Espanhóis e algarvios de volta ao convívio

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Durante 106 dias, algarvios e andaluzes estiveram impedidos de atravessar o rio Guadiana devido à pandemia de covid-19, que modificou a normalidade do dia-a-dia e afetou a economia da Eurocidade, que ansiava pela reabertura da fronteira terrestre. Desde 1 de julho, essa barreira foi abolida e finalmente portugueses e espanhóis foram autorizados a circular no país vizinho e puderam matar saudades dos irmãos que apenas podiam ver de longe

Uma pequena e rápida viagem desde Vila Real de Santo António a Ayamonte para abastecer um veículo ou fazer compras era um hábito, uma tradição e representava também um método de poupança económica para muitas famílias. Esse hábito era também um costume dos espanhóis, que têm gosto pela gastronomia portuguesa, pelas praias algarvias e pelo comércio tradicional que atravessou sérias dificuldades durante os últimos meses.

Espanhóis recebidos de braços abertos


A Praça Marquês de Pombal e a Avenida Teófilo Braga em Vila Real de Santo António voltaram a ganhar vida. Com o regresso dos espanhóis, chegou também um pouco de esperança por dias melhores para o comércio local vilarealense.


Após a reabertura da fronteira terrestre, nos primeiros dias “já se notou algum movimento”, mas João Viegas, de 29 anos e proprietário da Nutty, acredita que a afluência dos espanhóis deverá acontecer sobretudo nos fins-de-semana.


“É óbvio que precisamos muito dos espanhóis. Em termos de consumo, não olham a gastos para beber e comer”, salientou ao JA o proprietário do estabelecimento especializado em gelados, crepes e waffles localizado no edifício do Centro Cultural António Aleixo.


Segundo o empresário, os turistas espanhóis podem vir a “facilitar” estes últimos meses de encerramento devido à pandemia, uma vez que “este ano não vai ser para grandes faturações para qualquer tipo de negócio”.


“Se tivermos um verão minimamente bom dá para, pelo menos, aguentar as portas abertas”, confessou João ao JA.


Para Júlia Monteiro, de 48 anos e proprietária da loja “Atlântida”, numa das ruas perpendiculares à “Avenida” vilarealense, “esta reabertura é uma mais valia para todos e para o comércio local”.

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Júlia Monteiro


“É importante para tentar apaziguar um pouco aquilo que já aconteceu, porque a quebra que tivemos agora tentar remediar já é difícil”, referiu a comerciante ao JA.


Durante os primeiros dias em que os espanhóis conseguiram voltar a Portugal “já houve algum movimento” uma vez que atualmente é uma “época de férias em que a afluência deles é muito maior também”.


“Esperemos que a partir de agora as coisas voltem pouco a pouco à normalidade”, concluiu Júlia.


Na Avenida da República, com vista para a marina de Vila Real de Santo António, encontra-se a Garrafeira Guadiana, um dos estabelecimentos onde os espanhóis procuram produtos regionais e típicos de Portugal como o vinho do Porto.


“A reabertura da fronteira teve toda a importância e os espanhóis fazem imensa falta, pois são 70% do meu público”, salientou ao JA o proprietário Luís Alves, de 59 anos.

Luís Alves


Apesar de considerar que a a vinda dos espanhóis para território nacional não venha salvar o verão, esse tipo de turismo “pode ajudar”, destacando ainda que “seja qual for o tipo de turista, é muito bem vindo”.


“Provavelmente, os espanhóis que iam de férias para outros sítios mais longe de avião, agora durante os próximos dois ou três meses penso que possam vir para cá”, concluiu o empresário.

Já se ouve a língua portuguesa em Ayamonte

Ayamonte


Do lado espanhol, os primeiros dias já deram esperança e movimento às ruas do centro de Ayamonte. De março a junho, a única língua ouvida nas artérias da cidade era castelhano, enquanto nos primeiros dias da reabertura da fronteira já se começou a ouvir portugueses.


Com máscara e todas as precauções, os estabelecimentos comerciais da cidade transfronteiriça espanhola já começaram, finalmente, a receber os primeiros clientes portugueses.


“Sempre vivemos deles e eles vivem de nós. No dia da reabertura já tivemos alguns clientes portugueses. Mas não foi o mesmo volume que outros anos, nada que se compare”, referiu ao JA José Manuel, de 44 anos, proprietário do estabelecimento e restaurante de tapas “La Ribera”, localizado numa das principais praças de Ayamonte.


José Manuel considera que os povos que estão de cada lado da fronteira são indispensáveis para qualquer uma das cidades transfronteiriças, destacando que de Portugal gosta “da gastronomia, das praias e dos centros comerciais”.

José Manuel


“Já soube de espanhóis que voltaram a Portugal e ficaram encantados. No primeiro dia de reabertura da fronteira, um cliente confessou-me que chorou quando pisou terras portuguesas outra vez”, salientou o proprietário do restaurante ao JA.


José destacou ainda que a convivência entre os povos transfronteiriços “é uma tradição” e que “devíamos ser uma só nação, agora que somos uma Eurocidade. É um projeto maravilhoso que agora tem de se desenvolver”.


Numa das ruas principais do centro de Ayamonte encontra-se atrás do balcão Marian Sanchez, de 25 anos, num estabelecimento de perfumaria e roupa de bebé.


“Assim que entrou o primeiro cliente português e ouvi ‘bom dia’, quase que lhe faço uma vénia!”, confessou a jovem espanhola ao JA.

Marian Sanchez


No dia da reabertura, a funcionária do estabelecimento notou mais clientes portugueses, mas “não é o julho de outros anos”.


“Vivemos de qualquer tipo de turismo, mas em especial de Portugal. Do outro lado da fronteira vêm à procura de alguma roupa de bebé, mas sobretudo da secção da perfumaria porque é mais barata”, revelou Marian ao JA.


Uns metros mais à frente, numa das artérias mais estreitas do centro da cidade, Maria Angeles de 57 anos já recebeu “alguns clientes portugueses mais corajosos” na loja de roupa “Camerino”.


“Parece-me que tanto os espanhóis como os portugueses têm ainda algum medo. Os portugueses não sabem ainda muito bem como funciona o sistema em Espanha”, revelou a funcionária do estabelecimento ao JA.


Maria Angeles considerou que “a pouco e pouco, os portugueses virão a Espanha, tal como os espanhóis irão a Portugal”, à medida que “vão ganhando confiança”, apesar de “nunca voltar a ser como antes”.


“Temos de seguir em frente. Temos de apanhar ar, ir à praia e a economia é o principal. Estou desejando ir a Portugal comprar cerveja!”, confessou.


A trabalhadora espanhola revelou ainda ao JA que “ainda há muitos cafés fechados” apesar de “se notar bastante mais movimento no centro de Ayamonte de manhã” e que houve estabelecimentos que reabriram apenas no dia da abertura da fronteira, “porque antes não compensava”.

Vivência ibérica


“Temos uma vivência altamente ibérica, meia portuguesa e meia espanhola”, começa por dizer o diretor da Eurocidade do Guadiana, Luís Romão, ao JA.

Luís Romão, diretor da Eurocidade


Durante a pandemia de covid-19 e com a fronteira terrestre ainda fechada, a Eurocidade do Guadiana, juntamente com outras entidades transfronteiriças, elaborou um documento que foi enviado ao Governo, a salientar a importância da reabertura da fronteira com Espanha o mais rapidamente possível.


O documento “funcionou como uma pressão” e foi tido em linha de conta a importância da reabertura “quer em termos económicos, de vivência cultural e de identidade”, revelou.


“A fronteira aberta, para nós que vivemos nesta zona, faz muita falta. Quem não vive nesta raia pode valorizar, mas não sente como nós”, salientou Luís ao JA.


Esta vivência tradicional e convívio entre a população espanhola e portuguesa “faz com que tenhamos uma cultura muito parecida” e “nestes tempos de encerramento existia uma sensação esquisita”, pois “o nosso sentimento vai muito para além da economia”.


“Apesar da economia ser muito importante, sobretudo na área da restauração e no próprio comércio, há muito mais do que isso”, uma vez que existem muitos portugueses que vivem em Espanha e espanhóis que vivem em Portugal, por exemplo.


Segundo Luís Romão, neste momento a fronteira “está aberta sem controlo e quem tem de controlar agora são as próprias pessoas” com responsabilidade e cuidados a ter para prevenir o contágio de covid-19 “porque não podemos retroceder” e perder tudo o que já foi feito até aqui.


“É um risco, mas temos de fazer mexer a economia e temos de nos controlar um bocadinho mais uns aos outros. Há uma realidade nova e as pessoas têm de se habituar a ela”, salientou o diretor da Eurocidade do Guadiana, composta pelos municípios de Vila Real de Santo António, Castro Marim e Ayamonte.


Para Luís Romão, o mercado espanhol “é fundamental”, mas a “questão da cultura e da vivência dos sabores e dos cheiros” dos dois lados da fronteira é outro dos aspetos que destaca e que não quer ver separado.


“Há coisas que só existem em Espanha, tal como há outras que só existem em Portugal, como a nossa gastronomia, segurança e clima”, concluiu o diretor da Eurocidade.

Gonçalo Dourado

“Reencontro de irmãos” celebrou reabertura da fronteira

A cerimónia decorreu no Posto de Turismo, junto à ponte do Guadiana

A fronteira terrestre de Castro Marim com Ayamonte, que liga o Algarve à Andaluzia, reabriu a 1 de julho após mais de três meses de encerramento devido à pandemia de covid-19, num “reencontro de irmãos” divididos pelo rio Guadiana.


A partir deste mês, os dois lados da Ponte Internacional do Guadiana estão mais livres, sem o controlo das autoridades, transmitindo um sentimento de esperança e de reencontro para a economia, turismo, comércio e restauração dos dois lados do rio, que desde há alguns meses anseia pelos clientes portugueses e espanhóis.


“Foi um tempo muito duro porque nunca estivemos tanto tempo separados”, começou por dizer a presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, Conceição Cabrita, numa cerimónia que decorreu no Posto de Turismo da Ponte Internacional do Guadiana.


“Este dia para nós é histórico. O comércio de Vila Real de Santo António precisa muitos dos espanhóis, assim como os comerciantes de Ayamonte precisam dos clientes portugueses”, salientou a presidente da autarquia vilarealense, referindo que os comerciantes da sua cidade “estão preparados para receber os nossos amigos e irmãos espanhóis”.


Conceição Cabrita apelou ainda que “todas as pessoas que estão na situação de passagem de fronteira que tomem as devidas precauções, para que a vida normal possa ser retomada com todos os cuidados que devemos ter”.


Para o presidente da Câmara Municipal de Castro Marim, Francisco Amaral, “hoje é um dia importante para a Eurocidade do Guadiana, porque realmente estamos a retomar as funções”.


O autarca considera os dois povos ibéricos estão “social e familiarmente muito juntos e agarrados e, como tal, não fazia sentido estarmos separados mais tempo”, pois esta proximidade “é muito importante para a economia local”.


Francisco Amaral revelou ainda que “fez-se justiça” com a reabertura da fronteira terrestre com Espanha, uma vez que os municípios da Eurocidade do Guadiana “não foram muito afetados por esta pandemia” e existem “laços fortes de amizade” que tornaram esta separação de mais de três meses “muito artificial”.


“Em termos económicos, tanto para Ayamonte, Castro Marim ou Vila Real de Santo António, é muito importante que se retome esta ligação”, concluiu o presidente da autarquia castromarinense.


Com o encerramento da fronteira, a presidente da Câmara Municipal de Ayamonte, Natália Santos, revelou que agora “percebemos o quando gostamos e precisamos uns dos outros”.


“É um dia histórico e estamos muito contentes. Esperamos agora que os cidadãos dos dois lados do rio, tanto espanhóis como portugueses, continuem a manter as distâncias de segurança e sejam conscientes que o vírus continua a conviver entre nós”, salientou a autarca espanhola.


Natália Santos alertou ainda para que a população transfronteiriça e os turistas “tenham muito presentes as medidas de segurança, sem baixar a guarda”.


Por outro lado, o presidente da Comunidade Intermunicipal do Algarve (AMAL), António Pina, recordou que “há mais de 30 anos que nos habituámos a viver de uma forma tranquila e que, às vezes, já nem percebíamos que não havia uma fronteira entre dois países, entre duas regiões e entre duas cidades”.


Neste “dia histórico”, o também presidente da autarquia de Olhão destacou que “o Algarve, a Andaluzia e a província de Huelva necessitam das suas fronteiras abertas para continuar a viver” e a desenvolver em conjunto.


Para concluir, António Pina demonstrou esperança neste processo para que as regiões e os países “continuem a fazer o caminho do controlo da pandemia, porque a economia precisa e as pessoas precisam da economia”.


Já para o presidente da Região de Turismo do Algarve, João Fernandes, a reabertura da fronteira terrestre “é obviamente muito importante” devido ao “feliz reencontro” e ao facto do mercado espanhol em Portugal ter “uma expressão de mais de um milhão de dormidas por ano”.


A representante do Governo da Andaluzia na província de Huelva, Bela Verano, lembrou a forma como “a crise da covid-19 afetou a saúde dos compatriotas e as relações transfronteiriças”, deixando as populações dos dois lados da fronteira “a sofrer duplamente com o isolamento”, após verem “a forma de vida compartida parar em seco” e “as relações pessoais e comerciais desaparecerem de imediato” com o encerramento das passagens entre os dois países.


Na cerimónia, além dos presidentes dos três municípios transfronteiriços, da AMAL, da RTA e do Governo da Andaluzia, participou também o diretor regional da Agricultura do Algarve, Pedro Monteiro e o diretor da Eurocidade do Guadiana, Luís Romão.


No final do evento, ainda houve tempo para entregar laranjas aos turistas que atravessavam a fronteira em direção a Portugal, diretamente das mãos de António Pina e de outras personalidades presentes.


O encerramento das fronteiras terrestres foi decretado a 16 de março, com as autoridades portuguesas e espanholas a deixar passar apenas agentes de segurança, veículos de emergência, trabalhadores transfronteiriços e transportes de mercadorias.

G.D.

Autoridades mantêm-se na fronteira para informar sobre medidas em vigor

O SEF e a GNR vão manter-se na fronteira terrestres de Castro Marim com Espanha para assegurar que as pessoas que entram no país são “integralmente informadas” das medidas em vigor em Portugal no âmbito do combate à covid-19, anunciou o Ministério da Administração Interna. 


Em comunicado, o Ministério da Administração Interna avança que vão ser feitos controlos móveis de caráter aleatório e temporário a viaturas de transporte coletivo de passageiros, autocaravanas e viaturas ligeiras nas fronteiras terrestres de Castro Marim, Valença, Quintanilha, Vilar Formoso e Caia.


Um despacho assinado pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, e publicado em Diário da República refere que nos controlos móveis vai ser distribuída informação sobre as medidas em vigor na Área Metropolitana de Lisboa e na generalidade do país.


“Não obstante os progressos registados na situação epidemiológica dos países da União Europeia, que permitiu a cessação dos controlos nas fronteiras internas no dia 30 de junho, Portugal mantém a declaração de alerta, contingência e calamidade. Importa, assim, assegurar que todos os cidadãos que entram em território português através das fronteiras internas são integralmente informados das medidas em que se traduzem o referido estado de alerta”, sustenta o despacho de Eduardo Cabrita.


Segundo o Ministério da Administração Interna, foram impedidas de entrar no país através da fronteira terrestre de Castro Marim 66.507 pessoas.

Ferry-boat continua parado


O transporte fluvial que liga as duas margens do rio Guadiana entre Vila Real de Santo António e Ayamonte continua interrompido segundo a Câmara Municipal vilarealense.


Esta paragem de atividade deve-se “a questões administrativas”, enquanto que o ferry-boat do lado espanhol encontra-se “em reparação”, segundo o diretor da Eurocidade do Guadiana, Luís Romão.

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