Escrevo, enquanto o manto do coronavírus continua a fazer das dele e vemos (de cá do rectângulo) tudo como se de um filme se tratasse (três pancadas na madeira. Um dos problemas da actual formulação anti azar é que os móveis de uma conhecida marca sueca que inundam uma parte significativa das nossas casas, nem por perto são de madeira – madeira). Olhamos os acontecimentos à distância de um clique (lugar-comum número vinte e seis), uma sensação muito parecida ao ataque das torres gémeas, onde tudo parecia saído de um filme. Na televisão e jornais continua o contador de mortes a funcionar e agora, parece que o objectivo é saber-se se se ultrapassa, ou não, os números da anterior Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS). Sei que em termos médicos mais e menos mortes, numero de infectados, relação entre infectados e mortes é importante, pois pode-se fazer uma espécie de caminho da doença. Para os órgãos de informação, quase tudo não passa de um fait divers (mas um fait divers que incomoda) como as estatísticas do futebol ou os fogos de Verão com totalidade de hectares ardidos e número de operacionais envolvidos, tudo matéria já tratada do meu texto anterior. Outro dia, vi outro recorde de Ronaldo: conseguiram descobrir que tinha sido o primeiro jogador da Juventus a fazer mais golos, em jogos seguidos, antes dos trinta minutos (presente época). Vamos, era mentira, mas já ouvi muito pior (mesmo para Ronaldo) e desprovido de interesse (lugar-comum número vinte sete) mas este pode figurar apenas como mais um exemplo e, de certeza, não o mais tolo de estatísticas para as quais não há pachorra, a menos que seja para encher chouriços.
“Faz Faísca” (canal um da RTP, aos domingos depois do almoço), que eu tenho frente aos olhos, é uma espécie de pescada de rabo-na-boca (já alguém sabe do que se trata?). Não vejo a quem possa interessar fazer ou ver, mas que, se existe é porque alguém gosta, ou, pelo menos, não detesta. Trata-se de um programas sobre programas, realizado a parecer que é uma brincadeira (única forma de ser visto sem problemas de consciência) em que os visados (actores e gente conhecida, porque sim), aparecem, não por que o queiram completamente de papel passado, mas por que a isso são obrigados (com toda a certeza pelas letras pequenas dos contratos). Tudo, por que não querendo fazer aquele frete, querem aparecer, que neste mundo quem não aparece é esquecido (pelo menos a fazer fé nas palavras dos próprios). Já os telespectadores andam a navegar nas mesmas águas: de comando na mão, podem escolher outra treta de Domingo à tarde, mas muitas vezes por inércia, ou outra lei da física, que os impede de carregar num outro qualquer botão que abriria a porta do paraíso, se mantêm a ver o que vai passando, sempre à espera de uma boa surpresa. Que nunca chega.
Fernando Proença