorganizar as suas vidas e onde encontrar um pouco da paz.

    Porém, nem aqui muitos desses imigrantes puderam encontrar descanso para os seus espíritos, depois que o Expresso despoletou a suspeita, mais tarde, confirmada, de que os seus processos de regularização estavam a ser tratados por pessoas que mantêm estreitas e perigosas ligações com o Kremlin e lhes espoliavam informações, que nada tinham a ver com o fim em causa, como sejam nomes e moradas de familiares, que deixaram para trás, na Ucrânia, com tudo o que isso configura de perigo para esses familiares, preocupações que se repercutirão, em termos de chantagem emocional para os imigrantes ucranianos agora chegados ao nosso país, que desconhecem o que poderá suceder aos seus entes queridos.

    Questionado sobre o assunto, António Costa, com uma olímpica desfaçatez, afirmou que o assunto está entregue, para inquérito – mais um de que ninguém mais conhecerá o epílogo –,
    às entidades competentes …

    A ligeireza – que pode ser assimilada a um varrer para debaixo do tapete – demonstrada por Costa, em relação a um assunto com potenciais consequências tão graves para estes imigrantes ucranianos, tem, contudo, uma explicação.
    É que a Câmara Municipal de Setúbal, onde ocorreram as situações em causa é de maioria CDU, o mesmo que é dizer, ligada ao PCP e o nosso PM, cujo estilo não olha a meios para obter os fins, não querendo beliscar o seu antigo parceiro da “geringonça”, que, sabe, tem o domínio da “rua” e o poder das mobilizações de classe, achou por bem “amaciá-lo”, fazendo por “apagar” o assunto da agenda da praça pública.

    É assim António Costa.
    De um pragmatismo cínico e interesseiro, pouco lhe interessando as sequelas sobre terceiros, sendo, pelo menos, isso que é lícito deduzir, da posição de alguém, a quem competia mostrar uma outra empatia com o caso, que é bem grave e com as vítimas indefesas envolvidas.

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