JOSÉ CARLOS BARROS

[4.] Uma casa

Faz parte dos nossos sonhos mais antigos, sonhos que vêm da infância: um refúgio, a ideia de um lugar que nos proteja dos perigos, um território com as paredes baixas de um lado e muito altas do outro, um jardim no deserto, um pátio ou uma varanda, um largo, uma açoteia, um quarteirão, o espaço murado dos pomares das macieiras do cedo. A casa é a metáfora talvez mais frequente desse desejo de deslocamento, dessa procura de territórios defensivos onde a sombra da flor das sete pétalas cresce a meio da noite e nos ilumina.

Há um tempo vazio. Um tempo que nenhum vento de palavras pode fazer estremecer por dentro. Há um tempo que é devedor das luzes sobre as colinas e sobre as encostas dos matos do tojo e da urze. Há um tempo oco de ser apenas o silêncio o que reverbera nas indecisões dos seus nomes. É o nosso tempo: feito das imperfeições que nos movem contra os obstáculos e as correntes.

Procuramos sempre uma casa, o território defensivo, a luz que possa proteger-nos quando a tempestade cresce e é apenas o granizo ou a neve de ser o Inverno. Procuramos sempre o que nem sabemos dizer de haver uma gramática anterior aos gestos e aos usos.

É esse lugar que às vezes, tantas vezes, procuramos: concreto, delimitado, exterior ao que somos, ausente, vazio de tudo, inteiro na repercussão das ausências. Um lugar que recupera o sonho antigo de nos desligarmos de tudo o que pesa em vez da nuvem volátil, de tudo o que prende e demora em vez da vagarosa árvore do conhecimento. Um lugar de desprendimento.

É essa a Casa dos Segredos. Na TVI, noite após noite, há uma casa (a única) onde não se fala da crise, onde o mundo é uma afastada abstracção, onde uma pedra é apenas a pedra das suas duas sílabas. Aí podemos viver contra a memória e o esquecimento, contra a verdade e os números, contra a ideia de estarmos juntos e podermos estender as mãos ao futuro. Aí, nessa casa tão longe do mundo, podemos ser o que nem somos e dividir o que mais intimamente nunca nos pertenceu. Aí, nessa casa, podemos reconstruir o edifício vagaroso do silêncio, a varanda onde nos deitamos nas tardes de Verão para não sermos nada.

É esse o nosso tempo: um lugar perdido no deserto onde expomos as imagens concretas das areias varridas pelo vento.

Nota: O autor não escreveu o artigo ao abrigo do novo Acordo Ortográfico.

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