Manuel João e Fernando Barata, a nossa homenagem a dois homens singulares
Somos tão maus jogadores que até esquecemos os maiores trunfos do baralho da vida. E quem sabe se esta pausa, a que os homens, nem sabemos qual o conteúdo, chamam de reflexão, por imperativos, desta vez das eleições autárquicas, diga-se, a mais confusas de toda a história da democracia portuguesa, e que nem tem nada a ver com a maturidade da democracia, antes pela desesperada luta pelo poder, sirva para olharmos por dentro de nós… Das pessoas que vamos esquecendo…
Manuel João e Fernando Barata, como ex. dirigentes, são duas das maiores bandeiras do futebol algarvio. E quem é que ainda se lembra deles?
Quem é que não se recorda da marcha atrás que o País muitas vezes fazia, quando Manuel João e Fernando Barata os enfrentava, apesar de a seguir sofreram na pele as dores provocadas por um poder desportivo, que roubava aos pobres para dar aos ricos, que dominava tudo: A arbitragem, a justiça, a federação, a liga. Os Pintos, desde os Sousas, aos Costas, passando pelos Lourenços, e por outro PINTOS CALÇUDOS, que mandavam em tudo e qual compressor esmagando tudo o que lhes aparecia à frente.
Pinto da Costa bem fugia pelas ruas de Portimão, com medo de Manuel João.
Pinto da Costa e o filho de Alder Dante, equipado à Porto, e que tinha acabado de apitar mais um Farense/Porto, que até meteu tiros, fugia de Fernando Barata pelas ruas de Faro.
Foi sempre assim.
Dois grandes dirigentes. Gente boa e humana. Que hoje, acotovelados aos feitos da doença, vivem momentos de angústias, mas tal como em todos as outras circunstâncias, enfrentam com serenidade esta marcha do tempo.
É evidente, que as novas gerações, por mais que se esforcem, já nem se lembram que ambos existiram como grandes dirigentes e ainda existem como seres humanos, o Fernando Barata e o Manuel João. E de ambos guardamos as melhores das recordações, o melhor que existe da amizade, do respeito e da consideração. E com ambos aprendemos regras, relações humanas, a olhar às pessoas de frente.
Mas também aprendemos que às vezes é melhor começarmos primeiro a ouvir os outros, para não dizermos as mesmas asneiras. Os mesmos disparates.
Já conhecíamos o Manuel João, muito antes de passarmos a exercer o cargo de Secretário Técnico do Portimonense, tendo então como treinador o nosso amigo Manuel José. Aliás, e por ali nos mantivemos, depois com a passagem do saudoso e também amigo Vítor Oliveira, como treinador.
Navegávamos por essa altura na Taça UEFA.
Dinheiro, não havia. Mas havia profissionalismo e uma direcção incrível chefiada pelo Manuel João. E desde o Chico (Roupeiro) ao mesmo tempo empresário de gelados), passando pelo Chico (das caldeiras do aquecimento da água) até Mira Pacheco, o Portimonense rolava por esferas, é verdade desgastadas, mas nunca vacilavam…
Hoje Fernando Barata e Manuel João já não são cabeças de cartaz, mas são a memória, a história, a razão de mil acontecimentos, que colocaram o Algarve na franja da notícia.
Desperdiçaram energias, cimentaram paixões, mas nunca atropelaram fosse quem quer que fosse, e eram vozes escutadas, às vezes entrelaçadas de ironia, mas nunca o ódio, o rancor, o desejar mal.
Fernando Barata reergueu o Farense, então habitando em tormentos e dificuldades. Despertou rivalidades e colocou as suas empresas, os seus quadros, os seus colaboradores ao serviço do Farense. E nem mesmo assim a cidade e o concelho acordaram. Tinha chegado um mecenas. Ele que fizesse tudo.
Mas a história do Farense nunca negou o esforço e o capital de importância que Fernando Barata teve na vida do clube, o qual sempre procurou manter viva a permanente homenagem a um homem que conduziu o Farense a momentos de grande fulgor.
Com Fernando Barata nascera um tempo novo para o Farense, contudo, a cidade nunca acompanhou os passos e os sonhos de Fernando Barata.
Vivi várias experiências com Fernando Barata. Um homem culto, educado, disciplinado, exigente e sem paciência para reconhecimentos fúteis.
Fernando Barata sempre foi um líder. Um homem de raciocínio rápido, coerente e sempre atento a tudo quanto o rodeava.
Se era para resolver, que resolvessem, pois para Fernando Barata não existiam obstáculos, não apenas como Presidente do Farense, mas também como empresário. E tanto que fez pelo turismo.
Rodeava-se de homens bons, capazes, que o sabiam escutar, que viam nele um líder, e que era preciso seguir em frente sem vacilar. Homens como o Dr. Carlos Ganho, Seromenho, Viriato Lopes, Gomes Afonso, Brito Figueira, entre tantos outros e que recebiam diariamente ordens para alisar o caminho.
Em 1983 o Farense viajou até Cabo Verde, a convite do Governo, talvez pelo capital de influência que tinha nessa equipa os cabo-verdianos Óscar, Carlos Alhinho, Alexandre Alhinho e José Luís.
Na altura viajamos como enviado especial do jornal Gazeta dos Desportos, numa deslocação que integrava ainda mais dois jornalistas: Rui Santos (A Bola) e Rui Dias (Record).
Fernando Barata só chegou a Cabo Verde, mais concretamente à cidade da Praia, alguns dias depois.
Na altura a minha relação com Fernando Barata não estava muito imaculada, pois dias antes num Congresso de Turismo que decorreu em Alvor, após a sua intervenção coloquei algumas questões, que não caiaram bem no grande empresário hoteleiro.
As crónicas do Rui Santos (A Bola) começavam a criar algum mau estar junto da comitiva do Farense, pelo facto de se argumentar que a equipa estava dividida em grupos: O grupo dos brasileiros, dos cabo-verdianos, dos búlgaros/leste e dos portugueses.
Chefiava a comitiva Farense, Viriato Lopes, homem da confiança do FB, e que pôs Fernando Barata ao corrente do que a imprensa dizia (A Bola), que de imediato pensou reunir com os três jornalistas, convidando-os que a partir daquela altura, para que não tomassem as refeições junto da equipa.
A imprensa tinha sido convidada a acompanhar o Farense, com a obrigado do clube algarvio suportar as despesas de alojamento e refeições.
Nós os jornalistas ocupavamos cada um o seu quarto e em certa ocasião fui atender o telefone e era o Senhor Fernando Barata, a perguntar-me se tinha shampoo para lhe emprestar. Deu-me o número do quarto e lá fui de frasco de shampoo na mão.
Mal entrámos no quarto colocámos um pouco de shampoo num cinzeiro… e quando terminámos essa operação, Fernando Barata, começou por dizer:
Ó Neto Gomes não foi muito simpático para comigo no congresso de turismo, mas não foi por isso que o chamei. Nem preciso de shampoo. Acontece que o conheço melhor que as seus colegas e… Após abrir o livro, conclui que iria explicar aos outros dois jornalistas, que deixaríamos de tomar as refeições com a equipa. Passaríamos a ter um motorista, de seu nome Semedo, que nos acompanhava ao restaurante e de igual modo pagaria a conta.
E assim foi.
Um dia voltarei aqui, ou quem sabe se no nosso livro de memórias, para fazermos emergir estas e outras histórias, num claro tu cá, tu lá…
Manuel João tinha uma equipa de dirigentes, na qual confiava e quando chegava estava tudo feito. Era um negociador. Um brincalhão, mas um homem que sabia o que queria para o Portimonense levando as competições europeias, mesmo quando o dinheiro não chegava, mas sobrava a generosidade de Mira Pacheco, que jogando as mãos ao fundo dos bolsos, da própria receita da sua pastelaria, lá arranjava sempre alguma coisa.
O pior eram as idas ao norte, pois no regresso jantávamos sempre no Ipiranga, em Águeda…
Mira Pacheco dizia-me: – Neto Gomes, agora quando ali chegarmos, entrega este cheque e recebe o anterior, que não tinha cobertura.
-E de quinze em quinze dias, lá fazíamos esse ziguezague das chamadas contas sempre certas, com os chamados «cheques de borracha», mas fomos à Europa.
Em certa ocasião, o Manuel João, reuniu a equipa num restaurante na Praia da Rocha, para desbloquear algum dinheiro para os jogadores. No final, acabou por ser o Manuel José, treinador, a distribuir algum dinheiro, do seu bolso…
Manuel João foi sempre um dedicado e empenhado Presidente. Chamando-o a si, um grupo de dirigentes capazes de responder às necessidades. Alguns, como os irmãos Gil, integravam a Direcção para dar algum apoio financeiro. Mas outros, como o Mira Pacheco e o Águas, e mais tarde o Rebelo eram a guarda avançada para a resolução dos problemas da hora. Daquela hora e das horas seguintes… tal como o Cândido Glória. Mas os grandes parceiros eram a CM de Portimão, os construtores civis e a Torralta… Mas também tinha uma grande equipa de futebol. Incrível equipa de futebol…
Mira Pacheco, Águas, José Carlos, José Teodósio eram pau para toda a obra. Mas era o Virgílio, que corria meca e treca, entre Faro e Lisboa, entre a Associação e a Federação para tapar todos os buracos.
Mas ainda existia o Senhor Coelho. Que entrava às 09.00 e saía às 19.00 por paixão ao clube… Tanta paixão, que aos juniores entregava botas com papéis dentro, que deixavam de ser 42 e passavam a ser 38… o pior era quando os jogadores descobriam…
Manuel João começou a sua ligação ao Portimonense como ciclista. E ganhou algumas corridas, levando ao próprio despontar da modalidade em Portimão, de onde tinha partido, em 1927 João Bicker, para em representação do Portimonense fazer a primeira volta a Portugal.
Este Remate Certeiro, não é a verdadeira e merecida homenagem que gostaríamos de fazer a dois grandes amigos: Manuel João e Fernando Barata, porque não temos espaço suficiente para o fazer. Mas é a nossa emoção e a nossa razão, em nome da amizade e da gratidão, que nos levou a envolvê-los nesta edição do Jornal do Algarve, ele próprio a tanger o seu reconhecimento a dois grandes homens, notáveis dirigentes, devotados e responsáveis às causas por que foram levados pelos seus próprios passos.
Hoje a saúde de ambos esgotou a meta de uma espécie de ressurreição, o que quer dizer, que por mais forte que o homem seja, por mais vitórias complicadas que tivesse vencido, a que agora enfrentam leva-nos para a oração constante, onde cabe o nosso mais vivo e sentido obrigado, pelo que fizeram, neste caso concreto pelo Portimonense, pelo Farense e por nós.
Que Deus mantenha o olhar e o sorriso que merecem, como dois homens singulares, a quem o Algarve tanto deve, e que nunca lhes pagará porque os homens agora vivem de egoísmos.
Numa hora em que lutam tranquilamente para se manterem entre nós, deixo o meu abraço às suas famílias. Um abraço de coragem, e nele elevo todos os momentos felizes que juntos vivemos. De alegrias, tristeza, murros em cima da mesa, de vitórias e de derrotas, mas acima de tudo da constante recordação de tudo o que fizeram pelo Portimonense, pelo Farense e pelo Algarve.
Neto Gomes