Desflorestação da Amazónia caiu 60 por cento em 5 anos

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A desflorestação da Amazónia diminuiu 60 por cento nos últimos cinco anos, revela em entrevista exclusiva ao Expresso o cientista brasileiro Carlos Nobre, um dos pais da Teoria da Savanização da Amazónia. Ele foi o primeiro a sugerir que o derrube da maior floresta tropical do planeta poderá levar à sua transformação numa savana.


A desflorestação é a maior ameaça à Amazónia?

Nas últimas décadas, não há dúvida que o maior efeito perturbador do equilíbrio natural dos sistemas amazónicos é a desflorestação para substituição por pastagens e agricultura. Associado a esta mudança dos usos da terra há também a degradação da floresta, quando esta começa a perder biomassa devido à extração madeireira, que aumenta a sua fragmentação.

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E uma consequência secundária, mas muito séria, de todo este processo é o aumento dos incêndios. A floresta tropical húmida, ao contrário da floresta mediterrânica, não tem fogos naturais, que são um fenómeno muito raro. Antes eram as descargas elétricas, os relâmpagos, mas hoje não, é a proximidade da atividade humana que usa o fogo na limpeza e preparação do terreno agrícola e na renovação dos pastos.

Estes têm sido os fatores de perturbação maiores, e continuarão a sê-lo pelo menos nos próximos 20 a 30 anos. Passando este período e até ao final do século, aí sim o aquecimento global passará a ser o fator principal a afetar a floresta amazónica.

Porquê?
Ninguém hoje aposta que vá haver uma ação concertada entre os países do mundo para que a curva do aumento das emissões globais de gases de efeito de estufa atinja o máximo nos próximos dez anos. Talvez nos próximos 20 anos ou mesmo mais. Quando essa curva atingir o máximo, o aquecimento relacionado ainda vai levar 25 anos para se manifestar, porque o sistema climático não responde imediatamente aos gases com efeito de estufa, é um sistema que tem uma inércia muito grande. Portanto, a temperatura vai continuar a subir à taxa de quase 0,2 graus por década até 2040.

O aquecimento global, ao contrário da desflorestação, vai afetar todas as áreas, mesmo as que estão longe da ação humana e da fronteira agrícola. Cerca de 18% da Amazónia já foi desflorestada e talvez até 30% tenha sido alterada com a exploração madeireira. O número não é pequeno mas não é toda a floresta. No Sudeste Asiático, perto de 65% a 70% da floresta tropical já foi alterada e por isso, a Amazónia ainda é a região que contém a maior floresta contígua tropical do mundo. Se os países tropicais conseguissem reduzir a desflorestação a zero, as emissões globais de CO2 diminuíam apenas entre 10% a 15%.

É um valor importante.
É lógico que é importante. Mas continuam por resolver 85% a 90% das emissões, o que significa que o fim da desflorestação não é a solução definitiva para o aquecimento global. Aliás, como acabámos de ver recentemente com o relativo sucesso da Convenção da Biodiversidade de Nagóia, no Japão, organizada pela ONU, é muito mais importante para a conservação da biodiversidade.

“A nossa monitorização florestal é a melhor do mundo”

Hoje conseguimos saber qual é o peso relativo de cada um dos fatores que afeta a floresta amazónica?
Começamos a saber. Já temos as primeiras quantificações dos limites do aquecimento global a partir dos quais haveria uma catástrofe ambiental com o desaparecimento de uma boa parte da floresta amazónica. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), onde trabalho, começou a fazer há 22 anos a monitorização das alterações da vegetação da Amazónia e nos últimos 16 anos temos anualmente um mapa da desflorestação. É a melhor monitorização florestal que existe no mundo, porque nem a Europa, os EUA ou o Canadá têm uma monitorização anual das florestas. Agora estamos a estender esse processo a todos os países amazónicos e a capacitar países africanos a fazerem o mesmo.

E hoje não monitorizamos por satélite apenas a desflorestação total, mas também a degradação florestal e os incêndios. E estamos a desenvolver um novo programa ainda mais complexo, que vai monitorizar as mudanças nos usos da terra, como por exemplo uma região onde a atividade dominante era a pecuária e passou a ser a produção de soja.


Isso significa que há dados suficientes para se tomarem decisões políticas?
A monitorização em si não resolve nada. Mas quando passámos da monitorização anual para a quinzenal, esta informação tem sido muito útil, porque permite aos órgãos de fiscalização ambiental impedir as ilegalidades. Historicamente, 90% das áreas desflorestadas não segue a legislação corrente no Brasil que exige a solicitação de autorizações para desflorestar e queimar a floresta derrubada para criar áreas agrícolas, onde tem de se explicar quais vão ser as zonas de proteção biológica. E foi muito importante criar uma cultura de cumprimento da lei.

E essa é uma das razões por que o Brasil está a conseguir diminuir rapidamente as taxas de desflorestação. O satélite só deteta e monitoriza, mas criou instrumentos que permitem a ação. É verdade que ela ainda é muito deficitária, porque é muito caro e ineficiente deslocar os fiscais e as forças policiais em milhares de quilómetros, que são as distâncias amazónicas. E porque existe nos meios policiais brasileiros muita corrupção.

Mas são os principais instrumentos? Não, os principais elementos da diminuição da desflorestação são as políticas públicas que começaram a trazer o Estado de Direito para o seio da floresta. A Amazónia era terra de ninguém e nos últimos anos, através de um trabalho bem elaborado pela ministra do Ambiente, Marina Silva, o Brasil criou um programa nacional de controlo e de ano para ano este programa está a obter cada vez mais sucesso.

Com a regularização fundiária e ações coordenadas da polícia federal brasileira com o órgão de fiscalização ambiental, o IBAMA, já foram presas mais de 500 pessoas e demitidos mais de 300 funcionários públicos corruptos. Por isso mesmo, a desflorestação da Amazónia diminuiu 60% nos últimos cinco anos.

“A savanização não é uma ameaça a curto prazo”

A savanização da Amazónia é uma ameaça a curto prazo?
A curto prazo acho que não, mas é um perigo a médio e longo prazo. O Brasil e os países amazónicos em geral estão um pouco mais otimistas agora devido ao sucesso da diminuição da desflorestação nos últimos anos, embora não seja um sucesso total porque as taxas ainda são altas. Mas o PIB do Brasil vai crescer 7% este ano e a desflorestação continua baixa, o que significa que é uma tendência mais estrutural e não conjuntural.


A atual seca na Amazónia é preocupante?

A seca tem a ver com o aquecimento do Atlântico Norte. Mas o que está a chamar a atenção dos cientistas é que, no curto intervalo de seis anos (2005-2010), tivemos, em relação aos últimos 100 anos, a terceira maior seca da Amazónia em 2005, a maior seca em 2010 e o ano mais chuvoso em 2009.
(…)

[entrevista publicada na íntegra no site do Semanário Expresso]

Números
* 14% é a descida da desflorestação entre agosto de 2009 e julho de 2010 em relação aos 12 meses anteriores. É o valor mais baixo dos últimos 22 anos: 6450 km2, uma área um pouco maior que o Algarve;

*Nove países albergam esta floresta no seu território. A maior área vai para o Brasil (60%), seguido do Peru (13%), Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa

* 5.500.000 quilómetros quadrados é a área total coberta pela floresta amazónica, o equivalente a dez vezes a área da Península Ibérica

Entrevista de Virgílio Azevedo, fotografias de Alberto Frias /Rede Expresso

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