CARLOS ALBINO

 SMS 436

Arraquem essas placas

Não, escrever sobre a crise, não – está nas ruas, entra pela casa, vê-se nos olhos, adivinha-se no pensamento. Escrever sobre autarcas, também não – foram eleitos sem contar bem com o que lhes saiu na rifa e em autarquias onde não há tostão, todos ralham e ninguém tem razão. Escrever sobre a qualidade da cultura, também não – os muito cultos que por aí há queimam os últimos cartuchos e para o ano que vem vamos ter por certo saudades até do provincianismo.

Escrever sobre a segurança, muito menos – bastam os relatos do dia a dia e a sorte grande de não haver ninguém na família, na vizinhança ou na terra que não seja assaltado para não se falar da sorte de cada um de nós a quem esse mal não bateu à porta. Escrever sobre os deputados, também não – uns, afinal, nada prometeram, outros nada podem fazer porque não contam em número, em influência e poder, tomara cada um cumprir o mandato nas calmas.

Escrever sobre as portagens, sobre a Via do Infante, sobre a 125, sobre as variantes prometidas e não concretizadas, sobre as rotundas e seus monumentos e oliveiras transplantadas, jamais por enquanto – é chover no molhado e quem, por imperativo democrático, devia explicar mete-se nas suas sete quintas.  Escrever sobre o urbanismo, também não porque quando a construção civil colocava uma girar em cada duna, em cada esquina e em cada casa sobre outra casa, albergando obreiros clandestinos em contentores ou cada dúzia num quarto, ninguém quis ouvir e não é agora que vão fazer marcha atrás porque o mal está feito.

Escrever sobre as insolvências às montanhas, sobre o comércio que fecha, sobre  a agricultura nem foi protegida nem se quis proteger, sobre as oficinas disto e daquilo que são ilhas rodeadas de dívidas por todos os lados, também não. Escrever sobre os jovens que saem das escolas sem saberem escrever uma carta e que consideram um insulto a oferta de um dicionário, também não, sendo inútil perturbar a avaliação do desempenho de quem tutela o seu ensino.

Escrever sobre o saudoso governo civil? Não – foi extinto e nem se deu por isso.  Escrever sobre as iluminações de Natal? Qual coisa, agora que a generalidade das câmaras de vê aflita para manter a lâmpada da esquina. Escrever sobre a outrora apregoada linha de alta velocidade Faro-Huelva? Escreva Durão Barroso que concertou isso com Aznar, já lá vão uns bons anos, dizendo-lhe eu logo de cara a cara que não acreditava nesse fogacho populista. Por aí fora…

Então o que posso e devo escrever? Posso e devo escrever sobre o essencial, as coisas essenciais que o Algarve a todo o custo deve manter, mas que, para tanto, cada câmara, cada município e até já cada freguesia não se pode comportar como se cada qual fosse um sultanato de costas viradas para o sultanato contíguo pelo que, para que não restem dúvidas dessa marcação, colocam placas delimitadoras de território, coladas umas à outras como se fosse terra conquistada. Ora comecem por arrancar essas placas, que há placas a mais, e só depois escreverei. Se, sem crise, os sultanatos são intoleráveis, em plena crise os sultanatos repugnam.

Flagrante silêncio: Parece que houve muita alfarroba, pouco figo e que as azeitonas caíram pecas. Mas sobre o negócio da alfarroba, ninguém diz nada, nem os ciganos que andaram às escondidas no rabisco mas venderam e bem.

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1 COMENTÁRIO

  1. “O sabor amargo do caroço de alfarroba”

    Por entre silvas, carrascos, espinhos, pasto, formigas e moscas a zunirem aos ouvidos se apanha a alfarroba sob 40.º.

    Para que os não apanhadores de alfarroba fiquem a saber e não passe despercebido à maioria da população algarvia, que entre as silvas e os espinhos dos seus “carrascos”, reside (de grande importância no tecido económico da região) um produto de alto significado para a economia algarvia que é o fruto colhido da alfarrobeira – a alfarroba. Não se pode subestimar o seu valor, porque no entretanto ela contribui para mitigar as necessidades dos mais desfavorecidos da nossa sociedade regional, provavelmente através de mais de um milhão de toneladas recolectadas anualmente. Mas de facto e em concreto, por ausência de dados fiáveis, ninguém sabe ao  certo a quantidade de alfarroba que se apanha anualmente tudo ficando por conta do limbo (parentético) de quem a compra.

    O valor pago pela alfarroba tem vindo a decrescer, tendo atingido este ano o preço mais baixo dos últimos dez anos. Porquê?

    Na alfarroba, uma nova realidade social:

    Pelos campos, no roubo e no rabisco nunca se tinha visto como este ano, tanto de nova, da antiga pobreza de há 60 anos atrás. (Eu sei do que estou a falar). Vi homens de 40,50,60, anos, andrajosos, de aspecto decadente (desdentados, esfarrapados, com barba por fazer de dias) agachados pelos campos, debaixo das alfarrobeiras, roubando as alfarrobas do chão à sucapa, de molde a não fazerem muito barulho para não chamar a atenção, sem as varejar, em verdadeiros golpes de mão de 15/20 minutos, para que o dono que eventualmente possa estar por perto, que nunca está, eles as levem silenciosamente, e a correr, para irem entregá-las ao comprador mais próximo, que também os roubando no peso lhe entregará uns míseros euros com que ele pagará a “dose” ou uma pequena refeição.

    Perversamente uma nova realidade surgiu. Os ciganos, tradicionais recolectores amigos do alheio, mas também do agricultor pobre quando as apanha “a meias”, este ano foram ultrapassados por estas novas personagens desvalidas, a praticarem o recurso de pequenos ganhos imediatos proporcionados por pequenas arrobas de alfarrobas que de imediato possam ir vender.

    Não se pense que falar de alfarroba seja um tema fácil. Este negócio viaja pela vida do “algarvio berbere e judaico cristão” (todos eles estão envolvidos) depois de muitos séculos da nossa existência algarviana e tem matéria que baste para uma tese académica. Mas pelas suas sensibilidades corporativistas reveste-se de muitos cuidados e pouca ingenuidade.

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