Quem vê televisão nestes tempos de pandemia (“tempos de pandemia” é a frase de merda dos últimos meses, largos meses de tempo de pandemia), não pode ficar indiferente aos comentadores que vão povoando os nossos canais de televisão. Independentemente das falhas de decisão e acompanhamento feitas pelo governo da república, estamos na altura e no assunto em que todas as opiniões parecem ser legítimas, tão legítimas que eu e em todas as atividades humanas que conheço, só encontro igual no futebol, escola e chuva.
Se chove muito queixam-se os agricultores porque a chuva é muita, se chove pouco aparecem outros agricultores a dizer que é pouca. E, um dia destes, vamos encontrar agricultores que farão queixas quando chove muito e um pouco mais de queixas, quando não chove, dependendo do que semeiam. Todos têm razão e têm-na sempre, raramente ouço alguém pestanejar ou mostrar que existe uma nesga de dúvida nas suas ideias.
Sobre as opiniões que vamos ouvindo em relação à escola, futebol e chuva nem quero falar, mas no tempo de pandemia podia começar pelas festas das igrejas, primeiro o “Avante” e depois “Fátima”. Foi um grande reboliço como o foi a Fórmula 1, como o são os transportes públicos, cemitérios e o que mais vier. Para uns dá-se mais à economia, para outros menos, para outros ainda desconfinou-se cedo de mais, enquanto para os restantes, tarde. Demasiado comprometimento com a distância numas situações e pouco noutras, mas sempre com a sensação que é connosco que são mais duros. Quando há concelhos no norte que estão mais confinados é porque são os do sul a fazer as leis para lixar os outros.
Eu calculo o que se deve passar com Espanha. Lá, já é o que é, com Barcelona e Madrid em situação normal, o que será com o Covid?, mas com o mal dos outros podemos nós bem. Somos todos charlie mas até que não pensemos que outros são mais, ou menos, charlie que nós. Como a história do semi-confinamento para cento e vinte e um concelhos (à data em que escrevo estas linhas), vi de tudo na nossa televisão, mas o essencial é o seguinte: a pessoa entrevistada na ocasião, diz que é muito importante que diminuam os contactos ditos sociais (pode não dizer assim mas vocês sabem do que estou a falar…) para que o número de infectados também desça, mas vamos saber pensa sempre… noutra cidade ou outro concelho. É um dos princípios do ser português; faz-se o que tem que se fazer para resolver o problema, mas desde que sejam os outros a fazê-lo. A ideia geral com que fiquei, é que todos os tugas que usaram a palavra, perguntaram (ou soaram como se tivessem perguntado) com uma cara de espanto, “Porquê nós aqui na terra?, o que fizemos de mal que os outros não fizeram?”.
Hoje vi, vindo não sei de onde um primeiro entrevistado que confessou não saber o que fazer. Digam lá se não é refrescante? Estamos todos juntos, mas só até certo ponto, porque o que é de mais não presta.
Fernando Proença