G20: todos regressaram a casa contentes, mas…

ouvir notícia

.

Guerra de divisas foi condenada. Multinacionais vão ver a malha apertar-se sobre a otimização fiscal. Metas de austeridade foram travadas pelos Estados Unidos. Foi um consenso em geometria variável na reunião de Moscovo

O G20 (grupo de 20 maiores economias do mundo), que se reuniu em Moscovo na sexta-feira e sábado, travou o frenesim sobre o risco de guerras cambiais. Este parece ser um ponto assente – ainda que muitos analistas continuem a duvidar da eficácia posterior, no terreno, da declaração emitida no fecho da reunião dos 20 ministros das Finanças e banqueiros centrais, acompanhados de responsáveis da União Europeia e de organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a OCDE. “A expetativa é que a retórica sobre o tema morra”, diz o analista Marc Chandler.

Aparentemente todos regressaram a casa contentes, uns por umas razões e outros por outras. Mas alguns levaram pedras no sapato. E muitos analistas duvidam da eficácia da letra do comunicado.

- Publicidade -

Potências emergentes como o Brasil, que desde 2010 prega contra a guerra de divisas, e a Índia, bem como o FMI, o Banco Central Europeu (BCE) e o Bundesbank (banco central alemão, considerado o mais ortodoxo na Europa) viram a desvalorização competitiva ser condenada explicitamente. Mas o Japão voltou a casa sem qualquer beliscadura sobre o efeito indireto das suas políticas “domésticas” na depreciação do iene. E as políticas de “alivio quantitativo” doméstico, prosseguidas no Japão, nos Estados Unidos e no Reino Unido, não sofreram abalo. “A única diferença é que, agora, os bancos centrais destes países, as prosseguirão de um modo mais silencioso. A reunião do G20 foi uma anedota”, diz Constantin Gurdgiev, professor em Dublin no Trinity College e autor do blogue “True Economics”.

Por outro lado, os defensores de metas quantitativas de consolidação orçamental, como a Alemanha, viram as suas pretensões travadas pelos Estados Unidos, resistência da administração Obama que também serve os países da zona euro que não conseguem cumprir tais objetivos no meio de recessões ou mesmo depressões.

A insistência do G20 em que os países com excedentes externos devem reorientar as suas políticas para fomentar o consumo interno (e, indiretamente, as importações) agradou às economias deficitárias, desde os EUA e vários países europeus, até às economias emergentes e em desenvolvimento sempre interessadas em encontrar oportunidades de exportação nos mercados de massa de maior poder de compra. Desagradou, naturalmente, à ortodoxia da austeridade e aos países mercantilistas por excelência. À cabeça dos visados a Alemanha.

Quem, entretanto, não ficou nada contente foi o segmento das multinacionais que viu a malha sobre a “otimização fiscal” apertar-se. Para o analista Marc Chandler esta “é uma história ainda mais importante [do que a guerra cambial] que pode levar à maior mudança em quase um século do sistema internacional de tributação de empresas”.

Desvalorizar a guerra cambial

O G20 temia uma espiral de turbulência nas divisas. O tema acabou por eclipsar todos os outros nesta reunião de Moscovo.

As tragédias anteriores na história aconselham a vigilância sobre o assunto. O uso sistemático de desvalorizações competitivas e a falta de cooperação entre as economias detentoras das principais divisas foi um dos pecados das décadas entre as duas guerras mundiais e no próprio período de Grande Depressão dos anos 1930. O ministro das Finanças britânico George Osborne recordou-o: “Os países não devem repetir o erro do passado de usar as divisas como uma ferramenta de guerra económica”.

Muitos responsáveis presentes procuraram inclusive desvalorizar o assunto. Christine Lagarde, a diretora-geral do FMI, destacou-se em suavizar o tema chamando-lhe “preocupações cambiais” e chegou a afirmar que “não há nenhum desvio assinalável em relação ao valor justo nas principais divisas”. Lagarde secundava o presidente do BCE, Mário Draghi, que defendeu que a valorização do euro nos últimos doze meses em relação a algumas divisas (como o iene, a libra, o franco suíço, ou mesmo o yuan e o dólar) está de acordo com as médias de longo prazo, o que é contestado por analistas e foi a razão da intervenção do presidente francês François Hollande no Parlamento Europeu a 5 de fevereiro.

Mas, o G20, que ganhou a ribalta na política planetária desde o início da crise financeira, é um reflexo da complexidade que é hoje a economia mundial. Há interesses e trajetórias divergentes dentro do G7 (grupo das sete economias mais desenvolvidas) como dentro das economias emergentes. As reuniões do G20 acabam por ter de encontrar compromissos, por vezes difíceis, nos seus comunicados finais. Pelo que nada é linear.

Coincidência pouco auspiciosa

O encontro em Moscovo decorreu, por coincidência, na mesma semana em que dois factos geopolíticos e geoeconómicos relevantes sucederam.

Por um lado, o presidente Obama propôs uma espécie de “Nato económica” com a União Europeia (designada por Transatlantic Trade and Investment Partnership) espetando mais um prego no caixão da Ronda de Doha promovida pela Organização Mundial do Comércio.

Por outro, os dados preliminares para 2012 sobre a recessão na zona euro (uma contração próxima de 1% do PIB) e no Japão (mais ligeira, com uma quebra de 0,4% do PIB) vieram a lume. Pelo menos nove nas 17 economias que são membros da zona euro estiveram em recessão em 2012. Alguns deles são economias com notação triplo A como a Finlândia e a Holanda. Projeções sobre o Japão apontam para o risco de um “choque deflacionário” em 2013 que leve a deflação (quebra do nível de preços) a valores nunca observados desde 2001.

Próximas reuniões

*Muitos dos temas que marcaram este encontro de Moscovo serão revistos na próxima reunião ministerial do G20 em Washington em abril, bem como na reunião do Comité Financeiro e Monetário do FMI na mesma altura.

*A OCDE deverá apresentar em julho, na próxima reunião ministerial do G20 em Moscovo, um plano de ação contra a otimização fiscal.

*Na cimeira de chefes de estado de setembro em São Petersburgo serão retomadas as estratégias de médio prazo de consolidação orçamental nos países desenvolvidos deficitários.

Jorge Nascimento Rodrigues (Rede Expresso)
- Publicidade -
spot_imgspot_img

Deixe um comentário

+Notícias

Exclusivos

Deixe um comentário

Por favor digite o seu comentário!
Por favor, digite o seu nome

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.