Preocupações ambientais assombram futura Central Fotovoltaica de Estoi

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A história já não é nova e leva-nos até 2021. A Iberdrola está por detrás do projeto da Central Fotovoltaica de Estoi, que apesar de ter a denominação de uma freguesia do concelho de Faro, ficará localizada em Santa Catarina da Fonte Bispo, concelho de Tavira. Segundo a multinacional, o projeto ficará operacional em 2024. A PROBAAL denuncia, desde 2021, "a destruição de quase 200 hectares de território classificado como Reserva Agrícola e Reserva Ecológica Nacional em nome da 'energia verde'". Em risco está um dos aquíferos mais importantes da região e dezenas de espécies. O JA voltou a analisar o projeto, ouviu ambientalistas e tentou obter declarações do poder local

Na sua página oficial da Internet, a PROBAAL – Pró Barrocal Algarvio, associação de proteção ambiental sediada no Sotavento, diz estar a trabalhar “para neutralizar a ameaça de um projeto de uma central solar de 83 megawatts em terrenos ecológicos no Cerro de Leiria”, freguesia de Santa Catarina da Fonte de Bispo, concelho de Tavira. Segundo a associação, o projeto diz respeito “ao Lote 5 do Leilão Solar 2020 numa ligação à rede do município de Tavira ganha pela empresa de energias renováveis Iberdrola S.A. que a denominou por ligação Central Fotovoltaica de Estoi”.

Recorde-se que em fevereiro de 2021, os residentes de Cerro do Leiria, descobriram planos para a construção de uma central solar de 180 hectares, a mando da Iberdrola – entidade promotora do projeto. Em reportagem realizada pelo JA, em janeiro de 2022, moradores e ambientalistas queixavam-se de uma obra que implicava a destruição do coberto vegetal daquela zona, composta por centenas de espécies autóctones de flora e fauna.

Passados alguns meses e dada a dimensão do projeto, o Grupo Quadrante – Engenharia e Consultoria S.A. foi a empresa escolhida para a realização do Estudo de Impacte Ambiental (EIA), que ocorreu entre abril de 2021 e dezembro de 2022 (com revisão após pedido de elementos adicionais em março de 2023).

O projeto da Central Solar Fotovoltaica de Estoi encontra-se em período de consulta pública até ao dia 30 de junho.

Localização do projeto

Central com armazenamento em bateria
Segundo o EIA – Resumo Não Técnico, o projeto em análise corresponde à implantação de uma central fotovoltaica com uma potência de 69 MVA e 14 MVA de armazenamento em baterias, totalizando 84 MVA. A central será formada por painéis solares, inversores e postos de transformação. Estima-se que a área de implantação ocupará cerca de 154 hectares (ha) e contará com 175.798 painéis fotovoltaicos. A energia gerada será coletada numa subestação própria (elevadora) de 150/30 kV, da qual partirá uma linha aérea, a 150 kV, que permitirá a injeção da produção de energia na Subestação de Estoi.

O projeto da linha elétrica de 150 kV terá uma extensão estimada de cerca de 6,5 quilómetros, distribuída por 21 apoios. A ligação da Central Solar Fotovoltaica de Estoi à Rede Nacional de Transporte de Eletricidade (RNT) será feita através de uma linha aérea de terno simples, com um cabo condutor por fase, dispostos em apoios de esteira horizontal. A linha fará a ligação desde a Subestação da Central Solar Fotovoltaica de Estoi, a construir no concelho de Tavira, e a Subestação de Estoi, da REN, S.A., existente no concelho de Faro.

Localização em Tavira
A área de implantação localiza-se na freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, no concelho de Tavira. O projeto da Linha Elétrica e corredor de estudo abrange a União das freguesias de Conceição e Estoi (concelho de Faro), a União das Freguesias de Moncarapacho e Fuseta (concelho de Olhão), a freguesia de São Brás de Alportel (concelho de São Brás de Alportel) e a freguesia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, concelho de Tavira.

“A PROBAAL considera“veementemente que uma central solar neste local seria inadequada devido ao impacto que teria sobre a ecologia, a terra, as pessoas e a água. Também acreditamos que a informação fornecida pela Iberdrola S.A. em relação a todo o processo é imprecisa e enganosa”, pode ler-se no website da associação.

Enquadramento em áreas sensíveis
O EAI garante que “a área de estudo não se sobrepõe com nenhuma das áreas do Sistema Nacional de Áreas Classificadas (SNAC), estruturado pelo Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 242/2015, de 15 de outubro”, acrescentando que a mesma área “não interseta qualquer corredor ecológico, situando-se o mais próximo a cerca de 1,4 km a norte (corredor Serra do Caldeirão)”.

Apesar disto, o documento refere a existência de áreas incluídas no SNAC ou outras áreas sensíveis na envolvente da Central, nomeadamente a Zona Especial de Conservação (ZEC) Cerro da Cabeça; Important Bird Area (IBA) Serra do Caldeirão; Zonas Especiais de Conservação (ZEC) Caldeirão e ZEC Barrocal; Zona de Proteção Especial (ZPE) Ria Formosa e IBA Ria Formosa; e Sítio RAMSAR Ria Formosa; ZEC Ria Formosa/Castro Marim. É referido ainda que a linha elétrica se sobrepõe com o Biótopo Corine Serra de Monte Figo.

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A Quadrante atesta a compatibilidade do projeto com os PDM’s de Faro, Olhão, São Brás de Alportel e Tavira.

Aquífero Peral-Moncarapacho em risco
Em 2022, Sofia Palmeiro, uma das vozes da PROBAAL, e os demais opositores ao projeto dividiam em dois os principais impedimentos ambientais o projeto da Iberdrola: a destruição do coberto vegetal e de todas as espécies da fauna e flora ali existentes e, a jusante dessa destruição, e por causa dela, o problema da água.

“O que acontece é que as águas vêm destes cerros mais elevados escorrem por entre estas pedras até ao vale onde querem instalar os painéis. É nessa zona que mais se infiltra para alimentar o aquífero que passa aqui por baixo, um dos mais importantes da região. Ao ser removida a vegetação a percentagem de precipitação vai diminuir drasticamente uma vez que não temos matéria verde. Se não há árvores, não há chuva e a chuva que cair não tem como infiltrar-se. Vai acabar por escorrer a sul para se juntar ao mar, com a possibilidade de criar fortes inundações para as populações de Olhão, Quelfes e Moncarapacho. É água doce, cada vez mais valiosa nesta zona, que vamos perder”, enunciava a militante ecologista, suportada pelos testemunhos de João Pinto, biólogo da Universidade do Algarve, e por Cláudia Sil, da Plataforma Água Sustentável (PAS).

Infografia explicativa do comportamento da chuva antes e depois da Central

Espécies arbóreas vão desaparecer
Atualmente, a área de estudo da Central Fotovoltaica de Estoi (CFE) é composta por matos (cerca de 45%), pomares (cerca de 34%), agricultura com espaços naturais e seminaturais (cerca de 10%), olivais (cerca de 3%) e culturas temporárias de sequeiro e regadio (cerca de 2%). Em relação ao corredor da linha elétrica identifica-se como ocupação predominante as áreas de olivais (cerca de 39%), matos (cerca de 33%), agricultura com espaços naturais e seminaturais (cerca de 8%), pomares e rede viária com espaços associados (cerca de 7%) e culturas temporárias de sequeiro e regadio (cerca de 3%).

O corredor de estudo da Linha Elétrica da Central Fotovoltaica de Estoi abrange diversas linhas de água, desde afluentes torrenciais (cabeceiras de linhas de água) a linhas de água de maior expressão (também consideradas ao nível da Reserva Ecológica Nacional), as quais, de acordo com o traçado da linha elétrica, “são salvaguardadas”.

Azinheiras, oliveiras, alfarrobeiras, lavandula luisieri, lavandulas stoechas, chamareops humilis (palmeiras, de vassoura), orquídeas selvagens de várias espécies, cistos, compõem um “ramalhete” de centenas de espécies vegetais em risco com o projeto da Iberdrola e que compõem o vegetação da zona. “Isto não é só mato e já agora o que é que se entende por mato?”, afirmava e questionava a vice-presidente da PROBAAL.

Outros impactos ambientais
No que diz respeito ao clima e alterações climáticas, o documento sublinha que a existência da Central Solar Fotovoltaica de Estoi “contribui de forma positiva para o combate às Alterações Climáticas, para o cumprimento de metas nacionais e europeias estabelecidas no âmbito do Acordo de Paris, assim como para a redução da emissão de gases com efeito de estufa e outros poluentes atmosféricos”.

Por outro lado, relativamente à biodiversidade, o estudo reconhece que “os principais impactes cumulativos a ter em conta são o efeito de exclusão e a mortalidade de aves. Considera-se que existem impactes cumulativos também sobre a flora e vegetação decorrentes da presença de outras linhas elétricas e respetiva faixa de proteção das mesmas”. O elenco avifaunístico para a área de estudo, segundo a bibliografia, contempla 127 espécies de aves.

Em termos ecológicos, a PROBAAL argumenta: “Esta terra é única, cheia de uma vasta gama de espécies animais e vegetais, incluindo várias espécies vegetais que estão incluídas na Lista Vermelha das espécies ameaçadas em Portugal e as protegidas por lei como o Quercus ilex (azinheira) (…) A limpeza desta terra, das suas plantas e formações rochosas naturais seria prejudicial para a ecologia desta área. Uma vez limpo e achatado, este antigo campo rochoso nunca poderia ser refeito, mesmo que os painéis fossem removidos dentro de três décadas”.

150 espécies de animais em perigo
Aduzem os opositores que a destruição do coberto vegetal bloqueia as cadeias alimentares que terminam nos predadores, num conjunto de mais de 150 espécies animais. O equilíbrio ecológico e todo o ecossistema é afetado. O maior desses predadores será a águia bonelli, uma ave carnívora endémica da zona, que plana sobre os terrenos do vale em busca de alimento. Há também por ali furões, javalis, doninhas, coelhos. Uma centena de espécies. Mais de 60 mamíferos, 59 aves, mais de 30 répteis, garantem os mentores da PROBAAL, baseados num estudo feito no local.

Se olharmos sobre o impacto na saúde humana, “a existência de fontes emissoras de ruído e de poluentes atmosféricos na envolvente próxima da Central Solar Fotovoltaica de Estoi (pedreiras, vias de tráfego e indústria), na fase de construção, adquire uma expressão significativa”.

Considerando o contexto visual da paisagem e a análise dos impactes gerados pelo projeto “verifica-se que os impactes cumulativos se assumem de moderada magnitude e significativos, uma vez que na área de influência visual já existem intrusões visuais relevantes”.

Medidas de minimização
As medidas de minimização propostas no Estudo de Impacte Ambiental têm como objetivo “otimizar o desempenho ambiental do projeto e incluem um conjunto de recomendações e boas práticas ambientais que deverão ser tidas em consideração pelo dono da obra/empreiteiro, com vista a mitigar ou potenciar os impactes identificados”. Neste sentido, é proposto o desenvolvimento de um Plano de Monitorização de Flora, Plano de Monitorização de Avifauna (devido à proximidade geográfica com a Ria Formosa), Plano de Monitorização de Quirópteros (atendendo à presença de espécies de morcegos ameaçadas) e de um Plano de Monitorização de Recursos Hídricos Subterrâneos (tendo em conta a proximidade do projeto à captação para abastecimento público JCS1/Barrocais e à vulnerabilidade da massa de água de Peral-Moncarapacho).

A Central de Estoi estará pronta em 2024

Ambientalistas pedem alargamento do processo de consulta pública
Em declarações ao JA, Sofia Palmeiro diz que “nunca duvidou que chegaria o momento do confronto com a realidade deste projeto solar”. No entanto, não sente que “o facto de estar em fase de consulta pública torne a sua implementação mais provável, muito pelo contrário. Consideramos que o estudo apresentado apoia a nossa certeza na defesa da preservação desta área natural e do maior aquífero do Algarve, o do Peral-Moncarapacho”, vinca.

Desde que a Iberdrola ganhou o leilão para uma central solar no concelho de Tavira, em agosto de 2020, “o procedimento tem vindo a progredir longe do olhar do público e a PROBAAL congratula-se por este projeto ter finalmente saído da escuridão burocrática, para a luz da Consulta Pública”, confessa a responsável.

“Agora temos finalmente a oportunidade de estudar os detalhes do projeto e obter informações sobre a localização sugerida para os mais de 175.000 painéis fotovoltaicos. De igual modo, o público pode ver como será potencialmente afetado e decidir o que pensa sobre isso”, algo que tranquilizada a ambientalista
“Curiosamente, mesmo depois de dois anos e meio de preparação, incluindo sucessivas prorrogações de prazo concedidas à empresa, a Iberdrola ainda conseguiu chegar a este processo da consulta pública com uma série de documentos em falta ou incompletos e sem conseguir fornecer um mapa com a qualidade mínima admissível da área de implementação”, acrescenta.

Sofia Palmeiro explica ao JA que “antes da consulta pública, a Agência Portuguesa do Ambiente solicitou a inclusão de mapas de maior resolução, mas a empresa não achou necessário atender a este pedido, preferindo manter em segredo o facto de ainda não ter terminado as negociações dos terrenos, uma obrigação prévia”, nota.

Mas, segundo a ecologista, esta não será a única omissão. “Esta não é a única omissão na documentação. São muitas e a PROBAAL considera que o processo de consulta pública deve ser alargado até que toda a documentação esteja completa e clara”, termina.

Projeto que é “um erro”
“Este é um erro desde o início”, afirma Sofia Palmeiro.

“No que diz respeito à nossa comunidade local, não sentimos que este projeto nos beneficie de forma alguma, porque se propõe destruir uma parte significativa da qualidade do nosso ambiente e coloca a nossa maior fonte de água subterrânea em risco”, lamenta.

“E, embora cumprindo os compromissos assumidos em relação à neutralidade carbónica e energias mais limpas, o Acordo de Paris não sugere que destruamos os nossos espaços verdes, que erradiquemos a nossa biodiversidade ou que arrisquemos a nossa água no processo. É uma falsa suposição acreditar que devemos sacrificar as nossas áreas naturais protegidas por lei para implementar milhares de painéis solares”, prossegue.

A mesma fonte nota que “a União Europeia está agora a propor que a produção de energia seja transferida para as grandes cidades, onde os impactes ambientais seriam mínimos ou inexistentes e onde as necessidades energéticas são maiores”, avança.

“Estes painéis solares terão de ir para algum lado, mas não aqui. Não neste terreno classificado em 2008 pelo Estado como Reserva Ecológica Nacional (REN), onde existe uma zona de máxima infiltração de água no aquífero e que ocupa uma área equivalente a mais de 150 estádios de futebol. A PROBAAL acredita que há sempre esperança e que a localização deste projeto não é com certeza de interesse nacional, muito menos local”, conclui.

O JA enviou um pedido de esclarecimento sobre a posição da Câmara Municipal de Faro, mas não obteve resposta em tempo útil.

Tentámos obter um depoimento de José Jerónimo, presidente da União das Freguesias de Conceição e Estoi, que nos encaminhou “para a Câmara”. Terminou a chamada dizendo: “não sei de nada, nem o sítio onde é que é….

Isso foi apresentado na Assembleia Municipal, votado como foi em Santa Bárbara e é a Câmara que sabe disso tudo. Não sei de nada”.

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1 COMENTÁRIO

  1. Não consigo compreender como é que se continua a querer fazer parques solares gigantes nas Serras e no Barrocal Algarvio quando a algumas dezenas de kms acima, nas planícies Alentejanas, existem terrenos suficientes para implantar milhares de milhões de kilowatts desta tecnologia sem metade dos desafios técnicos que a serra algarvia acarreta e sem a destruição de milhares de espécies de flora e fauna local, os projetos existentes no Algarve nomeadamente nas serras têm se revelado de uma complexidade de execução e ainda mais de manutenção que poucas empresas conseguiram dar resposta. Este será mais um desses projetos megalómanos que em nada beneficiará a região Algarvia.

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