SMS: Os cães à solta

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Colaboradora. Designer.

Aprendi a respeitar o ladrar dos cães com Axel Munthe, o escritor sueco que aterrou em Capri em 1885 para fundar uma casa mediterrânica e criar uma obra sem par. Aprendi a respeitar o ladrar e o uivar dos cães pela noite dentro, em noites de lua-cheia, quando era jovem e li o livro que tem o nome da sua casa, O Livro de San Michele. Mais tarde, Homens e Bichos. Quando os cães da vizinhança começam a serenata de resposta-pergunta, e os de grande porte ladram com voz grossa, e respondem com voz fina os baixotes e os minúsculos chiuauas fugidos por certo das almofadas das suas donas, eu fecho os olhos e consinto, preparando-me para uma noite de insónia. Uma insónia que suporto sob a bênção longínqua desses livros que li na pequena adolescência.

E assim, até aí, tudo bem com os cães. Pena tenho eu de não poder possuir um para me fazer companhia, para nos tratarmos como amigos, reciprocamente, eu cuidando dele, ele cuidando de mim. Um campo de entendimento que provém de tempos imemoriais. Maravilhoso entendimento, por certo. Mas o assunto complica-se um pouco quando de tarde queremos passear pelas estradas e pelos caminhos, e os cães da vizinhança correm à solta uns atrás dos outros e assaltam quem passa mostrando as dentuças. Em bando, estimulam-se, correm, saltam, cagam nos portais, entram nas cozinhas, comem os pássaros da casa, proíbem que as crianças corram pelas ruas, que os ciclistas passem sem um rasgão na perna, que se faça uma corrida ao fim do dia, sem que se leve um pau às costas. Situação difícil? Sim, um pouco. Falar com os donos dos cães que ficam vadios, quando soltos, é o mesmo que falar com os seus alter-egos. Estão vigilantes sobre si mesmos, a sua própria vida e conforto, não sobre os outros. Tudo isto é delicado, exige paciência e prudência, capacidade de reserva sem fim.

Só que a situação que se adivinha vai complicar-se. A lei, aprovada pela Assembleia da República há dois anos, é caritativa, modernaça, respeita o mundo natural e tem em conta a pegada ecológica. Prevê esterilização sistemática e sensibilização contra o abandono. Medidas boas, medidas difíceis. Aposto que vai ser uma batalha rara. Aposto que em breve, de novo, grandes matilhas de cães abandonados, misturados com os cães à solta que os donos desprendem ao cair da tarde, ataquem as pessoas no meio das ruas. O cão é um lobo que se familiarizou com o homem, a troco de comida fácil. O cão abandonado, sem comida, que ronda caixotes e ruas, vira lobo. Preparem-se. Em breve o Correio da Manhã irá fazer umas manchetes vistosas sobre ataques de cães abandonados sobre pessoas incautas. Fará uma, duas, talvez cem manchetes, e só depois a lei irá de novo mudar. A menos que os portugueses, de repente, comecem a perceber que entre o dono e o seu cão existe um terceiro – a outra pessoa. As outras pessoas. Difícil de conceber, não é, companheiros? Muito difícil mesmo. Se não de todo impossível.

Flagrantes jardins: Imagine-se que o Estado tinha investido no Concelho de Loulé o mesmo que investiu na Ilha da Madeira. É que o território da Madeira (740,7 km²) é inferior ao de Loulé (763,67 km²), ainda que se lhe some os 42,5 km² do Porto Santo. E quanto a densidade populacional daria pra falar…

Carlos Albino

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