Remate certeiro: Francisco Emílio Baptista, o melhor pescador do Mundo de Bacalhau

Francisco Emílio Baptista, o melhor pescador do Mundo da pesca do Bacalhau dos anos 40, não sabia ler, nem escrever, mas lia o mar como ninguém

Francisco Emílio Baptista
Francisco Emílio Baptista preparando os anzóis

Quando se apregoa aos quatro ventos, para que sejamos empurrados pelos mesmos ventos para um estranho «redondelo» já esburacado pelos remoinhos, chega-nos a notícia, precisamente por isso, que as cotas de pesca são cada vez menores, agora porque os ingleses querem defender a sua história, os seus patrimónios e os seus mares, e por isso não percebemos o amem dos nossos responsáveis, em contraste com a pesca e pelo mar que nos pertence.


Também é verdade, o eco vindo dos lados do mar de S. Bento, quando os nossos responsáveis pelas pescas, afirmam que as negociações ainda poderiam ser piores e por isso solto-me do lastro que me atrapalhava, talvez impelido pelo tal remoinho e trago à superfície da história, a memória, ainda que incompleta, de um dos melhores pescadores do mundo, que a pesca do bacalhau conheceu, de seu nome, Francisco Emílio Baptista, que nasceu na Fuzeta, a 4 de Agosto de 1913.


Sabemos que na Fuzeta tem uma rua com o seu nome, mas desconhecemos e a culpa é nossa, se Olhão, já lhe arranjou o lugar verdadeiro para a sua eterna consagração, afinal em nome do orgulho dos pescadores olhanenses, que por vezes só são recordados por culpa da barcaça Bom Sucesso…


Este é apenas o momento de soltarmos, pequenos salpicos, da história do maior pescador do mundo da pesca do bacalhau, que era afinal, como todos os outros, uma espécie de escravos do Estado Novo, que chamava ao bacalhau o «pão do mar» e que foi ao longo de muitos anos, também pela nossa inspiração marítima, notável bandeira de Portugal.


Referindo-se a Laurencinha, a quem o escritor Alan Villiers, que a história denuncia como um homem que se sentia muito confortável junto de Salazar e do Henrique Tenreiro, afirma: «É um pescador que honra a Pátria onde nasceu.»


Morava o bacalhau ontem, tal como hoje, nos mares gelados da Gronelândia, mas naquele tempo também habitava, o que hoje já não acontece, em todas as mesas portuguesas. E os espanhóis, raro agora comem aqui «bacalao», como costuma dizer o meu neto Manel.


Portanto, ainda no quadro das coisas raras – e não estamos a falar da RARISSIMA, julgo que perderam os processos judiciais – nas nossas mesas nunca faltava o bacalhau, nem que fosse uma asa «carnuda», como o saboreavam os pobres.


Só, que o Laurencinha, como o primeiro pescador nunca falhava, e como ele muitos outros pescadores algarvios da pesca do bacalhau idos de Cacela, Cabanas, Santa Luzia, Fuzeta, e cujo pescado transbordava de qualidade.


Hoje por vezes, tão mal seco e tão congelado, encharcado até aos ossos, que até parece que o bacalhau veio a nado desde os mares da Terra Nova. E o seco, parece que foi abafado por um cilindro.

O campeão dos pescadores de toda a frota

Laurencinha, à esquerda,
o maior na pesca do bacalhau


Laurencinha, que pescava uma tonelada de bacalhau por dia, enfiava-se no seu dóri e rompia o nevoeiro com o olhar. Aliás, em certa altura da história como nos conta Alan Villiers, que foi escrita no National Geographic Maganize, em Maio de 1952, afinal uma homenagem do escritor aos capitães e pescadores da «faina maior», este recorda: «Um pouco mais tarde reparei num homem, seco de carnes, olhar determinado, de rosto impressivo, rendendo um companheiro no leme. O piloto, um jovem bem disposto, de 22 anos, fazendo a sua 5.ª viagem, disse-me que era o Primeira Linha, Francisco Emídio Baptista, o campeão dos pescadores de toda a frota.


Em média apanhava uma tonelada de bacalhau por dia. Uma tonelada por dia! Olhei para ele espantado, porque não fazia a mínima ideia de que o peixe podia ser pescado em tal quantidade, na pesca à linha.


Os companheiros de Francisco tinham uma piada acerca das suas façanhas – “Ele tem o seu próprio viveiro”, explicou o segundo piloto. – “Vai lá e tira o seu peixe!”


Francisco Emílio Baptista combatia os densos nevoeiros, que pareciam paredes, em que nem se via a ponta do nariz, no seu dóri com o anzol e as mãos tão geladas, que se confundiam com o mar quase impenetrável.


Com um destes grandes pescadores, diga-se nesta enseada, da vida, também andava o nosso amigo Roque, vila-realense dos quatro custados, que eram um dos homens das máquinas, no Navio Hospital, Gil Eanes.


«Em Faina Maior (VIII), vamos encontrar, com a «prestigiosa colaboração do: Museu Marítimo de Ílhavo», e com o subtítulo. Lembranças da Grande Faina «O Laurencinha» Campeão da pesca do bacalhau 12 anos ininterruptos, assinado por: Maria Leonilde M. Carreiro (Neta e filha de pescadores), sinais do pescador da Fuzeta.


“De todos os pescadores destaco o Francisco Emílio Baptista, o «Laurencinha», da Fuzeta, no Algarve – um homem excepcional, maravilhoso na faina da pesca. Segundo os meus cálculos, para apanhar o equivalente a cerca de 450/500 quintais de 60 kg de bacalhau em cada ano – que é o que este homem tem estado a conseguir na última década – só as suas linhas pescaram 100 toneladas de peixe fresco por ano. E isto é pescar! Creio que o Francisco Emílio Baptista será certamente o pescador n.º 1 da pesca à linha em todo o mundo. Com certeza que no Canadá não haverá nenhum que se lhe possa igualar nem em toda a Nova Escócia, ou na Terra Nova, França, Espanha, Estados Unidos ou em qualquer outra parte. «O Laurencinha é, sem dúvida um pescador que honra a Pátria onde nasceu» – palavras do escritor australiano Alan Villiers que classificou Laurencinha, no seu livro: «The Quest oh the Argus», de campeão mundial da pesca do bacalhau.


Desde a campanha de 1939 que o Laurencinha, natural da Fuzeta e campeão da pesca do bacalhau, não conseguindo jamais outro pescador ultrapassá-lo.

Veleiro Argus
Veleiro Argus uma vida inteira, na vida de Laurencinha


Nesse ano, (1939) o primeiro que embarcou a bordo do «Argus», pescou 337 quintais. Em 1940-427; 1941-415; 1942-412; 1943-471; 1944-426;1945-486; 1946-458; 1947-469; 1948-456; 1949-426; 1950-450, o que lhe perfaz a bonita soma de 5.237 quintais.


Bastante novo ainda, o Laurencinha completou no passado dia 4 de Agosto, 38 anos de idade. Dotado de coragem, perseverança, honestidade e amor ao trabalho, é respeitado por todos os seus colegas e pelos seus superiores.


Na vida familiar é um verdadeiro exemplar de esposo e chefe de família. Casado com Teresa Rodrigues da Hora, pai de seis encantadoras crianças que são todo o seu enlevo; 4 rapazes e duas meninas, que vão dos 4 aos 13 anos […]


Mas as perguntas directas para o «Correio dos Açores» queríamos fazê-las a bordo «Argus», e isto conseguimos na madrugada desta terça-feira.


Acompanhado pelo nosso pai, que durante alguns anos embarcou no «Argus» e pelo nosso repórter fotográfico, dirigimo-nos de lancha para bordo. Esperámos ansiosamente a chegada do sr. capitão Simão Paião Jr., que na véspera nos tinha recebido amavelmente e que ainda se encontrava em terra mais o Laurencinha e outros pescadores. Uma vez chegados a bordo tiraram-se fotografias, uma delas com o nosso tio Afonso Martins, campeão dos Açores há 5 anos. E enquanto o fotógrafo disparava a máquina, fomos perguntando ao Laurencinha: Novamente campeão da pesca»

Assim penso… como de costume!

Quantos quintais de bacalhau apanhou?

381!

Deve sentir-se orgulhoso com isso e por ser campeão há 12 anos, observei:

Não sou nada orgulhoso; simplesmente modesto, mantendo a minha posição de pescador!


A primeira vez que embarcou foi no «Argus»»

Não. Embarquei, primeiro no «Hortense», 3 anos, depois no «Creoula» onde andei 2 anos, e há 13 que estou no estou no «Argus»!
Antes de embarcar fazia alguma ideia o que era aquela vida?

É claro que não… apesar de nos contarem muitas coisas!

Em que ocasião sente mais saudade da família?

Quando estou na pesca!


E que sensação sente quando recebe uma carta da sua esposa?

Fico muito satisfeito e com prazer!


Durante os anos de campanha, quando se sentiu mais alegre ao regressar á sua terra?

Sem dúvida no ano em que ganhei mais dinheiro!


E o que apanhou mais temporal?

Foi há quatro anos… apanhámos um ciclone quando vínhamos a caminho dos Açores!


Depois dessa resposta um curto silêncio. E o tempo urgia. Já iam proceder às desamarras do navio que dentro de minutos partiria com rumo a Lisboa […]


Qual a sua maior ambição?

É ganhar dinheiro para me poder sustentar e à minha família!


A breve entrevista tinha terminado.

Entrevista para o «Correio dos Açores»


Agradecemos-lhe as palavras que tinha dispensado ao «Correio dos Açores», desejando-lhe felicidades. Em seguida despedimo-nos do sr. capitão Adolfo Simão Paião Jr. E agradecemos-lhe a amabilidade que teve para connosco, por ter acedido ao pedido de entrevistar o pescador Francisco Emílio Baptista, que, no dizer do escritor Alan Villiers, é um pescador que honra a Pátria onde nasceu».


As ondas lambiam de alto abaixo os dóris, pequenos barcos de casco achatado, isto é, sem quilha, nem leve, batendo por vezes nas paredes de nevoeiro, cuja esperança de regresso ao navio, era a bússola…


Nem todos chegavam a casa e ali ficavam para sempre, campanhas inteiras perdidas no meio do nevoeiro e depois tendo o gelo como sepultura, alguns amarrados à roda do leme para que o mar não os levasse e quando a notícia chegava, mas os silêncios já tinham dito tudo, as famílias enlutadas para toda a vida.


No «Argus» Laurencinha não viveu apenas os sufocos da uma vida agreste, de um mar impiedoso, mas também uma espécie de escravatura, que alimentava também o ego do Estado Novo, pois na disfarçada neutralidade, e com os barcos pintados de branco, para não serem amordaçados por bombardeamentos da segunda guerra mundial, que fumegavam os dias e faziam brilhar as noite em muitos momentos deste impiedoso conflitos bélico, que travou tudo, mesmos os bravos pescadores portugueses da pesca do bacalhau, entre eles muitos algarvios que no seu dóris queriam pisar os caminhos de Laurencinha.

1) N.º154 – Outubro 1951 – ver «A campanha do ARGUS» PAG 217 A 234.

Neto Gomes

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