No jogo do mata-mata, no grupo da morte, Portugal sobreviveu com Cristiano Ronaldo a dar duas facadas definitivas. Nas laranjas holandesas e na crise de golos e confiança. CR7 está vivo.
Não sei bem como escrever isto sem ferir as susceptibilidades locais mas aqui vai: Kharkiv está a meio-caminho. Do quê? Não sei bem. Dois exemplos. Primeiro, o conceito de faixa de rodagem e de sinais de trânsito é-lhes absurdo e a condução é feita a olho, pelo sítio onde há menos buracos – normalmente, no meio da estrada.
Segundo, e este é gritante, eles são ucranianos, lutaram até à morte contra os soviéticos mas puxam pelos russos. Ontem, era vê-los a gritar por golo de cada vez que a Rússia se chegava à baliza da Grécia (que ganhou, por 1-0). Dir-me-ão que é natural, por uma questão de vizinhança, tal como há portugueses que torcem por espanhóis. Só que de Aljubarrota a 2012 já lá vão uns séculos e da URSS até à independência passaram-se 21 anos. Digo-vos que não, que o que os liga não é a proximidade; é antes, a identidade. Aqui, é-se russo. E de Lviv, onde Portugal jogou os dois primeiros encontros, a Kharkiv,onde passou hoje aos quartos-de-final, há um mundo de diferença; mais coisa, menos coisa, também houve um mundo diferença entre as exibições da seleção-de-Lviv e da seleção-de-Kharkiv. Azar para a Holanda, que ficou a meio-caminho do Europeu quando chegou a ele cheio de promessas. E talento.
E hoje, esse talento esteve todo em campo. Olhava para a direita e via Robben; olhava para a esquerda (e pisca, pisca; no meio, via Van Der Vaart; e um bocado à frente dele, Van Persie; e um bocadinho mais à frente, Huntelaar. Como diz o adepto de bancada: a carne estave toda no assador.
Durante os primeiros minutos, a Holanda virou o espeto a seu belo prazer e Portugal, que tinha a faca e o garfo na mão (a combinação de resultados era-lhe favorável), assistiu. E sofreu um golo de Van der Vaart. Pepe puxou as orelhas a Cristiano Ronaldo, por não ajudar Coentrão, e temeu-se o pior. Porque a Alemanha, que se adiantara no marcador, sofrera o empate.
Mas depois, o CR7 enviou uma bola ao poste e abriu o menu de reclamações: era claro como água que queria laranja para sobremesa. A seguir, o golo (a passe de João Pereira), uma sucessão de sprints, fintas, remates e toques de habilidade que sempre estiveram lá, no seu cardápio, mas que andavam escondidas, nas letras pequenas. A Holanda acusou a facada e tremeu até ao final da primeira-parte. Para a qual Portugal partiu estando com um pé direito nos quartos-de-final. Apesar dos passes errados de Bruno Alves e da mira pouco calibrada de Postiga.
Os golos e os gomos
Depois do intervalo era natural que a Holanda esticasse um pouco mais a corda. Problema? Por que lado é que iria ela partir? É que com tanta gente na frente, pôr mais um avançado seria uma de duas coisas: um ato de coragem ou suicídio. Van Marwijk tirou então o defesa-esquerdo e pôs Afellay, um extremo. E fê-lo minutos depois de Coentrão obrigar Stekelenburger a mostrar serviço. O que fez Bento? Bom, tirou do banco Custódio, o futebolista que ele tinha a certeza de poder fazer algo de diferente nesta seleção: defender. Apenas defender. E Portugal continuou a atacar, pelo seu C(risto) R(edentor)7. O segundo golo de Cristiano, natural, foi a facada cirúrgica que separou os gomos da laranja, deixando-a dividida, espartilhada e moribunda no grupo da morte. E Cristiano Ronaldo mostrou que está vivo.
Na quinta-feira, Portugal joga com a República Checa para o acesso à meia-final do Euro 2012. O jogo é às 19h45 e tem transmissão na RTP 1.
FICHA DE JOGO. Metalist Stadium, Kharkiv (Ucrânia). Árbitro: Nicola Rizzoli (Itália). Portugal: Rui Patrício; João Pereira, Pepe, Bruno Alves, Fábio Coentrão; Miguel Veloso, João Moutinho, Raul Meireles (Custódio, 71′); Nani (Rolando, 87′), Cristiano Ronaldo e Hélder Postiga (Nélson Oliveira, 64′). Treinador: Paulo Bento. Holanda: Stekelenburg; Van der Wiel, Vlaar, Mathijsen, Willems (Affelay, 67′); De Jong, Van der Vaart; Robben, Sneijder, Van Persie e Huntelaar. Treinador: Bert van Marwijk. Golos: 0-1, Van der Vaart(11′); 1-1, Cristiano Ronaldo(28′); 2-1, Cristiano Ronaldo (74′). Cartões amarelos: Willems (52′), Van Persie (70′) e João Pereira (90+2′)
