Luaty Beirão: “A minha mente é uma fortaleza”

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São um grito, uma procura por lucidez. E uma apologia ao perdão. Luaty Beirão, o nome mais conhecido do caso dos ativistas angolanos, enquanto esteve detido a aguardar julgamento escreveu um diário. O jornal “Público” divulga esta terça-feira alguns desses textos (não datados), mas que terão sido escritos pelo ativista entre 6 de julho e 15 de novembro de 2015.

Nesses textos, o rapper luso-angolano lembra os quase “ininterruptos” 41 anos de guerra que Angola passou, “que deixaram profundas cicatrizes na psique do povo angolano, tão injustamente martirizado, um povo que, como todos os outros alheados dos centros de decisões, deseja apenas viver em paz e harmonia.” E fala de numa corrupção que “de tão endémica, se tornou institucional e oficializada em discursos que sugerem despudoradamente que nenhum angolano sobrevive do seu salário.”

“Dispondo de exemplos de honra, dignidade e decoro, entregamo-nos a um bacanal de arbitrariedades e (graves) violações de direitos humanos elementares perpetrados por aqueles que deveriam ser os arautos da dignidade, o que engendra um degradante fenómeno de contágio do tipo para a base da estrutura piramidal ao ponto de se tornar “normal”, pois raros são os que se inibem de usar os seus pequenos poderes (deles abusando) para conseguir incrementar então os salários dos quais auferem”, escreveu.

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É por isso que Luaty Beirão faz uma apologia ao perdão: ao perdão político, ao perdão civil. O rapper traça uma possibilidade de como expurgar a população angolana do “vírus” da corrupção, num texto com cunho filosófico declarado. “Parece-nos sensato que, ao invés das vinganças e perseguições, se promova e se cultive doravante a ideia do perdão e da amnistia como forma de pacificar os corações e se poder começar da estaca zero. Necessário será convencer o povo acerca desta via, discutindo ampla e publicamente acerca das modalidades deste perdão”, escreveu.

Mas este perdão não é metafísico, nem incondicional, sugere. “Os cidadãos que beneficiaram do enriquecimento ilícito cunhado de “acumulação” primitiva de capital que tenham sido amnistiados deverão ter restrições/limitações quanto a propriedade e sociedade e empreendimentos privados durante um certo número de anos, pois apresentar-se-ão em posição de desequilíbrio da vantagem em relação a todos os outros, correndo o país o risco de erigir oligarquias que controlando toda a economia (detendo um excessivo poderio económico doméstico) exerceriam indubitavelmente uma influência inaceitável sobre o poder político constituído por fortes lobbies que condicionariam sobremaneira a execução do mais bem-intencionado dos governos”, escreveu.

O ativista angolano pensa ainda que a imprensa deve ser “desamarrada” e que a política possa tornar-se o centro de “francas” e “apaixonadas” discussões onde os “argumentos mais convincentes prevaleçam”.

Tal como numa das cenas mais pungentes do filme V de Vingança, Luaty Beirão admite que a escrita destes papéis, enquanto está preso, pode sair-lhe cara, “pois sei que a qualquer altura se baixa uma ordem para virem virar tudo de cangalhas e levam-me todos os papéis e a minha escritura e os outros lêem como se tivessem sido eles a escrever, inescrupulosamente. (…) Não sei se voltarei a escrever em forma de diário, certamente não neste caderno, mas, mesmo que o outro me seja devolvido, é ultrajante, uma sensação de violação perante a barbaridade do acto consumado. Também acreditar em direitos dos presos na situação em que me encontro foi de manifesta ingenuidade, tornando-me então co-responsável pelo sucedido.”

Por estas palavras lhe poderem vir a sair caras, tal como sentença do dia 28 de março veio confirmar, Luaty Beirão termina o mesmo texto com uma mensagem que parece ser dirigida a ele próprio: “A minha mente é uma fortaleza.”

Fábio Monteiro (Rede Expresso)

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