Francesa que cumpria pena de 60 anos de prisão no México, por sequestro, foi ontem libertada e, em Paris, foi recebida como uma heroína e seguida por um cortejo mediático de dimensão raramente vista em França.
À chegada a Paris, ontem à tarde, Florence Cassez foi acolhida como se fosse o mais célebre dos ex-reféns franceses por mais de uma centena de jornalistas e por dois ministros, entre eles Laurent Fabius, chefe da diplomacia francesa. Hoje, ao fim do dia, terá receção particular no palácio do Eliseu pelo Presidente, François Hollande, que tal como o seu antecessor, Nicolas Sarkozy, tudo fez para a libertar.
No entanto, apesar de ser vista em França como uma heroína, a francesa de 38 anos não participou em qualquer ato glorioso de cariz político ou humanitário. Protagonista de uma aventura pessoal no México, onde viveu com um namorado que era o alegado chefe de um perigoso gangue acusado de uma dezena de sequestros e de assassínio de pelo menos uma pessoa, chegou a ser conhecida nesse país como “a francesa diabólica”.
O Supremo Tribunal mexicano ordenou a sua libertação, anteontem, por terem sido violados os direitos fundamentais da ex-prisioneira durante o processo que levou à sua condenação, por rapto, a 60 anos de prisão.
Montagens da polícia
Florence Cassez passou sete anos numa prisão mexicana e a decisão judicial pôs fim a um conflito entre a França e o México, dos países que chegaram a estar à beira de uma crise diplomática quando, em 2011, foi cancelado à última hora, por causa dela, o Ano do México em França. Para pressionar os mexicanos, Nicolas Sarkozy queria dedicar esse evento cultural à então prisioneira que sempre clamou a sua inocência.
À chegada a um aeroporto de Paris, onde foi recebida com tapete vermelho no salão nobre, a francesa disse que a Justiça mexicana a inocentou “totalmente”. Toda a classe política francesa, do atual chefe do Estado à oposição, saudou a libertação de Florence, que agradeceu pelo seu lado o apoio da diplomacia francesa e do ex-presidente, Nicolas Sarkozy, que, disse ela, “me salvou a vida”.
O Supremo Tribunal mexicano atendeu aos vícios no processo e, designadamente, a montagens vídeo feitas pela policia mexicana quando da sua detenção, em 2005, com o seu namorado Israel Vallanta. Numa falsa reportagem vídeo, realizada pela polícia, viam-se três reféns a serem libertados e a jovem a ser detida num rancho, conjuntamente com o alegado comandante do gangue “Zodíaco”.
Na realidade, a francesa tinha sido presa na véspera, quando seguia num automóvel com o companheiro. A polícia encomendara o vídeo para sublinhar, perante os mexicanos, o seu empenho e a sua eficácia na luta contra o crime.
O Tribunal mexicano apenas decidiu sobre as questões processuais e não julgou as questões de fundo – Florence, “a diabólica”, continua a ser formalmente identificada por ex-reféns como uma das suas sequestradoras.
Gangue “Zodíaco”
O trágico fait divers ligado ao grande banditismo mexicano transformou-se ao longo dos anos num caso com uma extraordinária dimensão política.
No México, a sua libertação foi criticada por grande parte da imprensa e familiares de vítimas de sequestros. “Sequestradora, assassina!”, gritava à porta da prisão Michele Valdez, cujo marido foi raptado e assassinado, em 2005, alegadamente pelo grupo criminoso “Zodíaco”. “Este país para mim não existe, tudo é uma porcaria, é nojento”, exclamou Ezequiel Elizalde, ex-vitima de um rapto, que continua a acusar Florence de ter sido um dos seus sequestradores.
O gangue “Zodíaco” é suspeito de raptos, assassínios, torturas e mutilações para extorquir dinheiro a empresários e afortunados mexicanos. Israel Vallanta, o ex-companheiro de Florence, continua preso e a aguardar julgamento no México.
Em Paris, a francesa insistiu na sua inocência pessoal e disse que nada ainda foi provado também contra o ex-namorado. “Os mexicanos devem é prender os verdadeiros sequestradores, eu fui uma vítima”, indicou.
A libertação de Florence Cassez acontece depois de recentes mudanças no topo do poder político no México e em França, dois países que deste modo se reaproximam depois dos graves atritos que conheceram nos últimos anos, precisamente devido ao “caso Cassez”.
Maus encontros
Desde que aterrou ontem em Paris, Florence é seguida em permanência por um turbulento cortejo de dezenas de repórteres e, numa das muitas declarações que fez à imprensa, anunciou que provavelmente vai escrever um livro sobre a sua vida no México.
Sobre os “maus encontros” que terá tido desde que chegou a este país, disse apenas que na altura era jovem, mas negou peremptoriamente qualquer participação pessoal nos sequestros, disse nada saber sobre os raptos e deu a entender que as alegadas vítimas que a acusam são manipuladas pela polícia.