“Falta-nos mais poder e autonomia”

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Hugo Pereira (PS) está à frente da autarquia lacobrigense desde 2019. Desde aí, luta para que Lagos seja mais "do que sol e praia", com um executivo mais próximo da comunidade. A meio do segundo mandato, o economista falou com o JA sobre as soluções habitacionais no município e do 'braço de ferro' entre as preocupações ambientais e a procura de casas. Para si, a criação da Carta Municipal de Habitação será determinante para gerir o atual cenário. Atualmente, vê o Algarve como uma região que precisa de ser compensada pelo governo central com maior investimento

JORNAL do ALGARVE (JA) – Recentemente foi noticiada a construção de milhares de camas em zona de construção proibida em Lagos. O condomínio na Ponta da Gaivota vai avançar?
Hugo Pereira (HP)
– Tudo o que não seja legal não se faz. O condomínio da Ponta da Gaivota é um processo que vem desde 1974 e que esteve muito tempo sem qualquer evolução. Nos últimos tempos apareceu um promotor que quis retomar e avançar com o projeto. Aquela zona não está em nenhuma reserva natural nem integra nenhuma rede que proíba a construção. A diferença é que em 1974 não existiam os Planos de Ordenamento da Orla Costeira. Do conjunto de lotes dessa urbanização, apenas dois ou três poderão estar dentro da linha de marcação do POC. Quer da parte do promotor, quer da parte do município, o que estava em cima da mesa era a possibilidade de reajustar o alvará da obra e de fazer recuar os lotes dessa área, apesar da eventualidade de não vir a ser obrigatório. A verdade é que já existem há muito tempo casas construídas na primeira linha de mar. O processo tem estado a ser verificado pelas várias entidades envolvidas e só quando existir decisão final é que o projeto avançará ou não. Convém que referir que está é uma zona que não é 100 % natural, sendo que já tem uma área considerável urbanizada.

JA – As alterações ao PDM de Lagos são favoráveis ou desfavoráveis para o ambiente?
HP
– Em termos ambientais, serão alterações favoráveis, ainda que não se possa garantir uma mudança substancial na qualidade do ambiente. Está prevista a redução de algumas zonas de ampliação urbanísticas, mas existe o reverso da medalha. Neste momento, uma problemática tão importante como o ambiente é a falta de habitação e uma coisa e outra não são compatíveis. No braço de ferro, com mais esta redução, vai ganhar o ambiente em detrimento da habitação. Um dos problemas da habitação é a falta de terrenos para podermos fazer mais.

JA – No concelho, o que se está a fazer pela habitação, para além da Estratégia Local de Habitação (ELH)?
HP
– Estamos a cumprir a ELH que foi iniciada com base na ‘fotografia’ que existia da procura e da base de dados que tínhamos. Na altura, ainda foram identificados cerca de 400 agregados, o que correspondia, dentro da ELH para o 1.º Direito, a cerca de 250 fogos que eram necessários. Neste momento, temos algumas obras a terminar, outras a meio e outras para começar. Entretanto, a procura aumentou e do cenário inicial para o cenário de hoje passámos a necessitar, no âmbito do 1.º Direito, de pelo menos 600 casas. Estamos agora a reorganizar a ELH, no sentido de apresentar uma adenda para a construção dessas casas através do PRR. Depois há ainda cerca de 1000 agregados que ficam de fora do 1.º Direito. Como não existe financiamento via PRR para estas situações ou por autofinanciamento ou financiamento bancário, estamos a tentar arranjar soluções de rendas acessíveis para jovens ou pessoas que tenham rendimentos acima do que o 1.º Direito prevê. A última opção poderá ser construir casas a custos controlados para colocar no mercado para venda, porque a quantidade de casas para o número de inscritos não é proporcional. Tentaremos também trabalhar com os privados locais para os incentivar à construção de casas a baixo custo ou casas para serem inseridas no mercado com rendas acessíveis.

JA – As medidas que penalizam o alojamento local são outro tema que está a fervilhar. Sendo Lagos um concelho com um número considerável de AL, como olha para as medidas do programa Mais Habitação?
HP
– O alojamento local foi, em determinado momento, um agente determinante para a reabilitação urbana, nomeadamente para a reabilitação dos Centros Históricos. Lagos não foi disso exceção, pelo que não podemos agora fazer tábua rasa do contributo que este setor de negócio trouxe, não só para a imagem dos municípios, mas também para a dinamização da própria economia. No âmbito do programa Mais Habitação, para além da revalidação das atuais licenças em 2030, concordamos sobretudo com a transferência para os municípios da responsabilidade de, face à existência de uma Carta Municipal de Habitação, decidir quanto ao fim da suspensão proposta para novas licenças de AL. Isto, não obstante, existir necessidade de apreciarmos a proposta final do programa.

JA – Um diagnóstico divulgado em março destacou a falta de médicos, o aumento da população residente em detrimento dos recursos de saúde necessários para dar resposta. O que será feito para melhorar estes problemas?
HP
– Não podemos resolver muito porque a competência na área clínica passa obrigatoriamente pela ARS, no caso dos cuidados primários, ou pelo CHUA no caso dos cuidados hospitalares. Temos tido algumas reuniões e temos um contacto muito próximo com as duas administrações no sentido de nos disponibilizarmos com algum tipo de ajuda que possa vir a ser necessária no processo de atrair médicos para o concelho. O calcanhar de Aquiles é a habitação e o que temos feito é disponibilizar mais apoios dentro das nossas competências na área da saúde. Estamos disponíveis para colaborar em investimentos na área da saúde, seja no Centro de Saúde ou nos hospitais. Dos números que temos conhecimento, quatro ou cinco médicos seria o ideal para garantir uma situação 100% segura e com folga, apesar do número de utentes ser muito residual face ao que era. No caso do hospital, depende sempre dos projetos das especialidades que ali venham a ser alocadas na unidade de Lagos. No serviço de urgência básico, o ideal era trabalhar não com médicos com avença ou tarefeiros, mas sim com quadros. É uma medida que espero que o Governo e o Ministério da Saúde resolvam.

JA – Qual é a sua opinião sobre a integração do antigo hospital privado de Lagos no SNS?
HP
– A integração não foi a solução perfeita, mas sim a solução possível. Há muito que Lagos reclamava uma nova unidade de saúde. Aquilo pelo que lutávamos era a construção de um hospital novo. Percebemos obviamente pelas condições financeiras do País que isso não era fácil de algum dia ser possível, apesar das muitas moções. Com esta integração, aconteceu o único reverso que foi a perda de um hospital privado, com alguma dimensão, para Lagos. Apesar disso, ficámos com um hospital do SNS com outras condições. Quando estiver a funcionar em pleno, com todas as condições e especialidades, em especial a cirurgia de ambulatório que lá está prevista, pensámos que haverá um grande ganho para a população do Barlavento. No caso do Centro de Oftalmologia que está a ser instalado lá, começando a trabalhar, é toda a região que ganha.

JA – Como é que Lagos se prepara para a falta de água no futuro?
HP
– Já há muito que nos estamos a preparar. Temos apostado muito no combate às perdas, na melhoria da utilização da água e os resultados já estão a ser sentidos. No ano passado, por exemplo, foi o melhor ano de sempre em termos hoteleiros e em termos de pessoas que passaram por Lagos. Tivemos mais gente, mas com menos consumo de água e isso já é um sinal que entre o trabalho público que está a ser feito e o trabalho privado, os esforços estão a começar a resultar. Temos um plano de investimento que se tem vindo a fazer e que inclui rega inteligente, ações de sensibilização, entre outras medidas. O que ainda temos em cima da mesa é um conjunto considerável de medidas para aproveitar as verbas do PRR e aí temos dois milhões, quase três milhões de euros de investimentos para continuarmos a mitigar essa realidade. Para além do projeto regional da dessalinização, no qual a dessalinizadora poderá ficar em Lagos ou Albufeira, queremos também passar a aproveitar as ‘águas cinzentas/recicladas’ em campos de golfe e na agricultura.

JA – Porque decidiram adiar o processo de transferência de competências da área da Ação Social?
HP
– Foi a única competência que considerámos que se deveria aproveitar todo o tempo. Tratam-se de áreas muito abrangentes e era preciso transitar um quadro de pessoal. Avançámos com os protocolos com as IPSS, que já faziam algum trabalho com a tutela. O conjunto de pessoas que era necessário para executar essa competência era muito grande e era preciso arrumar a casa em termos de espaço físico para compor e protocolar com as entidades. Fomos apenas tentando aproveitar o prazo máximo que a lei dava para nos prepararmos melhor para recebermos essas competências. Convém referir que, desde o dia 3 de abril, que o município de Lagos passou a assumir competências do Estado no domínio da ação social, nomeadamente o Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS) de pessoas e famílias em situação de emergência, vulnerabilidade e exclusão social, e a celebração e o acompanhamento dos Contratos de Inserção dos Beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), que, até à data, estavam afetos ao Instituto de Segurança Social.

JA – As verbas para a transferência de competências nessa área são suficientes?
HP
– Se tivesse que responder sim ou não, diria que não, mas para esta e para quase todas as competências. São valores que são apurados com base num histórico que vale o que vale. Vamos ter que ir avaliando e continuar a “gritar” com o estado central sempre que se faça as contas e que o valor final seja insuficiente. O princípio que temos por detrás de aceitar estas competências é considerarmos que o estado local trabalha melhor e está mais próximo dos problemas e das soluções do que o estado central. Se tivermos que ir ao orçamento do município e gastar um pouco mais para servir melhor a população de Lagos e por quem aqui passa, então estaremos na disposição de assumir esse diferencial.

JA – Lagos tem cada vez mais nómadas digitais. Tem sido positivo?
HP
– Sim, obviamente. Lagos é conhecido por ser um território de todos, para todos e com uma visão cosmopolita e multigeracional. Os nómadas digitais são mais um ‘cliente’, mas acima de tudo um grupo de apaixonados por Lagos. Temos feito uma aposta grande nos espaços de ‘cowork’ e nas novas formas de encarar o trabalho. Os nómadas digitais, depois de cá estarem, já não querem sair. Esta situação é quase só vantagens, ainda que exista pontualmente uma ou outra desvantagem para eles, nomeadamente o preço da habitação no verão. Por outro lado, esta procura dos nómadas digitais pode também retirar algumas casas ao arrendamento tradicional, mas são equilíbrios que temos de encontrar porque queremos cá todos de forma sustentada.

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JA – Em que tipo de Turismo vão apostar nos próximos anos?
HP
– Diversificar o turismo tem sido a nossa aposta. Não queremos ser conhecidos só pelo “sol e praia” no mês de agosto. Queremos sim ser um destino durante todo o ano e para isso é preciso aproveitar todas as valências que temos – natureza, história, gastronomia, náutica, etc. Temos tentado ‘vender’ Lagos como um destino para o ano todo, onde as praias são rainhas, mas passando a mensagem que é bom vir cá durante todo o ano. Daí a aposta num cartaz cultural diversificado, em equipamentos culturais e museológicos, na gastronomia, no turismo de natureza, projetos de BTT, passeios na Via Algarviana e na Rota Vicentina. Abrimos também a porta a novas dinâmicas no mundo do trabalho e na promoção do trabalho à distância, numa componente de turismo habitacional e também no turismo de saúde e bem-estar. Os antigos turistas passaram a ser os novos residentes.

JA – Como está a correr o projeto do mapeamento dos naufrágios históricos e artefactos existentes na costa de Lagos?
HP
– É um trabalho moroso. Temos algum trabalho feito pela Universidade Nova de Lisboa, juntamente com o nosso serviço de Arqueologia, mas ainda está na fase inicial. Isso, também por culpa da pandemia. Será mais uma oferta turística que estamos a desenvolver.

JA – O município adquiriu, recentemente, o edifício do Armazém Regimental. Qual será o futuro deste equipamento?
HP
– Há-de ser utilizado como um espaço multiusos, para uma utilização coletiva e organizada. Neste momento o espaço está encerrado para obras porque estava a precisar de ser ajustado à sua imagem. Estamos a fazer uma intervenção direta para lhe dar uma nova vida e garantir as condições de segurança. Esperamos poder utilizá-lo já no Festival dos Descobrimentos. Estamos a avaliar se será necessária uma intervenção maior ou se esta será suficiente. A ideia será criar um conjunto de utilizações coletivas e ser utilizado pelo município. Pontualmente poderá ser também disponibilizado para a utilização por parte de associações, entidades e singulares como zona de exposição de interesse público.

JA – Que projetos e novas obras estão previstas para o futuro?
HP
– Neste momento o foco é a habitação. Queremos as obras todas na rua o mais rápido possível. Depois temos as questões ambientais: a reabilitação do cordão dunar da Meia Praia está na fase final; os passadiços da Ponta da Piedade, onde apenas falta a última fase e que vai avançar depois da Páscoa, bem como a intervenção ao longo da via; a proteção de arribas da costa; a continuação da ligação da Meia Praia à cidade e depois da cidade a Porto de Mós; a ligação de Porto de Mós à Praia da Luz; e fica a faltar a ligação da Praia da Luz até ao Burgau. Depois também temos os investimentos a nível hídrico, como a substituição de condutas, novas ligações e o aprovisionamento de depósitos de água para recuperar qualidade do abastecimento público desse recurso. Nas obras de caráter histórico-cultural temos o projeto do Núcleo de Arqueologia do Museu de Lagos Dr. José Formosinho em fase avançada, o Balneário Romano na Praia da Luz, o Núcleo Museológico de Lagos do Museu Nacional Ferroviário e o Centro Interpretativo do Mundo Rural, em Odiáxere. Através do PRR, temos ainda quatro milhões de euros para revitalização dos loteamentos industriais na zona da Marateca. Neste sentido, estamos também a trabalhar com a ARS, também por via do PRR, e esperamos aprovar duas verbas para criar um novo módulo no Centro de Saúde de Lagos e reabilitar o atual Centro de Saúde. Depois está prevista uma intervenção para reabilitar a faixa de estacionamento entre a Meia Praia e a linha do comboio, projetos de ecovias, ciclovias, a ampliação do canil, a reabilitação da Biblioteca Municipal, do Centro Cultural de Lagos e as obras de ampliação de duas escolas – EB2,3 das Naus e a Escola Básica Tecnopolis.

JA – Este ano celebra-se o 450.º aniversário da elevação de Lagos a cidade. Qual será o ponto alto das comemorações?
HP
– O Festival dos Descobrimentos, que se realiza em maio, será o ponto alto do ano no que diz respeito aos eventos. Será um momento para a cidade se unir e participar. Depois temos todos os outros eventos a que nos fomos habituando e que no ano passado já foi possível realizar, como é o caso da Arte Doce e da Passagem de Ano. Temos vindo a fazer melhorias e são sempre eventos marcantes para Lagos.

JA – Como olha para o estado do Algarve atual?
HP
– Falta-nos mais poder e autonomia. Talvez a regionalização para podermos estar mais autónomos em relação ao governo central em Lisboa. Depois da transferência de competências pode ser que o processo de regionalização venha para cima da mesa. Falta-nos também investimento por parte do estado central. Há muito que se fala do Hospital Central e não há meio de começar, por exemplo, mas espero que seja desta. Há muito que também se fala que a EN125 não está em condições e tem que ser reabilitada. Ia até mais longe… Acho que a EN125, sendo uma estrada intermunicipal, devia ser, de uma vez por todas, entendida como tal e passar a sua gestão para os municípios, após uma intervenção. Outra das questões que considero importante é a aposta na A22 – uma estrada nacional com portagens – e que deveria ser assim considerada. Deviam cair de vez as portagens e passar a ser a estrada que liga a região. Sobre as questões da ferrovia, a eletrificação está a avançar, mas deve também existir investimento no material circulante/viaturas e linha com maior velocidade para tornar a região mais atrativa e eficiente ao nível dos transportes. Caso tudo isto se concretize, e acredito que sim, o Algarve pode ser compensado por tudo o que representa para o país e para a sua imagem para o exterior.

JA – Que balanço faz de todo o seu trabalho como presidente da Câmara Municipal de Lagos até ao momento?
HP
– Um balanço de muito trabalho e continuaremos a trabalhar porque é para isso que fomos eleitos.

JA – Já pensa numa possível recandidatura?
HP
– Temos todo o tempo do mundo para o Partido Socialista debater sobre o assunto. Não é altura para pensar nisso. É altura para cumprir com a nossa palavra e missão, às quais nos propusemos, de forma a servir a comunidade da melhor forma

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