Selo biológico para qualquer sal pode acabar com salinas tradicionais

Num momento em que a economia azul ganha relevante importância, e em que as salinas tradicionais contribuem sobremaneira para a biodiversidade, e armazenamento de carbono azul, está prestes a ser aprovada na comissão europeia uma lei que autorizará qualquer produtor de sal, industrial ou de mina, a colocar o selo biológico no seu produto, mesmo não respeitando técnicas de produção do regulamento biológico definidos pela UE 2018/848.
Como poderá então o consumidor saber se o sal que está a consumir respeita realmente os princípios que regiam a produção biológica? Podemos nós consumidores acreditar no selo de biológico dos dias de hoje?

Salinas tradicionais de Castro Marim

Note-se que o regulamento do Conselho (UE) 2018/848 do Parlamento Europeu de 30 de maio de 2018 define: “A produção biológica é um sistema global de gestão agrícola e produção alimentar que combina as melhores práticas ambientais, um elevado nível de biodiversidade, a preservação dos recursos naturais, a aplicação de altos padrões de bem-estar animal e um método de produção de acordo com a preferência de certos consumidores por produtos produzidos usando substâncias e processos naturais”.

Como podemos permitir, no momento de crise climática que atravessa o mundo, que estas leis sejam ignoradas, flexibilizadas? Em nome de quem? A favor de que interesses? Como podemos permitir que perante uma crise que se anuncia serão mais uma vez os pequenos produtores a fecharem as portas.

O sal industrial usa maquinaria pesada e energia fóssil para a extração, o sal é higienizado e branqueado artificialmente não preservando os mais de 80 oligoelementos presentes na água do mar e benéficos à saúde humana.

O sal de mina usa a técnica de “moagem contínua” que necessita de energias não renováveis. É sabido que os sistemas de perfuração e extração de corte criam cavidades e destroem áreas subterrâneas. Técnicas que não são compatíveis com os princípios gerais do regulamento europeu (artigo 5º a): “respeitar os sistemas e ciclos naturais e manter e melhorar as condições do solo (…)”

O que acontecerá ao atribuir-se o rótulo de biológico ao sal marinho tradicional, industrial e sal de mina?
A vantagem competitiva que será dada ao sal industrial e de mina acabará por extinguir o pequeno produtor de sal marinho tradicional. É óbvio que um tipo de produção sazonal, como é o caso do sal tradicional, que respeita os ritmos e características climatéricas e que não usa maquinaria pesada e processos de secagem artificial e higienização, não consegue produzir a mesma quantidade, com a mesma rapidez e consequentemente não consegue praticar os mesmos preços. Se ambos têm um rótulo de biológico mas um deles consegue ser mais barato, não será possível para o pequeno produtor sobreviver.

Portanto, para além de estarmos a enganar o consumidor que estará a comprar um produto “biológico” que vai contra o regulamento biológico definido pela UE 2018/848 (ou seja não biológico) estaremos a comprometer a continuidade do sal marinho tradicional no mercado.

Perdermos o sal marinho tradicional, representa perder uma técnica centenária, uma tradição. Ao dizermos adeus aos guardiões destas zonas húmidas, haverá uma redução do capital biológico e diminuição da fixação de carbono cada vez mais necessário para a sobrevivência do homem no planeta.

Apesar de contactados: Agrobio, CPADA – Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente, SPEA (Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves), DECO (Defesa do Consumidor), não houve nenhuma resposta e nenhuma pronunciação sobre este assunto.

É triste que um conjunto de pequenos produtores de sal marinho tradicional tenham sido obrigados a unir esforços com o sal industrial para conseguirem ter alguma voz perante a comissão europeia, unindo-se àqueles que ajudarão à sua própria extinção.

É por isso importante desenvolver uma campanha de sensibilização que possa distinguir os diferentes modos de produção e o seu impacto, de forma a preservar cada vez mais o nosso capital ecológico e cultural. É importante exigirmos leis justas e coerentes que defendam cada vez mais os interesses do planeta e que permitam uma convivência leal entre os diferentes agentes de mercado. É importante sensibilizar os políticos para que defendam os pequenos produtores, e os interesses de todos os portugueses.

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