Políticas de habitação estiveram “demasiado tempo paradas”

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As políticas públicas de habitação estiveram “praticamente paradas” durante décadas, disse o geógrafo Álvaro Domingues, para quem é necessária uma intervenção do Estado neste setor e o envolvimento dos cidadãos numa questão que considera política.

“Não é um problema técnico, é um problema que ao modo liberal se resolve com a oferta e a procura, isto é política. O cidadão tem de se ocupar destas discussões, tem de participar, os partidos têm de falar menos para dentro e mais para fora. Tem de se fazer também um trabalho de esclarecimento, não só de luta por princípios ideológicos que depois ninguém entende ou não se revê naquilo”, afirmou o investigador.

Doutorado em Geografia Humana, Álvaro Domingues recordou que passou “muito tempo” desde o PER, o Programa Especial de Realojamento desenvolvido nos anos 90 para criar habitação pública em larga escala e acabar com a condição precária em que viviam muitas famílias.

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Novas dinâmicas surgiram, sem que tivessem sido procuradas respostas para a chamada classe média, “a braços com os preços inconcebíveis do mercado imobiliário, salários baixos e uma grande instabilidade económica”, apontou.

“A verdade é que o Estado esteve demasiado tempo sem olhar para a questão e agora a questão fez-se aquilo que por vezes acontece no cosmos, uma espécie de alinhamento planetário, a inflação, os baixo salários, haver muita gente sem contrato, Portugal ser também um país de imigração (…). Juntou-se uma série de fatores que vão ao encontro da precarização das condições de vida e nessa precarização entrou uma franja social que nunca tinha entrado, que tinha o seu emprego, o seu salário. Portanto a coisa tem de ser vista de outra maneira”, declarou.

Para Álvaro Domingues, professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, além da “espiral inflacionária” e da pressão do turismo, há uma reorientação da própria construção civil privada para franjas de alto rendimento: “Um investidor privado cujo objetivo é fazer dinheiro não vai investir no imobiliário convencional, a preços mais baixos, se tem oportunidade de fazer imobiliário topo de gama ou quase isso, onde os lucros são muito maiores, supondo que as outras componentes do custo da construção são idênticas”.

“Nota-se que há um ressurgimento da edificação, mas claramente está nos locais de maior valorização e orienta-se para classes de rendimento muito altas”, sublinhou, considerando que “existe um enorme desfasamento” entre as necessidades dos cidadãos e o mercado, bem como uma diversidade de situações pelo país que requer respostas de proximidade. Ou como diz, é preciso “aproximar a geografia da solução da geografia do problema”.

“Quando se fala disto, habitualmente fala-se em Lisboa – diria em mais de metade das situações -, porque é o lugar onde estes extremos atingem valores mais inconcebíveis, e fala-se do Porto, que em menos de 20 anos saiu de uma situação de estagnação, pelo menos na parte mais antiga, para um perfeito delírio imobiliário”, observou.

Na opinião do geógrafo, Portugal padece de centralismo desde a fundação. “Há este vício. Acho que vem desde D. Afonso Henriques esta centralização absurda, cada vez mais absurda de fazer um retrato de umas coisas grosseiras, sempre ao nível nacional, ou então chama-se o nível nacional à situação que é conhecida em Lisboa, porque é aí que estão os órgãos de decisão. E depois, com tudo o que isso implica de burocracia, aplicado também de modo centralista, com soluções iguais, desde Castro Laboreiro até Olhão. Não dá, mas pronto, andamos nisto!”, lamentou.

Álvaro Domingues defendeu uma definição do que deve ser a intervenção do Estado central e dos municípios ou de entidades de âmbito intermunicipal. “Quando foi feito o decreto que criou as áreas metropolitanas – nunca foi regulamentado – uma das competências que passava para o governo metropolitano, era a habitação”, recordou.

Na análise do académico, o que se passa com o setor imobiliário nada tem a ver com a economia nacional, mas com investimentos feitos para gerarem dinheiro a curto/médio prazo por parte de investidores que compram para voltarem a vender.

“Portugal partiu de preços, a nível nacional, muito baixos e de expectativas de valorização do investimento muito altas. Seja para alojamento local, seja para o que for, o imobiliário sempre foi um negócio e transformou num negócio mesmo aquilo que se chama financeirização”, sustentou.

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