Balanço da noite eleitoral presidencial

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Quem foram os vencedores da noite de ontem? E os grandes derrotados? Francisco Louçã irá assumir responsabilidades pelo desastre de ontem? Se o BE fosse um partido democrático, pelo menos, prestaria contas aos camaradas. E Portas abriu o jogo sobre a sua estratégia imediata. Passos: analítico, como sempre.

Vencedores: Cavaco Silva pela reeleição e pela diferença de votos que registou em relação a Manuel Alegre. Já ouvi vários comentadores defenderem que se tratou de uma vitória pouco expressiva, pois o resultado fixou-se num valor próximo dos 50% e correspondeu a um número de votos inferior ao obtido por Jorge Sampaio na sua reeleição. Creio que tal leitura parte de um ângulo de análise incorreto – o ponto determinante não é saber se Cavaco teve ou não mais votos que Sampaio ou a percentagem de votos que alcançou em concreto, mas sim apurar a amplitude da diferença de votos relativamente ao segundo classificado. E nesse ponto de vista, Cavaco registou uma vitória retumbante que lhe confere uma legitimidade acrescida, num momento em que o Governo se encontra fragilizado e sem uma maioria absoluta de apoio no parlamento. Este é o ponto que importa destacar, até por uma razão muito simples: alguém acredita que daqui a uns meses vamos estar a discutir a percentagem de votos obtida por Cavaco? Se foi 51%, 53%, 60% ou 64%? Não: o português lembrar-se-ão que os opositores foram eleitoralmente esmagados e que, nas eleições de ontem, não apresentou nenhuma alternativa credível. Em segundo lugar, Jerónimo de Sousa: fez uma leitura política muito sensata do que estava em causa para o PCP nestas presidenciais e viu o filme antecipadamente: jamais Alegre poderia vencer com um discurso esquizofrénico, tentando agradar ao governo e à oposição ao mesmo tempo. E a verdade é que o PCP aproveitou para difundir a sua cartilha ideológica, lançando um novo nome (que poderá ser o próximo secretário-geral) – Francisco Lopes – e teve o mérito de, durante semanas, se assumir como a única força de esquerda opositora do governo. Jerónimo marcou pontos (foi o líder partidário com mais presença ativa nesta campanha, o que se justifica dado o caráter partidário da candidatura de Francisco Lopes). Em terceiro lugar, Mário Soares e Fernando Nobre. O primeiro pululou de alegria, de entusiasmo porquanto deu uma lição – o que revela alguns tiques aristocráticos, no pior sentido do termo – ao seu camarada Alegre; o segundo revelou ter sido uma escolha de casting certeira. Enfim, José Manuel Coelho merece uma alusão positiva – capitalizou o descontentamento popular, o voto de protesto, satirizando sobre as incompreensões da vida política nacional. É o candidato típico dos tempos de crise económica, financeira e – sobretudo – moral em que vivemos. Alberto João Jardim não gostou, certamente, da noite de ontem.

Derrotados: Manuel Alegre é o rosto da derrota. Mais: é a personificação de um desastre eleitoral. Na política, por vezes, parece que o bom senso se evapora da cabeça dos candidatos para dar lugar à mais pura e vil insensatez – foi o que sucedeu a Alegre. A campanha que definiu, preso na lógica do BE, estava condenada ao insucesso. Mais do que uma mera derrota eleitoral, foi uma fragilização, um tombo na sua dignidade – que o poeta não merecia. Exigia-se mais, muito mais de Alegre. Para vencer eleições, não basta lançar atoardas contra os opositores: os portugueses já o demonstraram várias vezes. O outro grande derrotado é Francisco Louçã: ele é também o rosto cimeiro de uma estratégia eleitoral desastrada. O Bloco de Esquerda precipitou-se no apoio a Manuel Alegre, tentando condicionar o Partido Socialista na escolha do candidato presidencial. E conseguiu-o: só que o PS não quis saber de Alegre para nada. E o BE – que contava capitalizar com a vitória de Alegre – é o partido político que sai mais penalizado destas presidenciais: colou-se ao governo, fez uma interrupção à oposição ao executivo, deixando o PCP à solta. Estratégia negativa que se vai refletir nas sondagens. Se o BE fosse um partido verdadeiramente democrático, Louçã teria de prestar contas aos seus camaradas. Porventura, até demitir-se: ele meteu a cabeça (e o corpo todo) numa estratégia completamente errada para o partido. Por último, Defensor Moura – mas sobre esta personagem política, nem vou tecer comentários, pois revelou que nem, numa eleição para delegado de turma, deveria ser levado a sério. O fato de ser deputado nacional revela muito da qualidade dos nossos parlamentares.

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Quanto às reações dos líderes partidários, cumpre dizer o seguinte:

1.º – Louçã confessou implicitamente a derrota da sua estratégia, ao aproveitar o discurso de ontem para criticar o governo. Revela que percebe que foi um erro colar-se ao candidato apoiado por Sócrates, abrindo um parênteses na oposição ao executivo – e agora, o BE tem de correr atrás do prejuízo. O PCP agradeceu e Jerónimo de Sousa limitou-se a afirmá-lo na noite passada.

2. º – Sócrates – nada incomodado com a derrota de Alegre, apesar das lágrimas de crocodilo que chorou – fez o discurso que se impunha a alguém que sabe estar nas mãos de Cavaco. Assegurou que contribuirá para a estabilidade e o diálogo institucional, tentando limpar as declarações excitadas de membros do seu governo sobre Cavaco. Não foi brilhante, nem sensacional, nem hábil: foi apenas prudente, dizendo aquilo que qualquer um na sua posição diria.

3.º – Passos Coelho revelou muito da sua personalidade no discurso de ontem. Analítico, sem ser eufórico. Cerebral, sem ser cativante. Frio, com prejuízo da sua capacidade de mobilização. Parecia, inclusive, que quem estava a reagir às eleições não era o líder da oposição, mas sim um analista político. No geral, foi um bom discurso, com dois objetivos: acalmar os laranjinhas sedentos de poder e demarcar-se de Cavaco Silva. Sinalizando que percorrerá um caminho próprio e autónomo. Passos continua a reforçar a sua liderança com gestos e palavras como as de ontem. É para manter? Ou voltarão as contradições? Aqui estaremos para analisar.

4.º – Por último, o discurso que cativou menos atenção, mas foi o que mais espelhou a lógica partidária (juntamente com o do BE): o de Paulo Portas. O CDS vai realizar as aus diretas brevemente, com Portas a assumir-se como candidato único. Será um momento de clarificação da estratégia do partido: sabe-se que entre os portistas há divergências quanto aos termos do relacionamento com o PSD. Pires de Lima, por exemplo, defende uma coligação pré-eleitoral. Parece que António Lobo Xavier alinha no mesmo sentido. Nesse sentido, Portas aproveitou a vitória de ontem – do candidato apoiado por PSD e CDS – para forçar o PSD a uma clarificação, ao mesmo tempo que valorizou (a meu ver, excessivamente) o papel do CDS na vitória. Percebe-se: o CDS tem hoje uma força política como há muito não tinha (16 deputados), porta-se bem nas sondagens, o que aumentaria o seu peso negocial (quer em lugares, quer em definição do programa político) face aos sociais-democratas. Do ponto de vista da análise política, o discurso de Portas – que antecipou-se a Passos Coelho – como o de Pedro Mota Soares, levantam questões muito pertinentes de análise política. Voltaremos ao tema.

José Lemos Esteves (Rede Expresso)

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