Jamila Madeira: “Um dia saberei porque saí do Governo”

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Nascida há 45 anos no interior algarvio, em Alte, Jamila Madeira desde jovem se interessou por política, aquela mesma área de interesse e ação que perfumava o ambiente de sua casa, de casa do pai Luís Filipe Madeira, histórico socialista do Algarve, primeiro Governador Civil de Faro no pós-revolução. Jamila reconhece a herança, mas fez um caminho muito próprio, chegou ao Parlamento Europeu, mais tarde ao Governo. De onde saiu após menos de um ano de atividade. Tem esperança que um dia alguém lhe diga porque saiu. Estava a fazer um bom trabalho, reivindica

JORNAL do ALGARVE – Estamos quase a meio da legislatura. Qual o balanço que faz da atividade legislativa dos deputados algarvios do PS em prol do Algarve? E da própria legislatura no que respeita à região?

JAMILA MADEIRA – Em outubro de 2019 e com uma pandemia a iniciar-se em fevereiro/março de 2020, todo o registo da atividade fica questionado. Apesar dos constrangimentos – uma pandemia nunca antes vista em 100 anos – o balanço é positivo. Em fevereiro de 2020 estávamos numa situação económica pujante no Algarve, vínhamos do melhor ano turístico de sempre em 2019 e estávamos a construir um 2020 tão bom ou melhor e consolidávamos os nossos compromissos. O PS, nas legislativas, procurou focar-se em coisas muito concretas e tem a responsabilidade de as entregar apesar da pandemia e uma das coisas importantes a sinalizar é que colocámos em cima da mesa o tema de um SNS de qualidade. E ao termos a pandemia tivemos o teste do algodão. Precisávamos de um reforço de equipamentos nos hospitais, de requalificação e equipamentos e esses investimentos começaram ainda em 2019. Já em 2020 houve um conjunto de investimentos importantes, quer em equipamentos de centros de saúde, quer no robustecimento das unidades hospitalares, em modernização e reequipamento das unidades e hospitais.

J.A. – Um dossiê que conhece bem da sua experiência governativa…

J.M. – Sim. Apesar de estarmos em pandemia e a dar uma resposta em saúde, era uma resposta que tinha um foco. E o que sabemos, durante todo este teste de stress, é que o Algarve teve um comportamento muito positivo no aguentar deste embate.


J.A. – Fala de avanços na saúde, mas não é percetível para a opinião pública o avanço no dossiê Hospital Central do Algarve…


J.M. – Quando se fala de SNS na região é um erro assumir que todas respostas passam pelo novo hospital. É muito importante ter o hospital, mas nem todas respostas passam pelo hospital. Ao ter assumido eu funções governativas, com a pasta de secretária de Estado Adjunta e da Saúde, foi um tema que tratei e a que procurei dar resposta. É um tema complexo em que eu, por diferentes vezes e em deslocações à região, disse em funções o que estava a acontecer. Temos uma pareceria público-privada (PPP) que foi suspensa e que carecia de ser validada e foram promovidos internamente dentro do Ministério da Saúde e externamente com autoridades jurídicas de especialistas em PPP, com os ministérios da Saúde e das Finanças, um conjunto de avaliações que permitiram verificar da validade da PPP. É que antes da última proposta pararam as negociações. Têm que ser reabertas e o que foi feito enquanto estive na secretaria de Estado foi a avaliação de todas as etapas em saúde e remetido ao Ministério das Finanças para as etapas financeiras. Sei que o processo continua e está apto a fazer uma avaliação desse ponto de situação. Isto significa que haverá sempre um interesse maior em promover a reabertura desta PPP. Temos que entregar esta infraestrutura o mais rapidamente possível aos algarvios.

J.A. – Quando iremos ter então Hospital Central?

J.M. – Quando eu estava na Secretaria de Estado esse tema já estava no Ministério das Finanças para avaliação, sei que já regressou para ao Ministério da Saúde e não sei em que ponto exato se encontra.

J.A. – Essa sua passagem pelo Executivo foi relativamente fugaz. Qual o balanço que faz dessa passagem?

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J.M. – Foi quase um ano e foi particularmente intenso, em que se procuraram atingir múltiplos objetivos. O primeiro, e foi para esse que eu fui convidada, era alavancar investimentos críticos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), investimentos operativos, muitos milhões de pequenas coisas, que são investimentos para que a produtividade e a capacidade de resposta do SNS estivesse ao dispor dos portugueses.


Em segundo lugar, conseguir, com todo o esforço colocado no SNS em financiamento nos últimos cinco anos, assegurar que era num momento de vitalidade económica que era assegurada a vitalidade do SNS. Quando há crise é muito mais fácil cortar. Portanto era preciso garantir que conseguíamos ter a resposta do SNS necessária para a sua sustentabilidade.
Nós conseguimos lançar um plano de investimentos de 190 milhões para dois anos logo em dezembro de 2019 e lançámos as bases para um plano de investimentos plurianual que ficou a ser consolidado e entregue em novembro de 2020 para dar respostas e fazer acontecer no terreno. O plano plurianual iniciou-se este ano e terá um conjunto de vertentes de edificado e de equipamento para esse robustecimento.

À data da minha saída, pela primeira na história do SNS o saldo do SNS era em setembro positivo. Sem falhar investimento nem rigorosamente nada na pandemia, até reforçando recursos humanos e tendo o objetivo de reduzir dívida: passou-se de 844 milhões em 2017 para 151 milhões em 2020 e passou-se de 140 dias de prazo médio de pagamento para 95 dias. Em 2021 ela já era negativa!


J.A. – E a pandemia? Quando começou no Governo foi apanhada de surpresa…

J.M. – Todos temos presentes todas as dificuldades que sentiram todos os países do mundo. Fornecimento de ventiladores, equipamentos de proteção individual, equipamentos, abastecimentos… e foi preciso montar uma operação de logística e de fornecimento extraordinário a preços muito extraordinários, com fornecedores muito atípicos e que foi necessário salvaguardar que nada faltasse para dar resposta à pandemia. O balanço foi muito positivo, fomos dos poucos países em que não faltou nada para enfrentar a doença.


J.A. – Na altura da sua saída do Governo foi indisfarçável algum mau estar da sua parte. Foi apanhada de surpresa? Considera que foi “despedida”? Saiu em conflito com a ministra?


J.M. –
Se houvesse um conflito eu conhecê-lo-ia e portanto seria uma justificação. Até hoje desconheço em absoluto as razões da minha saída, os resultados são mais do que conhecidos e são positivos e portanto não acredito que tenha sido por razões de incapacidade.


J.A. – Então terá sido porquê?


J.M. – Um dia eventualmente saberemos. Eu própria terei oportunidade de saber se me for dito.

J.A.- Mas havia algum conflito no Ministério entre a Jamila e alguém? Ou foi um balde de água fria que lhe caiu em cima?


J.M. – Quando estamos nestes cargos sabemos que são transitórios. Mas que eu tenha conhecimento e acho que faria sentido que tivesse conhecimento, não havia nenhum conflito, nenhum problema que levasse à decisão. Foi uma situação peculiar.


J.A. – Foi um saneamento político?


J.M. – Não consigo dizer.


J.A. – A queda do preço das portagens, que entra esta quinta-feira em vigor, foi um feito do Governo PS em cumprimento do seu programa ou o resultado de uma “coligação negativa” numa votação em sede de Orçamento de Estado (OE), na qual o PS votou contra?


J.M. – Desde 2015, o PS tem promovido uma política que seria – primeiro – no sentido da sustentabilidade das contas públicas, segundo de recuperação do poder de compra dos cidadãos. As portagens estavam em 2015 e 2019 na nossa agenda. E o que foi dito e cumprido em pequenos passos foi no sentido da sustentabilidade desta medida, no sentido da redução progressiva das portagens da Via do Infante. Foi isso que foi feito e já neste OE tinha sido feito, na proposta inicial, um reforço dessa redução progressiva das portagens com um esquema de descontos que estavam incluídos na proposta do Governo.


J.A. – Mas uma coisa são descontos para utilizadores frequentes, outra é uma redução universal…

J.M. – Volto a dizer: o PS pauta-se por apresentar propostas que sejam sustentáveis. Porque não interessa a ninguém apresentar uma proposta que não seja sustentável para depois retirar SNS, ou escolas públicas, ou abono de família. É muito fácil fazer propaganda quando se diz que se vota contra todo o OE, “mas já agora pomos aqui mais uns milhões”. E o PS não retirou nada, faz uma ginástica gigante de negociação e de continuação de cumprimento daquilo em que acredita, mas que se pauta por defender uma lógica de sustentabilidade das contas públicas.


J.A. – Se tivesse liberdade de voto teria votado a favor da proposta do PSD desta redução das portagens para metade?


J.M. – Nós sempre defendemos esta linha e foi isso que fizemos, quer em sede de programa eleitoral quer de programa de Governo. Mas as únicas matérias onde não há liberdade de voto são as orçamentais e o programa do Governo. Aquilo que nós queremos é que essa redução vá cada vez mais rápido. Faria todo o sentido acompanhar esta votação. Não significa que não estejamos ao lado do Governo e não compreendamos que isto tem que ser feito a par e passo. E negociar com os concessionários apenas para depois sorver recursos públicos para os indemnizar não interessa a ninguém. É preciso cumprir o objetivo de baixar as portagens, mas não deixando que nenhuma outra coisa falte aos portugueses. Quem fez esta coligação negativa não teve esta preocupação, mas ainda assim nós acompanharíamos.


J.A. – Nas próximas autárquicas o PS tem condições para se manter como partido maioritário no Algarve? Perspetiva o alargamento eleitoral do partido?


J.M. – Temos 10 presidências de município em 16, mas já tivemos mais e continuamos a acreditar. Por duas razões: porque a realidade económica da região melhorou muito significativamente e apesar até fevereiro de 2020 estávamos num momento económico único. Depois, com a pandemia, apesar da crise e de sermos uma região muito fustigada, ela tem sido apoiada, nos layoffs, nas moratórias, nos apoios às rendas, no apoio a toda a atividade económica, para garantir que a capacidade produtiva fica latente, para que num momento de maior normalidade ela esteja apta a retomar no ponto em que se interrompeu. O Banco de Portugal diz que no primeiro semestre de 2022 estaremos a conseguir dar essa resposta. Por outro lado, tem havido uma preocupação muito direcionada ao nível de instrumentos de apoio excecionais que têm sido criados para o Algarve. Seja no PRR, muito direcionados para a resiliência da região, ao nível da água, com um plano específico para a região.


J.A. – O PRR vai ser positivo para a região?


J.M. – Temos múltiplos instrumentos de robustecimento financeiro da região. Depois temos, através do quadro financeiro plurianual, um reforço que quase duplica os montantes habituais de verbas que a região tem tido ao seu dispor nos últimos quadros. E para além disso com uma preocupação que a pandemia sinalizou: é que o facto de nós estarmos muito dependentes de uma monocultura do turismo e ter sido esta a mais afetada pela pandemia, o facto de ter criado 300 milhões de euros suplementares para a diversificação da base económica da região, onde teremos o desafio de cumprir essa diversificação.

J.A. – E quanto às autárquicas?


J.M. – Quando chegamos às autárquicas chegamos àqueles que implementam muitas destas medidas, que têm uma versão de terreno muito próxima destas coisas e são aqueles que deram respostas durante a pandemia. Olhando para isso, o que os eleitores vão dizer é que tem sido o PS que tem dado a resposta e tem sido capaz de fazer o Algarve crescer, independentemente das vicissitudes e da crise económica. E isso será reconhecido no próximo ato eleitoral autárquicos.


J.A. – É filha de um eminente político português, Luís Filipe Madeira. A sua opção política e opção pela política é também, nesse sentido, uma herança?

J.M. – Se os filhos de médicos são médico e os filhos de alfaiate são alfaiates, todos temos um bocadinho da semente que o berço nos dá. O meu pai ter estado muito envolvido, antes até de eu nascer, no 25 de abril e na construção de uma democracia e isso fez-me essa curiosidade. Agora se isso é uma herança não foi estimulada, à parte a responsabilidade cívica. Essa foi-o.


J.A. – Ninguém a forçou a ser política…


J.M. – Bem pelo contrário. O meu pai preferia que eu tivesse uma vida mais calma. Continua a ser um cidadão muito observador e crítico…


J.A. – Agora muito afastado. Nem dá entrevistas, nem faz comentários. Como interpreta isso? Ele está zangado? Com o País ou com o partido?


J.M. – Julgo que não é isso, mas ele tem uma frase que diz que “mais difícil do que entrar na vida política é saber sair”. E ele decidiu sair e considera que não faz sentido estar sempre como sombra ou grilo falante. Tem a sua visão, mas não considera que seja uma mais-valia criar entropias.

J.A. – No que diz respeito à sua vida pessoal, foi fácil a adaptação à vida de Lisboa? Nunca deixou de andar para cima e para baixo desde que se formou…


J.M. – Eu licenciei-me do ISEG e andei sempre dentro e fora. Tanto agora como deputada como quando estava no Parlamento europeu senti-me sempre um bocadinho emigrante. Os emigrantes na terra são de fora e no sítio em que estão fora são da terra. Portanto não pertencem a lado nenhum. São um bocadinho apátridas. Todos os que já andaram nesta transumância permanente entre a região e Lisboa percebem a dificuldade, sobretudo porque nós não vamos à região fazer fim-de-semana, vamos inteirar-nos da realidade política e temos uma agenda preenchida durante o fim-de-semana e ele continua preenchido leva a que a vida pessoal também seja difícil. Mas temos essa responsabilidade.

J.A. – Os deputados eleitos pelo Algarve têm alguma cumplicidade “regional”, independente dos partidos a que pertencem? Conversam uns com os outros? Convivem nos passos perdidos e no bar da Assembleia?


J.M. – É uma relação democrática saudável e tem mudado de legislatura para legislatura. Houve legislatura mais blindadas, outras deslaçadas, mas é um diálogo democrático.

J.A. – Tem amigos entre os deputados do PSD?


J.M. – Em particular, não tenho nenhum a quem possa chamar amigo, mas há quem tenha. De outras regiões, tenho. Não é a cor política que faz os amigos.

João Prudêncio

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