Devo andar como, quase, todos vós: se pouso os sentidos (um pouco de má poesia nunca fez mal a ninguém) nos canais de informação, fico com a ideia que estou numa vertente dramática do mesmo princípio do ciclismo (e já agora do atletismo e mais alguns ismos) adaptado à cobertura da guerra na Ucrânia; raramente se sabe onde anda a verdade. No desporto, alguns atletas tomaram alguma coisa que não era suposto e só muito mais tarde se vai saber da missa – a metade – com consequências um ano depois, ou seja, anda meio mundo a tentar enganar o outro. Nas imagens da guerra, só muito mais tarde se percebe que muitas imagens não eram dali, mas dos deslocados da Crimeia de 2014, ou pior, Síria 2018 – da guerra do Vietnam não dá muito jeito. Atenção que não estamos em terreno virgem, muitas das fotografias icónicas de, por exemplo, a segunda guerra mundial, foram montadas a posteriori e, aí, os “culpados” não foram unicamente os russos. Aqui navegamos em zona de desinformação e censura, mas a censura (e a desinformação) são parte integrante destes processos numa situação de combate. É a História. A esse respeito, os nossos canais de informação, estão cada vez mais especializados em fazer programas em que procuram o erro no meio das notícias que os – canais – da concorrência deram como boas. A mim parece-me uma coisa um bocado para o infantil, género queixinhas, a minha é maior que a tua, somos um órgão de informação credível; minha senhora, cuidamos da sua filha, levamos a casa, fazemos casamentos e batizados. São os novos tempos, não há forma de os contornar.
Para desenjoar da guerra, uma questão que me preocupou depois de ver um certo filme: um tipo, no centro de Nova Iorque conseguiu arranjar, duas vezes seguidas, lugar para estacionar o automóvel, mesmo à porta do banco para onde se dirigia (a norma em cinema), mas ao sair fechou a porta à chave (anormal, anormal!). Desde quando é que um actor, no meio de um filme tranca a porta do automóvel? Decididamente o mundo mudou e não foi para melhor. Só falta que quando alguém morre ao volante de um – outro – automóvel, não faça a buzina soar, ou quando o rapaz da fita, sem nenhuma razão aparente, tussa e não tenha cancro. Onde vamos arranjar novas formas de ler cinema?
Não gosto nada deste meu lado picuinhas, mas, mais uma vez, ouvi na CNN Portugal, que “muitas pessoas foram evacuadas de Lviv” (cidade ucraniana, só para os mais distraídos), isso pareceu-me parvo, mas não vejo que alguém pense, hoje, numa alternativa. Aflige-me o uso forçado de um termo – evacuar – que à força do hábito e repetição (mesmo vindo no dicionário) e mil vezes replicado, podia (ou devia) ser substituído, por exemplo, pelo muito mais agradável e certo, “retiradas”. Mas isto sou eu da boca para fora.
Fernando Proença