OPINIÃO: Sarilho não-fictício (porque delirante) entre um camarão e um caranguejo

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Opinião de Fátima Murta

Quem morar à beira-rio sabe que é fácil compreender o porquê da água corrente não passar duas vezes pelo mesmo lugar.

Mas há quem viva escondido entre o lamaçal, à espera que as correntes passem. É o caso do caranguejo.

Quanto ao senhor camarão, antes de cair nas redes, já se delicia com o provável arroz de marisco onde irá acabar os dias. É que o senhor camarão desliza dentro de água com as anteninhas no ar, sem se preocupar com muitos dos parceiros subaquáticos.

O que é um facto é que à esquina do mediterrâneo, houve um encontro inesperado entre um caranguejo e um camarão. E desse dar de frente um no outro, resultou uma faísca que logo se tornou um grandessíssimo sarilho.

Esmiuçando a questão: o caranguejo andava em marcha atrás, cansado que estava, acabara de participar numa manifestação contra o desemprego maciço na Europa, a do norte e a do sul, isto porque ninguém se livra da ameaça da miséria decretada a partir do fundo dos mares.

O camarão, como anda sempre de antenas no ar e confiante com os steps que faz todos os dias, estava bastante concentrado em não perder o rumo da navegação. E, como acontece com muitos “distraídos”, só olhava para o umbigo, ou seja, aquele pontinho por onde devemos tirar-lhe a tripa quando os comemos, bem tigres e grelhadinhos.

Ao darem uma grandessíssima cabeçada um no outro, à esquina dos encontros semestrais para análise das situações dos consumidores de marisco de grandes e pequenas cilindradas, logo o camarão partiu a ponta de uma antena, e o caranguejo viu ser-lhe arrancada a boca.

É que este caranguejo era um grego fugitivo e com esperanças de melhorar de vida em plena Ria Formosa, no Algarve. Mas, enganara-se redondamente ao ter-se recusado a dar a boca para ser comida sobre pão com manteiga e regado com cerveja fresca.

E toca de ficar sem saber o que dizer! O caranguejo começou por atirar com as músicas do Miklos Theodorakis e toca de tocá-las com os nossos ferrinhos do corridinho.

Coisa completamente desconhecida dos camarões, que apenas visitam as costas mediterrânicas e atlânticas a apanhar bronze na amurada de grandes iates ou, então, espreguiçados na relva dos campos de golfe e dos grandes hotéis de praias privadas.

O bom do camarão, que nunca percebeu bem o que significa ver-se grego em alguma coisa, o que é que havia de fazer? Fez um estalido com uma patinha (para chamar um cavalo marinho que por ali passava), montou no pequeno pónei dos mares, e começou a esgrimir uma alga e a espadeirar com os corais que, sem se saber como, começaram a inundar aquela esquina:

– Na actual conjuntura geopolítica e espacial, parece-me que o senhor caranguejo deveria adoptar a filosofia do pragmatismo. – Sentenciou o simpático camarão.

– Oh! Oh! Oh! Venho eu do museu arqueológico da Guerra dos Persas, corro o risco de ser um novo Xerxes, e ainda não consegui fazer o exame de condução por causa do meu problema com a marcha atrás… Ainda se o Platão não tivesse inventado a história da alegoria da caverna? – Resmungou o caranguejo.

Não vale a pena continuar a proceder ao relatório deste sarilho. Tarefa que me coube como cronista de um reino por inventar. Contudo, recorrendo aos meus conhecimentos acerca do Tratados de Lisboa, peguei nos dois (o camarão e o caranguejo), meti-os dentro do baldinho de praia dos meus filhotes; e, enquanto eles faziam castelos na areia, resolvi ler-lhes em voz alta a Política de Aristóteles.

Como eles tivessem ficado com um escaldão por causa do meu entusiasmo politiqueiro, decidi desculpabilizar-me fazendo uma encomenda de correio aéreo, e enviei o marisco estragado para um campo de refugiados. Coitadinhos deles, nem notam o fora de validade!

Plenamente satisfeita e consciente da minha lucidez patriótica e europeia, procurei em seguida uma boa esplanada, e descansei-me a confrontar o meu exame de consciência com as linhas gerais vaticinadas no meu horóscopo de caranguejo.

Não resisti a gastar todos os trocos que tinha encomendando um pires de camarão e uma deliciosa pasta de crustáceos. Uma suculenta iguaria! Que o diga o vinho verde, fresquinho, com que ganhei inspiração para escrever este relatório apropriado a um fiscal do departamento de pescas.

Bem, e antes que me atribuam qualquer indirecta a David Cameron: o camarão aqui é só para despistar, afinal no referendo a que a Inglaterra é convocada, o actual primeiro-ministro bem que defende que o Reino Unido permaneça na Comunidade Económica Europeia.

A verdade é que eu sou um bocadito atrevida, tenho o péssimo defeito de gostar de meter o nariz onde não sou chamada.

“E, esta!” – Remataria o Fernando Peça.

Fátima Murta

 

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