Baltazar de Azevedo Coutinho e o mapa da Grande Batalha do Guadiana

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Decorria o mês de Setembro de 2020 quando publicámos no JA Magazine “A Bateria do Pinheiro: Monumento à vitória de Portugal na Grande Batalha do Guadiana de 1801”. O facto de este artigo informativo abordar um episódio pouco conhecido da historiografia nacional – a batalha que teve lugar na fronteira do Algarve com a Andaluzia no contexto da Guerra das Laranjas – levou-nos a considerar o quão pertinente seria divulgar uma fonte primária que consideramos de grande interesse histórico e artístico. Referimo-nos, desde logo, ao mapa da Grande Batalha do Guadiana, da autoria de Baltazar de Azevedo Coutinho. Com dimensões na ordem dos 66 cm de comprimento por 42 cm de altura, este documento à guarda do Gabinete de Estudos Arqueológicos e de Engenharia Militar, da Divisão de Infra-estruturas do Exército, apresenta a disposição das tropas em ambas as margens do Guadiana, acompanhada por um descritivo que resume, em traços gerais, “o combate victoriozo que tiveraõ as nossas batarias no Guadiana, contra as de Ayamonte, e 8 barcas canhoeiras hespanholas que combateraõ no dia 8 de Junho por espaço de 4 horas de vivo fogo (…) pelo capitaõ do Real Corpo de Engenheiros Balthasar de Azevedo Coutinho, que asistio ao dito combate” (GEAEM-DIE 3966/I-2-19-28). A questão que se coloca é: quem é Baltazar de Azevedo Coutinho? De facto, e ainda que a supracitada carta militar já tenha sido publicada em diferentes trabalhos, são quase inexistentes as resenhas biográficas relativas a este engenheiro militar. Foi nesse sentido que, recorrendo a documentação acondicionada em diversos arquivos nacionais, procurámos reconstituir, ainda que em traços manifestamente gerais, o percurso de vida do autor de tão valioso documento histórico.

Nascido em 29 de Março de 1765, Baltazar de Azevedo Coutinho ingressou como cadete no Regimento de Infantaria de Lagos, tendo sido promovido a ajudante com o exercício de engenheiro em 3 de Junho de 1789, “em attenção a quanto tinha sido de utilidade no progresso da aula de artilharia, geometria fortificação e desenho, estabelecida na praça de Tavira pelo Conde de Val de Reis, governador e capitão-general do reino do Algarve”. Discípulo do engenheiro militar José de Sande Vasconcelos, tornou-se lente substituto na célebre Aula de Fortificação e Desenho do Regimento de Infantaria de Faro, com quartel em Tavira, tendo assinado vários trabalhos, já em 1793, com o posto de tenente. Ao contrário de outros engenheiros militares, formados nas academias do exército, Azevedo Coutinho obteve a sua formação na Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra. Promovido a capitão em 17 de Dezembro de 1795, publicou Fortificaçoens do Algarve em 1798, obra que apresenta todas as fortalezas, fortes e baterias do Reyno do Algarve e onde aparece representado o sistema defensivo da foz do Guadiana que viria a ser responsável pela vitória portuguesa na Grande Batalha do Guadiana de 1801. Como anteriormente referimos, Azevedo Coutinho participou neste combate da Guerra das Laranjas, sendo da sua autoria a carta militar oferecida ao Príncipe Regente e que resume a narrativa presente em documentos como Memória do acontecido no ataque de 8 de Junho de 1801 pelos Espanhóis contra as duas baterias da praça de Vila Real de Santo António, referido por José Lopes de Sousa, governador da praça (PT/AHM/DIV/4/1/05/15). Promovido a major em 1807, Baltazar de Azevedo Coutinho participou na Guerra Peninsular contra os franceses, sendo ele a aparecer em 1810 como responsável pela conservação e restauro das baterias do Guadiana. Não é, portanto, de estranhar que sejam da sua autoria documentos como o da reconstrução da Bataria da Ponta d’Areia que defende a barra do Guadiana a qual foi acabada e redificada por ordem de S.ª Alteza Real, em 31 de Julho de 1809 (GEAEM-DIE 3840-2-19-28).

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Maria Helena Dias, em Portugal em Vésperas das Invasões Francesas, especula que este engenheiro militar terá morrido com o posto de major na década de 1810 ou nos inícios da seguinte. Identificámos, porém, algumas fontes que vêm clarificar o que aconteceu a Azevedo Coutinho após 1810. Foi nesse sentido que verificámos que o então major passou a oficial supranumerário aquando da reorganização do Real Corpo de Engenheiros, em 12 de Fevereiro de 1812. De resto, outro documento de 1821 vem esclarecer que a sua separação do corpo efectivo de engenheiros deu-se por motivo de “moléstia”, de que acabou por melhorar. O mesmo documento indica ainda que Baltazar de Azevedo Coutinho, sentindo-se preterido em relação aos oficiais efectivos, pedia para ser promovido a tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros, em virtude dos seus 32 anos como oficial engenheiro e dos serviços prestados no Algarve durante as Invasões Francesas. Acabou por falecer em 2 de Setembro de 1823, sem a tão almejada promoção. Para a História ficava a obra cartográfica de Baltazar de Azevedo Coutinho, o autor do magnífico mapa da Grande Batalha do Guadiana, fonte cartográfica da maior importância para a compreensão do combate de artilharia que teve lugar na fronteira do Algarve com a Andaluzia, no contexto da Guerra das Laranjas, em 1801. Ad futuram memoriam, ad gloriam.

*Historiador

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