Oftalmologia: após casos de cegueira, pouco ou nada mudou

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Oftalmologistas estão reunidos em Congresso em Vilamoura para debater futuro da profissão. Casos clínicos de cegueira não foram esquecidos, mas na realidade muito pouco terá mudado desde os problemas em Santa Maria, Lisboa e em Lagoa, no Algarve.

Mais de ano e meio volvido sobre os casos que afetaram a imagem da oftalmologia em Portugal, pouco ou nada mudou, pelo menos no essencial. É essa a convicção de Florindo Esperancinha, presidente do Colégio de Oftalmologia da Ordem dos Médicos e um dos organizadores do 53º Congresso Nacional de Oftalmologia, que decorre em Vilamoura.

“As instituições em Portugal têm de funcionar e muitas vezes não funcionam. Eu sou presidente do Colégio e no caso de Lagoa eu próprio tinha feito um relatório, três anos antes, denunciando a situação e em que aconselhava à tomada de decisões. Infelizmente, nada foi feito”, revela ao Expresso.

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O caso de Lagoa terá sido talvez até o mais grave, quando comparado com o do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, por uma razão: enquanto em Lisboa, o caso parece ter assentado num erro técnico, numa troca de um medicamento – embora os profissionais contestem agora em tribunal, alegando a falta de existência de um manual de procedimentos no local – em Lagoa, tratava-se da prática repetida de actos médicos sem as devidas condições e tudo isto, pasme-se, dentro da lei.

“O mais incrível é que tudo estava legal, o médico era estrangeiro mas estava aprovado pela Ordem dos Médicos e a clínica estava dentro dos parâmetros legais, mas isto prova que algo está mal”, acrescenta o oftalmologista.

Responsabilidade dilui-se em diferentes entidades

Em casos como o de Lagoa, sem falar de clínicas que se encontram abertas sem as licenças devidas, são múltiplas as entidades que têm autoridade – e responsabilidade – na garantia da qualidade de prestação de serviços e na fiscalização. Começando pelas Administrações Regionais de Saúde, a que se deve acrescentar a Entidade Reguladora da Saúde, a Administração Central do Sistema de Saúde e ainda a Inspecção Geral das Actividades de Saúde.

E essa é uma das bases do problema: “Eu não sei quem é que em Portugal controla a qualidade do acto médico, porque esse é um tema que se aplica por um lado à qualidade organizacional, mas nós falamos em qualidade técnica”, precisa o médico oftalmologista.

No caso das unidades privadas de serviços de saúde, é o decreto-lei 279 de 2009 que serve de base a todos estes organismos para o licenciamento, modificação e funcionamento das estruturas de saúde, mas a falta de regulamentação em muitas das especialidades deixou um vazio legal, até hoje sem resposta.

Portugal e EUA com pontos em comum

Convidado de honra do Congresso, Richard Abbott, presidente da Sociedade Americana de Oftalmologistas, admite que entre Portugal e os Estados Unidos da América acaba por ver mais semelhanças do que diferenças, quando se fala da medicina dos olhos: “Portugal e os EUA têm muitas semelhanças, porque nós temos grandes cidades com bom atendimento e cidades pequenas com fraca assistência devido a falta de recursos e à débil condição financeira e também temos problemas nas nossas zonas rurais”, reconhece.

Abbott diz que os desafios que hoje se colocam à classe são globais, sobretudo devido a doenças do foro oftalmológico que podem ser reversíveis ou evitáveis, tal como as cataratas, infecções oculares devido a más condições sanitárias ou a degenerescência macular, própria dos mais idosos.

“Nós hoje temos capacidade instalada para tratar essas doenças, as cataratas e a degenerescência da mácula”, retorque Florindo Esperancinha, mas há que decidir politicamente o que se pretende fazer porque os recursos financeiros não são ilimitados e são doenças que têm repercussões económicas muito pesadas sobre o Serviço Nacional de Saúde”, explica.

Por outro lado, há ainda muito a fazer ao nível do aproveitamento dos recursos humanos, em especial nas unidades de saúde afastadas dos grandes centros urbanos, acrescenta António Travassos, presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia: “Não há falta de médicos de Oftalmologia, o que tem que haver é uma decisão política para distribuir esses médicos”, garante.

“Estou convicto que se for feito um levantamento nos hospitais periféricos, há equipamentos que poderiam estar operacionais e que estão parados. Ninguém pensa que custaram muito dinheiro aos contribuintes e que estão lá parados por falta de médicos, porque o Ministério da Saúde não cria condições”, conclui.

Mário Lino / Rede Expresso

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