Evocando o Centenário do Farol de VRSA (1923)

ANTES DE NÓS. Sim, ANTES DE NÓS

Foi a etiqueta que criámos no nosso subconsciente para participarmos nesta tertúlia evocativa do Centenário do Farol de Vila Real de Santo António.

Honrados pelo convite e distinguidos pela lembrança (obrigado Fernando Pessanha), vamos ver se nos conseguimos safar… porque quando eu nasci, já o FAROL tinha 21 anos.

Aqui chegados, recordamos que no dia de amanhã, isto é, 20 de Janeiro de 1923, foi quando o Farol foi inaugurado.
Por essa altura chefiava o 37.º Governo da República, António Maria da Silva, enquanto António José de Almeida era o Presidente da República (1919-1923).

Curiosamente seria depois eleito Presidente da República, o algarvio de Portimão, Manuel Teixeira Gomes.

Em ternos caseiros, isto é, no que se refere à governação do Algarve e de Vila Real de Santo António, na informação com que encalhámos fomos alertados para o facto, de que era Governador Civil de Faro, Adelino Oliveira Pinto Furtado, que de igual forma curiosa, seria depois substituído por um algarvio de Loulé, Contra-Almirante José Mendes Cabeçadas Júnior, que muito anos antes, tinha sido Capitão do Porto de Vila Real de Santo António (1914, 1917, 1918 e 1919)…

Enquanto o Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António era Pedro José Cândido (obrigado Hugo Cavaco), diga-se um homem extravagante. Pedro Cândido era industrial de conservas de peixe e proprietário da Fábrica Pedro Cândido, que se situava a seguir à fábrica de azulejos do Severo, que estava entalada entre a Pedro Cândido e a Fábrica do Tenório. Mais tarde, e já nas mãos de outro proprietário, a fábrica passou a denominar-se Esperança.

Diz-se que Pedro Cândido, o tal homem extravagante, morreu na miséria e que segundo me contava o meu saudoso pai, Manuel Gomes Nené, Pedro Cândido fazia cigarros com notas de 100 mil réis. Daí a sua extravagância…

Mas enquanto dou cabo a esta história e não irmos à garra, devido aos solavancos do mar, permitam-me que recorde, com o título de perdidos algures no mar, o salva-vidas Patrão Rabumba, que um dia também chegou ao Porto da Assembleia Nacional.

Por essa altura, aqui na Bila, até subiram ao alto do Farol, para ver se avistavam o Patrão Rabumba e a sua tripulação e nas longas noites que se seguiram até ao seu aparecimento, o Farol era a nossa maior vigia.

Mas nós explicamos. Março de 1963 (já passaram 60 anos). Aliás, já pelas colunas do Jornal do Algarve há vários meses, fizemos deslizar uma história relacionada com o Salva-vidas, Patrão Rabumba, que tinha como marinheiro, o António Salas, um vila-realense que se tornou herói e foi reconhecido pelos governantes. Hoje, creio, que terá mais de 80 anos.

Enquanto o Patrão Rabumba, navegou por parte incerta – ninguém ficou em casa – e correu gente para todos os lugares da margem do guadiana, da Ponta da Areia ao Cais da Muralha, passando pelo Farol, procurando descobrir, quando o salva-vidas, ao menos mostrasse a cabeça à entrada da barra.

As dificuldades que o mar desafiava, levaram a que Assembleia Nacional ancorada no mar calmo de S. Bento, estávamos então em 19 de Março de 1963, fizesse entre muitos outros, este eco ruidoso:

[…] O que não há muito se passou com a corajosa, valente e destemida tripulação do salva-vidas Patrão Rabumba diz bem do perigo em que vivem presentemente os homens do mar de Vila Real de Santo António. Na sua nobre missão, aquele salva-vidas saíra a perigosa barra para verdadeiramente arrancar das garras da morte as tripulações de dois barcos da pesca costeira, e, depois de os haver salvo, e já todos a bordo do salva-vidas, se iam perdendo e até o próprio barco. É que o estado da barra, pelo seu grande assoreamento, não os deixava entrar no porto. Tentaram-no, em vão, por duas vezes, e, na impossibilidade de se salvarem por ela e pela barra de Olhão, foram entrar, após 30 longas horas de luta com o mar, no porto de Portimão, quase no extremo oposto da costa algarvia.

Não é justo nem humano que se obriguem a tais perigos homens da têmpera destes doze náufragos, que, ao chegarem a terra, em resposta «nos jornalistas, que lhes perguntavam se haviam tido muito medo, disseram que «a altura das ondas e os corpos molhados não lhes tinham dado tempo para se lembrarem do medo, papão por eles ignorado» […]
ANTES DE NÓS. Mas não antes dos meus saudosos pais, porque quando o Farol nasceu o meu pai tinha 21 ano (1902) e a minha mãe 19, já que tinha nascido a 5 de Outubro de 1904. Claro, porque foi nesta datas que foi registada, como se lê na árvore genealógica desenhada pela minha sobrinha e escritora Raquel Palermo.

Mas quando eu nasci, a 27 de Outubro de 1944, já o farol, era um jovem com 23 anos.

Claro que também escutei histórias contadas pelo meu pai sobre o farol… Coisas muito remotas, que nunca me foi possível confirmar, e numa delas, que em certa altura o farol não tinha «acendido a luz». Era assim que ele me dizia. Eu nunca me recordo de ter testemunhado situação idêntica.

O que sei, e vou dizer, porque vos vejo muito TENSOS, é que após tantos anos sem vir à minha terra, que tanto amo, até pensei que o Faro já estivesse mais alto.

Talvez pelos tempos modernos que agora correm, possamos reconhecer que o Farol da Vila foi o nosso primeiro Drone. Nosso, daqui, pois era e continua a ser de cima do Farol, que se fizeram ao longo da história, também dos lugares que a LUZ tange, a nossa maior vigia. Aliás, contam os historiadores que adormecem procurando essas coisas, que Vila Real de Santo António, antes do FAROL, tinha uma vigia expressa para a barra do Guadiana, guiada, quem sabe, se por tochas…

Farolinho de Ferro, hoje a «residir em Quarteira, e que era o «Pai do Farol». Aqui nos fixávamos quando íamos à camarinha, ao camaleão ou fingíamos do guarda mato

Antes ainda tínhamos o Farolinho de Ferro. Diz-se que agora reside em Quarteira e diga-se que era um dos nossos maiores brinquedos, pois nas vezes que íamos à camarinha ou ao camelão, subíamos sempre ao farolinho de ferro, perdido na mata, rumo aos três pauzinhos. E mesmo, quando andávamos a armar ao pássaro, para fugirmos do GUARDA MATO, ele também corria menos que nós, lá íamos direitinhos ao Farolinho de Ferro.

Quando começaram as obras de construção do FAROL, portanto ANTES DE NÓS… e quando foi inaugurado há 100 anos, o Mundo ainda sacudia a alma dos escombros da guerra de 14 e vivia soprado por tremendos solavancos.

Mas o Farol de Vila Real de Santo António, talvez porque aqui o INFANTE NUNCA SE INSPIROU, é para nós mais arrebatador que o FAROL QUE BANHA A COSTA VICENTINA E TESTEMUNHA SAGRADA DO PROMONTÓRIO DE SAGRES, mas que nunca teve o papel das constantes visitas, do antes e do depois do Estado Novo.

O impacto, a ajuda da imprensa, a visão dos governantes, cuja ausência ajudaram aos dramas que Vila Real de Santo António hoje enfrenta, mesmo quando a ciência começou a ficar mais esperta, com outras sabedorias, tangendo já o que seria o espreitar das novas tecnologias, que aqui ali, desumanizam a sociedade e matam o mundo…aliás, nós estávamos muito melhor, quando tínhamos a esperança que o mundo acabaria à pedrada.

Portanto, seja como for, o Farol da VILA, era e continua a ser toda a nossa energia. De lá de cima tínhamos e continuamos a ter o mundo aos nossos pés…

Mas nunca, em momento algum, a não ser em curtos e nublados sinais da história e da promoção do Algarve e concretamente de Vila Real de Santo António, o FAROL, foi visto como vocação e interesse turístico. Claro, que se este farol e esta cidade, tivessem sido parido no barlavento algarvio, outro farol cantaria…

No outro dia, em Tavira, no Salão Nobre do Município do Séqua e do Gilão, quando da apresentação do nosso último livro em 2022, Prestar Contas, biografia do Eng.º Fialho Anastácio, mais concretamente a 3 de Dezembro tivemos o cuidado de dizer, que em certa altura, a brincar e em muitos dos meus escritos, reafirmei que o Algarve não era dividido em Sotavento e Barlavento, antes em Sotavento, Loulevento e Barlavento. E que o Sotavento era marginalizado.

Como é que nós podemos exigir que se olhe mais para a nossa terra, para o Farol, que ainda bem que amanhã faz cem anos, quando a linha de comboio que nos liga daqui para Faro é a mesma, quando da inauguração da Estação da CP… É ISSO…

Vimos aqui tecer alguns considerandos sobre um acontecimento, que enraíza outros, mas são todos ANTES DE NÓS e este NÓS, é muito mais profundo.

Mas às vezes a história do farol, também se entrelaça com coisas do nosso tempo, que nos trazem à memória outros atropelos, que acabaram por saquear Vila Real de Santo António.

O pior é que tudo o que levaram, incluindo paredes, acabaram por lhe roubar desenvolvimento e recuperar a astucia comercial e industrial que sempre teve. Só não levaram o Farol… porque ele cegava-lhes os olhos ou por ser demasiado comprido, apesar de quase com idênticas dimensões tivessem, primeiro derrubado e depois destruído, sem deixar pedra sobre pedra, apagando tudo da memória, a chaminé do Paródio…

As lições que nos chegam da Ucrânia, com indiscritíveis respostas, sobre tudo o que a guerra vai destruindo, é bem o exemplo, do que deveríamos seguir, apenas e só perante a história e a recuperação da memória e da identidade.

Felizmente o Farol continua lá bem no alto, com uma expressão majestosa, embora hoje já não seja tão generoso e importante, para uma nova ordem na expansão e no desenvolvimento de Vila Real de Santo António, mas continua como a nossa luz mais brilhante.

ANTES DE NÓS. Foi isso que nos trouxe aqui.

Mas em paralelo, por exemplo, com o arranque das obras, também nos liga a aproximação às aparições de Nossa Senhora de Fátima. Claro que tudo isso é discutível, mas não devemos apagar a memória, até para a aqueles, que não tendo fé, andam sempre na boca com o DEUS NOS VALHA…

ANTES DE NÓS… quando olhávamos para este gigante, esta nossa luz, que também foi o nosso brinquedo de menino e nos púnhamos a contar, o tempo de cada viragem da luz do farol. Creio que nunca chegámos a nenhuma conclusão…

Estávamos em 1923 quando tudo começou e depois o Farol a aguçar-nos de tal forma a história, que até passou a entrar nos canhamaços das anedotas.

E quando a luz se acendia e a minha saudosa mão, sentando-me no poial da porta e para eu comer a sopa, dizia: Manuelito olha a luz do Farol a farolar…

E os faroleiros que conheci e com quem cheguei a conversar, por exemplo o o Senhor Vilar (Faroleiro), que era assim que era conhecido, marido da saudosa Professora Fernanda Primitivo… e até o contaste entre as vozes de ambos… Ele falava muito fino e ela com uma voz muito grossa… E conheci também o senhor João (Faroleiro)…

Tertúlia cobre o centenário do Farol. Capitão do Porto de Vila Real de Santo António apresentando a mesa (foto Cm VRSA)

Lutar por novos desafios para a terra onde nasci
O Farol era a maior estrela orientadora da navegação, quando o estuário do Guadiana era um enxame de traineiras, que inclusive, vinham de outros mares e aqui aportavam, e que há noite quando todos dormíamos iluminava o grande portão que era a saída da barra do Guadiana, para as traineiras rumarem ao chamado mar de pesca…

E um tempo houve, antes desta carga de sarampo que são as novas tecnologias, por que às vezes ficamos com a comichão que a máquina está a dominar o homem, que era o Farol, a maior e o mais seguro braço, para dar a mão às embarcações e trazê-las de volta, para lhes dizer por onde navegavam…

Recordamos ainda, por termos escutado muitas vezes as vozes do mestres e dos contramestres das traineiras e das enviadas, que se confrontavam com a iluminação dos hotéis e de outras instalações turísticas implantadas à beira da costa, que provocavam erros à navegação, situação que veio a ser substituída pelo mundo moderno onde agora habitamos, que quase que nem necessitamos de um cão para nos guiar.

O Farol não faz apenas cem anos, faz também emergir ao mar da saudade, as centenas e centenas de homens, naquele tempo eram mais homens que mulheres, verdadeiros mestres de vigia…

Também diz a história, que cada volta que a sua luz dá, tem um alcance de 48 quilómetros, E MAIS AINDA, que é um marco na costa leste do Algarve, servindo ainda hoje como ponto de referência à navegação de embarcações em águas portuguesas e espanholas.»

TRATOU-SE DE UMA RIQUEZA incalculável, mas que hoje duvidamos, contudo existe a esperança, também como imperativo do tempo moderno, que de tal forma, exigimos aos que vêm DEPOIS DE NÓS, e já muitos andam por aqui, que não devemos entrar no histerismo que agora vem tudo a seguir, quando, a única luz que ainda nos poderá iluminar o futuro, é a luz do farol. Aliás, é a única coisa que ainda NÃO nos levaram…

Foi a casinha do consumo, foi o porto, foram as fábricas de conserva, foram as dezenas de indústrias paralelas, FOI O ABATE DE BARCOS, foi a hipocrisia de muitos investidores, com potencial capital, que chegam aqui e nos coloca pequenas pousadas, assim uma espécie de pensos rápidos, quando o doente precisa é de hotéis de luxo, que a mata seja cuidada e potenciada, que o parque de campismo siga o mesmo rumo, que estão a seguir outras parques de campismo um pouco por todo o país, pois a notabilização das roulottes, criaram-nos mais ferros, sufocam o ambiente…

O farol foi ao longo de décadas a nossa luz, a nossa vigia, o nosso maior mastro, uma espécie de gávea alta de onde tudo se avistava.

Nós sabemos que este é um tempo de centenário, mas é também um tempo que nos permite nestas circunstâncias e sinto-me honrado por estar aqui, por ter a VEZ e a VOZ, para ao lado do José Cruz, um velho faroleiro destas andanças e do Fernando Pessanha, com quem tanto aprendi, lutar por novos desafios para a terra onde nasci…

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