Diretor Clínico do CHUA: Hospital Central é indispensável

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Horácio Guerreiro fala sobre as últimas resoluções do Governo para o novo hospital central - o ad aeternum algarvio, as soluções até à sua construção, os "estrangulamentos" da estrutura que impossibilitam a retenção de profissionais, a capacidade deficitária dos serviços, o futuro da maternidade de Portimão, a polémica recente que levou à demissão da diretora do curso de medicina da UAlg e ainda sobre a “falta de sintonia” na relação entre o CHUA e o Algarve Biomedical Center (ABC)

Com uma estrutura hospitalar a romper pelas costuras, a falta de profissionais que levam ao encerramento de serviços, as críticas sobre o curso de medicina e as divergências com o organismo público ABC, Horácio Guerreiro, com 43 anos de dedicação profissional, apresenta uma visão otimista sobre o setor.
Apesar dos constrangimentos provocados pela falta de um novo hospital, que urge mas que está a tardar, revela o muito que, a seu ver, tem sido feito e o desejo de criar um centro oncológico que até já tinha financiamento comunitário, mas faltava terreno. O diretor considera que há “falta de apoio” e uma tentativa para “bloquear” os avanços da instituição.
Considerando existirem condições de excelência para receber, quer alunos, quer profissionais, defende que o Algarve é uma região atrativa, tem um hospital com mil camas, um departamento de investigação, inovação e ensino, e apresenta reconhecimento internacional, ingredientes suficientes para, em conjunto com um novo hospital, captar os profissionais que faltam neste momento.

JORNAL do ALGARVE (JA) – Acredita que será desta que vai ser construído o Hospital Central do Algarve?
Horácio Guerreiro
– Segundo o que o Governo decidiu, existe a intenção de construir o hospital central, mas com a retoma do processo desde o início. O concurso anterior foi cancelado e, portanto, vai dar-se início a novos estudos e depois avançará. Acredito que o novo hospital vai ser uma realidade, mas que está a tardar. É realmente necessário pegar no projeto como se fosse a primeira vez. O plano da construção era para 2008 e para os tempos atuais o projeto seria demasiado acanhado. Tem de haver uma atualização do projeto que contemple espaços livres. O tamanho de uma sala operatória terá de ser muito diferente daquilo que foi idealizado no projeto anterior, por exemplo. A capacidade de expansão de um hospital é fundamental.
JA – É possível pensar-se no hospital central como uma estrutura capaz de colmatar os problemas da região sem se resolver a questão das carreiras e o problema da incapacidade de retenção do SNS (Serviço Nacional de Saúde)?

HG – É possível. O novo hospital facilitaria a captação de profissionais porque todas as pessoas gostam de ter um local de trabalho atrativo, com projetos e nós temos muitos. Temos vindo a desenvolver a diferenciação das unidades e essa será uma linha a manter no hospital central. No hospital de Faro temos praticamente todas as valências que o novo hospital deveria ter ou o que estava previsto ter. Claro que as condições não são as mesmas, é lógico. O problema das carreiras médicas é um problema transversal ao SNS. É óbvio que os médicos são mal pagos. Quando se trata de profissionais altamente diferenciados e que têm oportunidade de ganhar muito mais dinheiro lá fora, se não se conseguir mudar as condições salariais, para além das condições de exercício das funções, será difícil fixar profissionais cá dentro. Não há dúvidas disso.
JA – Qual a mais valia deste tão desejado hospital, quando há vozes divergentes que dizem não haver médicos para as estruturas existentes?
HG
– A construção do hospital é absolutamente indispensável para que nós possamos trabalhar em boas condições. Já não temos capacidade de expansão e as condições de trabalho e de acomodação dos utentes são muito deficitárias. Quando não há espaços, os hospitais morrem. As atuais condições logísticas e operacionais estão ultrapassadas e esgotadas. O hospital está a rebentar pelas costuras. Com o novo hospital podemos evoluir e dar um salto em frente. Mas não há como negar que há falta de profissionais. As carreiras médicas precisam de ser revistas. Não temos médicos para fazer urgência de pediatria em número suficiente. Em Faro só temos quatro médicos com obrigatoriedade de fazer urgência. Em Portimão temos outros quatro. No entanto, temos 11 médicos em Faro, mais 11 em Portimão e mais 11 na unidade de neonatologia, mas com uma escala à parte. Ou seja, temos 22 médicos dos quais oito são obrigados a fazer urgências. No que toca aos anestesistas temos apenas 13 e um número razoável seria termos 45. Com todas estas condicionantes, o trabalho tem de ser reorganizado porque a produtividade deste hospital é baixa.
JA – Como conseguirá o Algarve trazer especialistas e outros profissionais de saúde para um novo hospital perante o galopante problema da habitação?
HG
– Um projeto aliciante e as condições certas captam profissionais para qualquer lado. Penso que também será importante atribuir prémios de produtividade. As dificuldades na produção do hospital e na resposta dada têm mais a ver com estrangulamentos próprios da estrutura do que propriamente com a vontade dos profissionais. Os médicos e os profissionais de saúde têm vontade de trabalhar. É, sim, preciso dar volta às carreiras médicas e ao sistema de remuneração, em primeiro lugar. O fator habitação tem maior relevância para os enfermeiros, auxiliares, técnicos e até para os médicos em início de carreira. Contudo, para certas classes de médicos, não tem nenhuma relevância. Mas um médico especialista ganha 2700 euros e com os descontos esse valor desce significativamente. Não é possível manter os médicos no SNS a pagar-lhes esse valor…
JA – Um novo hospital serve aos algarvios, caso não exista a devida articulação com os cuidados de saúde primários que, por sua vez, se mostram deficitários na resposta às populações?
HG
– A articulação com os cuidados primários a nível regional é razoável, mas tem de ser otimizada, especialmente no que toca às urgências. Não se podem transferir todos os doentes para as urgências hospitalares. É preciso que haja resposta ao nível dos cuidados primários para atender as pessoas e não para as enviar para consultas ao fim de não sei quanto tempo. Defendo um sistema integrado que responda de imediato às pessoas. Torna-se mais eficiente se dermos uma resposta imediata às pessoas do que se as enviarmos para etapas diferentes de atendimento. Temos de oferecer às pessoas cuidados imediatos numa rede integrada de serviços de urgência.

JA – O sotavento tem vindo a ficar para trás em matéria de cuidados de saúde, relativamente ao barlavento. Certamente ainda levará uns anos até termos o hospital central. Até lá, como pensam remediar as carências na região?
HG
– A demografia no sotavento não é favorável à construção de um hospital. A soma da população de Tavira, Vila Real de Santo António, Castro Marim e Alcoutim deve rondar os 60 mil habitantes, o que não suporta essa realidade. O que temos vindo a fazer é levar cuidados de proximidade às pessoas ao nível das consultas e ambulatório. Vamos dar consultas em Tavira e também em VRSA, utilizando o Serviço de Urgência Básica local que precisa de obras e que já estão contempladas. Em Albufeira também será replicado o modelo de proximidade aplicado em Aljezur que inclui consultas semanais de várias especialidades. Ter um hospital próximo é sempre agradável, mas isso não resolve as situações graves. Nas situações críticas é mais importante que a pessoa seja levada para o sítio onde sabem tratar. Se o utente tiver de passar por um hospital intermédio poderá ser prejudicial. Não adianta ter hospitais pequenos e pouco diferenciados nesse sentido. Gostaríamos de ter mais unidades de internamento mais próximas das pessoas e trabalharemos para isso.
JA – Existem urgências a fechar durante vários dias no Algarve e até profissionais de saúde a trabalhar horas e horas seguidas. Há ou não há falta de profissionais de saúde no Algarve?
HG
– O reconhecimento das deficiências na estrutura é mais do que conhecido e é algo notório. Nós sabemos que, nomeadamente na obstetrícia, ortopedia, pediatria e sobretudo na anestesiologia, precisamos de médicos. Temos pouca resposta ao nível do bloco operatório. Por um lado, por falta de salas, mas sobretudo por falta de anestesistas. A carência de anestesiologistas é limitante. Contamos com alguns prestadores externos, mas que muitas vezes têm horários muito limitados e não resolvem todos os nossos problemas. Não temos pessoas para rentabilizar as nossas equipas cirúrgicas. A dermatologia é também um calcanhar de Aquiles. Atualmente temos “meia especialista” que apesar de aposentada está a colaborar connosco em horário parcial e tem sido essencial para a região. Relativamente às salas, em breve iremos acrescentar mais uma sala e ficaremos com um total de seis. O projeto anterior do hospital central comtemplava pelo menos 12 salas. Diria que o novo hospital deveria ter umas 18 salas, pelo menos.
JA – Em Portimão, uma médica de Medicina Interna fez, em três meses, 350 horas extraordinárias. Se esta realidade continuar, o SNS corre o risco de colapsar…
HG
– A falta de recursos obriga-nos a contratar os prestadores externos tarefeiros e eles optaram, grande parte deles, por maximizar o seu trabalho e consequentemente o seu rendimento. Esses números parecem muito e são muito, mas não temos, no caso da ginecologia e obstetrícia e noutros, hipótese de substituir essas pessoas por médicos do nosso quadro. Ou aceitamos esses médicos que trabalham muitas horas e que nos permitem manter os serviços abertos ou temos de fechar serviços. Como as carências são enormes, mesmo os se os da casa fizerem trabalho prolongado e esgotarem a capacidade horária ainda ficam muitas por preencher. Apesar dessas horas todas, que é algo muito chocante para as pessoas, e sendo algo que representa muito dinheiro bruto, há que salientar que os prestadores estão integrados em equipas com vários elementos e o trabalho das equipas não recai sempre sobre a mesma pessoa. Os profissionais vão-se substituindo. Os médicos que fazem tantas horas extra têm muita experiência e dão muitas garantias em termos de segurança. Mas as equipas são sempre insuficientes… E o Algarve é das zonas onde há menos camas per capita. Precisaríamos de ter mais umas 500 camas…
JA – Há falta de profissionais de saúde, mas também se fala na falta de organização dos serviços. De acordo com dados da OCDE, Portugal forma cerca de 17% mais médicos do que a média dos países europeus. Onde é que eles estão?
HG
– Estão no privado… Os médicos seguem os doentes e o dinheiro também segue os doentes. Quem tiver os doentes e o dinheiro, terá os médicos. Segundo a OM, o nosso rácio de médicos não é baixo e sei que não é baixo em número absoluto. Mas muitos médicos já são velhos e deixam de fazer noites aos 50 anos e urgências aos 55. Depois muitos dos nossos internos são da zona Norte. Quando acabam a especialidade querem ter filhos, estar próximos da família e aí é difícil…
JA – O que será feito para fixar os futuros médicos que se estão a formar na região?
HG
– Nós damos perspetivas de evolução e de intercâmbio. Temos um departamento de investigação, inovação e ensino. Estamos a montar uma estrutura sólida do ponto de vista científico. Estamos também a caminhar para a certificação dos serviços hospitalares. O Algarve é uma região atrativa, temos um hospital com 1000 camas, publicamos artigos científicos e temos reconhecimento internacional. Para além disso, temos um conjunto de médicos de qualidade elevada e reconhecimento interpares. Temos também um centro de referência do cancro do cólon e a unidade da mama. Em termos de tecnologia estamos no bom caminho. Temos um angiógrafo, estamos à espera de instalar mais uma TAC de nova geração e em pouco tempo esperamos criar uma unidade de procriação medicamente assistida. Temos de fazer uma medicina diferenciada, aliciar as pessoas com qualidade no trabalho e oportunidades de evoluírem profissionalmente. Temos de as envolver nas investigação, na formação, numa carreira académica. Essa é a estratégica.
JA – O CHUA ainda tem capacidade para receber doentes de outras regiões, como sugeria em 2020?
HG
– O CHUA tem capacidade. Temos feito uma ginástica para assegurar o funcionamento dos dois blocos operatórios e temos conseguido isso na maior parte das vezes. Pontualmente, temos sido forçados a fechar o bloco de partos em Portimão por falta de pediatras. Mas em termos de volume temos tido capacidade. Em Portimão recebemos muitas grávidas da zona de Odemira. Transferimos pessoas por falta de técnicos que cá não existam, mas não por falta de resposta. Apesar de tudo, temos estado bem no que toca à ginecologia/obstetrícia.

JA – Fala-se do encerramento de serviços em Portimão e da diferenciação entre as duas maternidades. O que vai acontecer à maternidade de Portimão?
HG
– As questões geográficas no Algarve justificam a existência de duas maternidades. Se encerrar uma das maternidades há pessoas que vão ter de percorrer 120 a 140 quilómetros para ir ter uma criança, o que está fora daquilo que é preconizado. Tanto quanto possível, nós iremos manter as duas maternidades a funcionar. É o que defendo para o Algarve. Oponho-me à determinação de encerrar uma maternidade. Se tiver de fechar a maternidade em Portimão durante alguns dias, fecharemos, mas tentarei preservá-la o máximo de tempo que me for possível. Apesar das dificuldades, com um pouco mais de recursos, conseguimos manter as duas. A estratégia é tentar ganhar mais recursos, resistir e esperar que as coisas melhorem.
JA – Alexandre Lourenço, presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos (OM) referiu-se aos sistemas de transporte inter-hospitalar no Algarve como “muito maus e muito fracos”. Está de acordo?
HG
– Os transportes inter-hospitalares e outros sistemas de transportes de doentes na região são deficientes, mas temos de cumprir a lei. Neste hospital pagamos mais do que devíamos pelos transportes. Há critérios de insuficiência económica e há critérios de saúde. Muitas vezes fazemos o transporte mesmo para as pessoas que não têm insuficiência económica. O que acontece é que não há transportes disponíveis em quantidade para dar uma resposta imediata. Há contratos, mas as próprias corporações de bombeiros desinteressaram-se e vocacionaram-se para outras áreas e o transporte de doentes tornou-se menos aliciante até pelo preços dos combustíveis. Não há ambulâncias disponíveis em número suficiente na região e temos de comprar as nossas próprias ambulâncias.

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