Património penhorado leva a troca de acusações

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É possível que seja um caso único no país e até na Europa. Devido ao incumprimento do pagamento de cinco empréstimos, o edifício da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António (VRSA), o Complexo Desportivo, o edifício da Pousada e o Parque de Campismo de Monte Gordo foram penhorados pela banca, o que tem causado uma troca de acusações entre o atual executivo socialista e o PSD, que liderou a autarquia durante 16 anos. Álvaro Araújo aponta o dedo a Luís Gomes, que diz que o atual executivo "é incompetente"

A polémica tem sido tema principal de conversa de café e motivo de preocupação para os vilarrealenses. A empresa municipal Sociedade de Gestão Urbana (SGU), já extinta, foi objeto de execução de penhora devido a empréstimos que foram contraídos entre 2007 e 2009, no valor de mais de 32 milhões de euros, que à data tinha como garantias os edifícios já referidos.

Segundo um comunicado do atual executivo socialista liderado por Álvaro Araújo, estes cinco empréstimos “contaram, ao longo da sua vigência, com um conjunto de incumprimentos suprimidos com sucessivos aditamentos que agravaram as condições inicialmente contratualizadas”.

A execução da penhora chegou à Câmara no dia 3 de março deste ano e, desde aí, o executivo tem estado “a tentar protelar o prazo, juntamente com advogados, para impedir que haja essa execução”, segundo disse ao JA o presidente da autarquia.

Álvaro Araújo aponta o dedo a Luís Gomes, que foi presidente da Câmara entre 2005 e 2017 e que é atualmente deputado e vice-presidente do grupo parlamentar do PSD no Parlamento.

“O Luís Gomes diz que tinha a dívida toda saldada. De um dos empréstimos feitos em 2008, dos 13,5 milhões de euros para recuperar o Complexo Desportivo e para acabar o pavilhão multiusos (ainda por terminar), por 10 anos, neste momento devemos mais de 11 milhões do total. Basta isto para provar que ele mente. Ele mentiu com todos os dentes que tem na boca. Ele não pagou absolutamente nada”, explica ao JA.

O socialista acrescenta ainda que “o facto é que ninguém quer a Casa da Câmara. O que os bancos e os credores querem é o Parque de Campismo porque existe um Plano de Pormenor para construir dois resorts de cinco estrelas” naquele local.

“Já chega de mentiras. Se a culpa é de Luís Gomes, ele tem é de assumir. Quando se foi embora em 2017 deixou-nos uma dívida de um valor interessante de 150 milhões de euros”, revela.

Luis Gomes
Luís Gomes

Luís Gomes diz que atual executivo é incompetente
O antigo presidente da Câmara disse ao JA que o atual executivo “é incompetente e não assumiu as responsabilidades”.

“As responsabilidades do município assumem-se independentemente das pessoas que estão ao serviço. No meu caso assumi as minhas, como assumi também do presidente da Câmara que esteve antes de mim. É normal fazer-se isto. Este presidente da Câmara não assumiu os empréstimos que estavam conferidos e portanto lamentavelmente temos esta situação por obra e graça e culpa deste autarca”, refere.
Em relação ao pagamento dos empréstimos, Luís Gomes salienta que “os empréstimos estavam todos pagos à data”, até ao fim do seu mandato, “com certeza”.

PS acusa PSD de irresponsabilidade
Segundo comunicado do Partido Socialista (PS) de VRSA, esta dívida da SGU contém relatos que “indiciam a prática de atos que podem vir a ser considerados de gestão danosa por parte dos eleitos pelo PSD que ao longo desses anos tiveram responsabilidades”, como é o caso de um empréstimo de 2,7 milhões de euros para a aquisição de 40 casas em Monte Gordo, “que nunca foram compradas, o dinheiro foi gasto e não devolvido ao banco”, como o JA já tinha noticiado.

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O PS acusa também Luís Gomes de mentir de forma “despudorada” em declarações à SIC e de ser o “principal responsável pelo estado a que se chegou”.

Luís Gomes, que voltou a ser candidato à presidência da Câmara nas eleições autárquicas de 2021, disse à SIC na semana passada que o empréstimo de 2,7 milhões era dirigido à habitação social, “mas na altura, a cooperativa faliu e não foi possível pagar a compra dessas casas e investimos nas outras áreas sociais ligadas também à habitação”.

O PS diz que Luís Gomes mentiu nesta afirmação, uma vez que “o empréstimo foi de janeiro de 2008 e a cooperativa entrou em insolvência em setembro de 2012”, questionando ainda quais são e onde estão os outros projetos de habitação social onde foi investido o dinheiro.

Os socialistas acusam ainda Luís Gomes de “mentir descaradamente” por afirmar que “em 2017 o município não tinha dívidas em atraso. Só um lapso de memória cirúrgico, pode justificar tal afirmação”.

O partido justifica esta afirmação referindo que “no âmbito do Plano de Apoio Municipal (PAM) assinado em 2016 o município tinha recebido cerca de 19 milhões de euros do terceiro plano de resgate desde 2010”, que “a dívida vencida e não paga da SGU até ao final de 2017 era de, pelo menos, 4,6 milhões de euros”, que “teve de ser incluída a dívida vencida e não paga de 10.8 milhões de euros da Câmara”, além do “incumprimento do empréstimo de 23 milhões de euros contraído em 2013 no âmbito do segundo resgate que não é pago desde maio de 2016”.

O PSD de Vila Real de Santo António, liderado por Joel Cruz, diz em comunicado lamentar “que os responsáveis do município percam mais tempo a contar estórias de ‘penhoras de empréstimos’ e ‘execuções de penhoras’, seja lá isso o que for, do que a tentar resolver os reais problemas do município que foram eleitos para gerir”.

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Álvaro Araújo

“Vamos conseguir resolver”
Em declarações ao JA, Álvaro Araújo garante que vai “conseguir resolver” este problema.

“Agora estamos junto do Tribunal de Contas e tivemos uma reunião com o seu presidente, onde sensibilizámos-lo e explicámos que esta dívida e esta vergonha que se passa não é da nossa responsabilidade, mas sim do PSD e de Luís Gomes”, refere.

O executivo socialista acrescenta que solicitou ao Tribunal de Contas e aos juízes que estão a analisar os cinco empréstimos e que estão a tentar colocar o visto, “ao contrário” do que Luís Gomes disse, que os processos já “tinham visto”.

“Nós, que não temos nada a ver com isto, ao fim destes anos todos é que os submetemos a visto, que esperamos que tenham brevemente, para o bem do município, porque não fomos nós nem foram os munícipes que foram responsáveis por esta vergonha”, salienta.

Álvaro Araújo conta com que “o PAM tenha o visto e que os 36 milhões de euros venham para pagar a dívida aos bancos e para que nós possamos viver em segurança”.

“Nós pagámos no final do ano passado um empréstimo de 2,4 milhões, que era da Câmara, com as nossas receitas próprias. Mas este não conseguimos pagar, mesmo que quiséssemos, porque estes cinco empréstimos estão incluídos no PAM e estão no Tribunal de Contas a aguardar visto”, explica.

Ao JA, o presidente da autarquia revelou ainda que “os encargos que vamos ter durante os próximos 35 anos, devido à irresponsabilidade de Luís Gomes de toda a dívida, serão de 9 milhões anuais”.

Por enquanto, as receitas do Parque de Campismo, que no ano passado gerou dois milhões de euros, e da concessão da Pousada do Pestana, localizada na Praça Marquês de Pombal, vão continuar a chegar aos cofres da Câmara, uma vez que “ainda não conseguiram concretizar a execução”, porque o executivo está a recorrer da decisão.

No entanto, Álvaro Araújo revela ainda que “brevemente vamos entregar no DIAP de Évora um dossier” com “indícios graves”.

Câmara de VRSA, Parque de Campismo e Complexo Desportivo em risco de penhora
Foto D. R. – Câmara Municipal de Vila Real de Santo António

Autarca acusado de “contratar familiares e amigos”
Ao mesmo tempo de toda esta polémica, Luís Gomes disse à SIC que “uma autarquia que está a passar dificuldades financeiras, porque houve obra, não aumenta a folha salarial em quase um milhão de euros em avenças por ano e nem sequer dá-se ao luxo de contratar familiares diretos, até por uma questão de transparência”, assunto que foi investigado e publicado pela revista Sábado.

O PSD local diz que o PS ganhou as eleições “mas deve ter achado que ganhou o Euromilhões, tal a rapidez e avidez com que começou a fazer contratações milionárias”.

“Dizem-se a mudar e a recuperar Vila Real de Santo António, mas na verdade, como se percebe pela imprensa, a única coisa a mudar para melhor é a vida dos amigos e dos familiares dos vencedores das últimas autárquicas”, acrescenta.

O partido acusa ainda o executivo de ser um exemplo de “nepotismo e clietelismo” e de efetuar “ilegalidades contratuais”.

Ao JA, Álvaro Araújo revela que em 2022 o executivo gastou 796 mil euros em avenças e prestações de serviços e que muitas delas “vêm de há 16 anos atrás”.

Sobre os gastos em avenças e prestações de serviço, o atual presidente da autarquia recorda que “Luís Gomes gastou 2,3 milhões em 2917 e 2,3 milhões em 2016. O pior ano da sua gestão foi 2014, com 2,7 milhões”.

Relativamente aos gastos do ano passado, o socialista refere que pertencem a “pessoas que estão numa situação precária há muitos anos” e que essa situação será regularizada em breve.

“Ele fala de contratar amigos e familiares, mas todos foram contratados no estrito cumprimento da lei. Nada na lei impede que eu possa contratar um familiar como o meu cunhado para adjunto, por exemplo. É uma nomeação que é responsabilidade do presidente”, explica ao JA.

Álvaro Araújo considera que “quem contratou famílias inteiras foi o Luís Gomes”, que “devia remeter-se ao silêncio”.

“Eu não tenho problema nenhum de explicar e de assumir as pessoas todas que tenho a trabalhar connosco”, confessa.

O atual presidente do município revelou ainda ao JA que durante o mandato de Luís Gomes foram feitos contratos de prestação de serviços de consultoria de marketing digital do concelho e para dar formação ao gabinete de comunicação, em janeiro de 2017, por três meses, com um valor de 41 mil euros, e outro a 26 de maio com a mesma empresa no valor de 37500 euros.

Comparando com a empresa que atualmente trabalha com a autarquia nesta área, Álvaro Araújo diz que apenas são gastos cinco mil euros por mês mais IVA.
“Se ele quer falar em todos os nomes, eu não vou falar dos nomes da parte dele e das pessoas que ele ajudou e contratou. Não entro no mesmo jogo de meter pessoas inocentes na praça pública e não quero fazer o mesmo que ele fez comigo, com a minha família e com as pessoas sérias que estão nesta equipa a trabalhar e a repor a dignidade no nosso concelho”, confessa ao JA.

Ex-presidente acusado de pagar consultas e operações
Segundo disse ao JA o atual presidente do município, durante o mandato de Luís Gomes foram pagas pela Câmara “faturas das consultas e das operações a pessoas que não são carenciadas” num hospital privado.
“Pagámos no final do ano passado mais de meio milhão de euros, de dívidas feitas por ele”, refere.

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