Mundial e Olímpicos expulsam 170 mil brasileiros de casa

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Pelo menos 170 mil pessoas estão a ser desalojadas no Brasil para permitir a construção de estádios, estradas e hotéis para o Mundial-2014 e Jogos Olímpicos-2016. ONU acusa autoridades brasileiras de violarem os Direitos Humanos.

O Brasil, país organizador do Mundial-2014 de futebol e dos Jogos Olímpicos-2016, está a apostar forte para brilhar na história dos dois maiores eventos desportivos à escala mundial: ampliação e modernização da rede de transportes públicos, melhoria nas infraestruturas urbanas, novas estradas, novos estádios e renovação de instalações desportivas já existentes.

Mas nem tudo o que reluz é ouro. O lado sombrio é que estas obras, em curso desde 2011 em 12 cidades brasileiras, estão a expulsar milhares de pessoas das suas casas e estabelecimentos comerciais, deitados abaixo de maneira arbitrária.

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Os desalojamentos e deslocamentos para permitir o levantamento de estádios, hotéis, condomínios de luxo, estacionamentos e estradas sucedem-se no Rio de Janeiro, São Paulo, Fortaleza, Recife, Natal, Salvador, Manaus, Cuiabá, Curitiba, Belo Horizonte, Brasília e Porto Alegre, em nome da “revitalização” destas áreas que terão visibilidade durante os eventos.

A par dos protestos da população afetada, maioritariamente pobre, empurrada para casas na periferia, longe das suas redes de inserção económica, social e cultural e, via de regra, em locais carentes de serviços públicos, noutros casos compensada com indemnizações irrisórias (pelo valor construído do imóvel) ou simplesmente expulsa.

Desalojamentos forçados

O Governo não avança com números, mas o dossiê preparado pela Articulação Nacional dos Comités Populares do Mundial-2014 fala em dezenas de milhares de pessoas (170.000 segundo estimativas) cujo direito de moradia está a ser violado ou ameaçado.

Já no ano passado, a relatora especial da ONU para a Moradia Adequada, Raquel Rolnik, acusou as autoridades das cidades brasileiras que vão receber o Mundial em 2014 – em especial o Rio de Janeiro, palco também dos Jogos Olímpicos -, de realizar desalojamentos forçados que poderiam constituir violações dos Direitos Humanos. Opinião partilhada pela Amnistia Internacional.

Outra voz que se levantou em defesa dos desalojados foi a do deputado Romário de Souza Faria. O antigo ídolo da seleção brasileira de futebol, durante uma sessão no Parlamento em agosto de 2011, abordou a questão das desapropriações para a realização das obras, afirmando que “há denúncias e queixas sobre a falta de transparência (nos processos de desalojamentos), falta de diálogo e de negociação com as comunidades afetadas, em diversas capitais. Há denúncias também de truculência por parte dos agentes públicos. Isto é inadmissível!”

“Ora”, afirmou Romário, “nós sabemos que o mercado imobiliário está aquecido em todo o Brasil, em especial nas áreas que acolherão essas competições. Assim, o pagamento de indemnizações insuficientes pode resultar em pessoas desabrigadas ou na formação de novas favelas. Com certeza, não é esse o legado que queremos. Não queremos que esses eventos signifiquem precarização das condições de vida da nossa população, mas sim o contrário. Também não podemos admitir, sob qualquer pretexto, que os nossos cidadãos sejam surpreendidos por retroescavadoras que aparecem de repente para desalojá-los, destruir as suas casas, como acontece na Palestina ocupada”.

Favelas banidas ou camufladas

O caso mais emblemático é o da favela do Metrô, no Rio de Janeiro, nas imediações do estádio do Maracanã, que será palco das cerimónias de abertura dos dois eventos desportivos. Com cerca de 40 anos de existência, a área ocupada pela comunidade faz parte do projeto Complexo Maracanã para o Mundial-2014 e vai dar lugar a um parque de estacionamento, conforme as exigências da FIFA. A Câmara do Rio de Janeiro deu um “prazo máximo de 0 dia(s)”, em documento oficial, para a desocupação da comunidade.

No seu mais recente relatório, a Amnistia Internacional dedicou um parágrafo aos desalojamentos na comunidade do Metrô, afirmando que “os residentes receberam várias ameaças de despejo. Em junho, sem que os moradores fossem informados e sem que houvesse qualquer consulta ou negociação, funcionários da Câmara marcaram com spray as casas que seriam demolidas. Eles avisaram que os moradores ou seriam transferidos para conjuntos habitacionais no bairro do Cosmos, a cerca de 60 km de distância, na periferia do Rio de Janeiro, ou seriam levados para abrigos temporários sem receberem nenhuma compensação”.

Na maioria dos casos, os desalojamentos são justificados pela necessidade de construção de estradas e acesso aos estádios. Mas algumas remoções são entendidas, sobretudo, como uma questão imobiliária, como foi o caso das comunidades da Restinga, Vila Harmonia e Vila Recreio II, localizadas na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, “última reserva ambiental e imobiliária do município e alvo da cobiça privada”, que tiveram “praticamente todas as suas 500 casas removidas através das formas mais variadas de pressão e com problemas no que tange as indenizações irrisórias, parciais (pois não se computaram imóveis de uso comercial ou misto), ou atrasadas, quando houve” , diz o dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”.

Na cidade de Curitiba, capital do Esrtado do Paraná, e região metropolitana, onde diversas obras implicarão na remoção de vários imóveis, os órgãos responsáveis admitem que os orçamentos dos projetos não preveem recursos para a reparação de perdas impostas aos moradores, seja mediante reassentamento ou indemnização”, refere o Dossiê.

Num artigo de opinião publicado na imprensa brasileira, “A Copa do Mundo (2014) não será nossa!”, frei Beto, escritor e religioso dominicano que foi assessor do Presidente Lula da Silva e coordenador de Mobilização Social no programa Fome Zero, afirmou: “Abram alas à FIFA! Cerca de 170 mil pessoas serão removidas das suas moradias para que se construam os estádios. E quem garante que serão devidamente indemnizadas?”.

No ano passado, a favela da Maré, localizada entre o Aeroporto Internacional Tom Jobim e a Zona Sul do Rio de Janeiro – foi cercada com um muro acústico. De acordo com o Observatório de Favelas, o ActionAid e o Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Favelas e Espaços Populares, 73% dos moradores acreditam que o muro foi construído apenas para esconder a favela, fazendo parte do processo de maquilhagem do espaço urbano em virtude da realização do Mundial de futebol e dos Jogos Olímpicos.

Maria Luiza Rolim (Rede Expresso)
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