Manuel José conversou com o Jornal do Algarve e ignorou o habitual futebol das trincheiras
O Algarve é o nosso maior palco turístico, merece que olhemos para ele com olhos de ver
“O Algarve é o nosso principal polo de atracção turística, com praias e qualidade de grande projecção internacional, e merece que as entidades responsáveis, olhem para a Região com olhos de ver.
Sinto uma paixão enorme pelo Algarve e por Vila Real de Santo António, a terra onde nasci, cuja praia de Monte Gordo, com as suas águas quentes e limpas, e um areal a perder de vista, são dos melhores lugares do mundo.
Claro que falta muita coisa, em áreas tão sensíveis como a saúde e as acessibilidades, sobretudo o grande vulcão que é a EN 125, e qualquer dia a Via do Infante está ultrapassada, e o comboio, entre Faro e VRSA é tão lento, como há cinquenta anos.
Mas se continuamos a ser a região mais procurada por nacionais e estrangeiros, é que além das qualidades e potencialidades que possuímos, também temos um povo genuíno, que recebe como ninguém”.
Foi desta forma, que Manuel José começou a conversar com o Jornal do Algarve, onde raro o futebol, o tal futebol que às vezes se esconde nas trincheiras, veio à superfície deste tu cá, tu lá.
Conversar com o Manuel José, foi o trabalho mais complicado que me propus fazer, ainda por cima, talvez para não me dar muita confiança, e perante as quinze perguntas que lhe fiz, ter sido tão poupadinho, que as respostas cabiam na palma de uma mão, mas como cedo me habituei a conhecê-lo, e a sentir, escutando, que ele mesmo falando pouco, nunca deixa nada por dizer e que não havia entrelinhas, ou seja, o que era dito, não ficaria adiado.
E as dificuldades, eram maiores, porque o Manuel José, nunca se escondeu nas entrelinhas, porque foi esculpido pela frontalidade, tendo a verdade como condução e condição das suas avaliações e críticas e pelas suas exigências de liderança.
Por isso, mesmo que por vezes possa ser interpretado como uma pessoa que fala zangado, Manuel José não vacila, na defesa da consciência e dos valores que sempre defendeu, e que em momento algum o impediram de ser um conquistador e um bem-amado, por aqueles que sempre viram nele um homem sábio, inteligente, que comeu o pão que o diabo amassou, mas nunca se escondeu. Antes.
Ele sempre foi o rochedo onde os outros arranjavam sombra.
No Egipto eu virei lenda e o povo é muito afetivo
E esta é uma conversa complicada, porque Manuel José, não aceitou conversar comigo, para lembrar os 7/1 ao Benfica, muito menos os “coices de Pinto da Costa”, as mentiras de Gilberto Madail, nas cruzadas que travou para andar sempre de cabeça erguida, da coragem com que sempre enfrentou tudo e todos, e muitas vezes, apesar do mar cavado que teve que enfrentar, sempre conseguiu alisar os adamastores que lhe apareciam à frente, muitas vezes em barcos com velas de papel, que deslizavam rumo a porto seguro.
De Vila Real de Santo António a Espinho, de Espinho ao mundo, viveu momentos que dariam um notabilíssimo trabalho literário, sem ser necessário nos agarrarmos à ficção, porque Manuel José sempre fez parte do clube das coisas concretas e reais, que são o seu mais fiel retrato.
Quantos títulos conquistou? Em que clubes jogou? Que clubes treinou? Tudo isso já foi dito e redito em várias línguas, ainda que os maiores momentos da sua vida como treinador e cidadão do mundo, tenham acontecido no Egipto, como alma gémea de todos os outros lugares.
Somos amigos de Manuel José desde a infância, quase da mesma rua, e numa terra pequena como era então Vila Real de Santo António, até dos quintais se ouviam as conversas. E quem não tivesse quintal gritava da janela…
Eu nasci na Rua 31 de Janeiro, mas sempre conhecida como a Rua da Espanha. Manuel José, nasceu três ruas mais à frente, na Rua João de Deus, e até a vida dos nossos pais se cruzaram e foram amigos. Operários conserveiros. Gente que fazia da liberdade a cultura dos contratempos. Seu pai, homem de olhar de frente aos que pretendiam esmagar o povo, foi presidente do Sindicato dos Conserveiros de Vila Real de Santo António e rasgou a alma nos calaboiços da PIDE.
Em certa altura, depois de regressar de Cabo Verde, onde estive como enviado especial do jornal Gazeta dos Desportos, a redação agendou-me uma entrevista com Manuel José, então treinador do Portimonense, E aproveitámos o momento para pormos a conversa em dia, e deste diálogo o Manuel José, convidou-me para trabalhar como Secretário Técnico do Portimonense.
Creio que tive nele um bom mestre, e o reforço da amizade que já existia, cresceu, foi sempre a subir. Mas atenção, uma coisa é ser amigo de Manuel José, outra coisa é trabalhar com ele, trabalhar sob o seu comando, onde não conhece ninguém, nem a família, apenas o cheiro e o rosto do seu trabalho.
Sinceramente, o começo não foi fácil, mas li nele o que precisava de mim, e creio ter contribuído, para o maior sucesso de toda a história do Portimonense.
O seu carisma e carácter, a sua paixão pelos amigos, o que o leva sempre, a quem pisar o risco vermelho, a ser muitas vezes definitivamente atravessado. Mas mesmo àquele que perdoa, porque é incapaz de trair alguém, perdoa, mas não esquece. Mas é um humanista. Como todos os vila-realenses tem a resposta pronta, irónica e cheia de humor.
(…)
Neto Gomes
(leia a notícia completa no Jornal do Algarve de 3 de junho de 2021)
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