HÉLDER CARRASQUEIRA

A CRISE III – Empréstimos sub-prime – o rastilho

Uma das características marcantes da primeira década do séc. XXI foi a manutenção dos juros baixos. De facto, as políticas seguidas na U.E. pelo BCE e nos EUA pela FED, visavam uma política de juros baixos como forma de incentivar o consumo das famílias e estimular o investimento. Esperava-se como contraponto o crescimento da economia e a criação de empregos.
 Esta situação permitiu que as famílias recorressem ao crédito bancário (quer para o consumo quer para a compra de habitação) e aos Estados acederem ao mercado de divida pública emitindo-a a valores muito baixos (acresce que com a taxa de juro baixa, os encargos da divida também diminuíram). Por sua vez, a taxa de poupança das famílias desceu significativamente.
  Neste enquadramento, a banca assume um especial papel pois cabe-lhe a função de financiar a economia. Sendo a actividade da construção, nomeadamente para habitação incentivada pelos governos dado o sector arrastar uma parte significativa da actividade económica (veja-se o que envolve o recheio de uma casa) e em termos políticos ser facilmente defensável que todos devem poder ter a sua casa, a política de juros baixos possibilitou um boom do sector.
Esta situação foi particularmente relevante nos EUA. Os bancos podem conceder os denominados empréstimos prime ou seja a clientes cujo risco de os não virem a pagar é baixo; ou empréstimos sub-prime, envolvendo uma faixa de clientes cuja possibilidade de não os pagarem, nomeadamente se mudarem as condições económicas é alto. Este tipo de empréstimos eram alavancados pelo facto de:
– Se ter assumido que o imóvel garante o empréstimo, diminuindo assim o risco.
– Pressupôs-se que era uma boa aplicação financeira. Assim, a crescente procura levou a um progres sivo aumento do valor das habitações pelo que quando o tomador do empréstimo tinha problemas, podia sempre vender o imóvel com lucro.
– Este mercado tipo bola de neve era altamente atractivo para o negócio bancário pois o volume de negócios aumentava, assim como os lucros das rendas permanentes a pagar pelas famílias durante as décadas de vigência do empréstimo. Para os accionistas os resultados eram fantásticos, quer na valorização das acções quer nos dividendos arrecadados.
Neste contexto, a gestão da banca, remunerada por objectivos e sob pressão da concorrência para apresentar os melhores resultados possíveis aos accionistas, foi estimulada na criação de produtos financeiros que alimentassem a espiral de concessão de crédito (aumentaram-se os períodos de carência, acresciam-se prémios aos empréstimos, esforçavam-se por apresentar a “menor” taxa de juro do mercado). Porém, é suposto a banca conceder crédito a partir dos depósitos que capta; ou então, pede emprestado a quem detém excesso de liquidez. Acresce a capacidade de inovação na criação de produtos, por vezes denominados de “engenharia financeira”. De facto, para poder continuar a emprestar, a banca desenhou a denominada “titularização de créditos” ou seja, vendeu no mercado mundial parte significativa dos seus contratos de crédito hipotecário. Desta forma, obtinha desde logo mais financiamento e os compradores podiam participar num negócio que possibilitava rendimentos atractivos.
Desta forma se alimentou o crescimento do mercado, onde os preços não paravam de subir, insuflando um perfil denominado de bolha especulativa. Por outro lado, com a titula-rização dos créditos, uma parte significativa da banca mundial estava envolvida no negócio.
Estavam pois criadas as condições para a existência de um problema sistémico se mudassem significativamente as condições do mercado. Este foi pois o rastilho que iria dar origem à crise financeira internacional.

* Professor da ESGHT – Universidade do Algarve

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