“Soft Rains of April”

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Colaboradora. Designer.

É invariável: sempre que se chega ao final de Abril e das suas águas mil, recordo-me de uma música da banda norueguesa A-Ha, “Soft Rains of April”. Não creio, porém, que o tema fale sobre a pluviosidade intensa do mês, aqui ou na Noruega – e, de qualquer modo, com as recentes alterações climáticas, sabemos que tal nem sempre corresponde à verdade…

A música em questão, que encerra o álbum Scoundrel Days, apresenta a atmosfera negra de muitos dos temas que o compõem. O verso que insistentemente se repete (“The soft rains of April are over”) sugere que o ameno tempo passado se encontra, no presente, distante. Face à impossibilidade em se o recuperar (e as imagens, na letra, da chamada telefónica e das cartas escritas sem resposta, das viagens de ferry ora encerradas, acentuam-no), nada mais se pode fazer senão aceitar o momento desolador de agora.

O que não sabia – e descobri recentemente, em pesquisa – é que a poetisa Sara Teasdale escreveu em 1918 o poema “There will come soft rains”, e que poderá, ou não, ter de algum modo influenciado a música atrás referida, até pela semelhança imagética das chuvas mansas descritas. No poema, porém, elas surgem depois do período sombrio – como que a limpar e renovar o espaço. Um pouco na linha do dito “Depois da tempestade, vem a bonança”.

Num e noutro caso, encontramos um ponto comum: a ideia de renovação, de mudança. Como a deveremos encarar e aceitar.

…E agora que aproveitei meia página para falar de uma das minhas músicas preferidas, eis-me no momento em que tenho de justificar a sua inclusão na nossa crónica semanal…

É certo que nos encontramos, como é sabido, numa fase de mudança. Na restauração e em tudo o mais. Mas por muito inquietante que esta ideia nos possa parecer agora, é importante notar que, em boa verdade, esta necessidade de renovação é parte integrante de qualquer restaurante – e aliás de qualquer actividade humana. “Todo o mundo é composto de mudança”, como nos recorda o célebre soneto de Luís de Camões. E toda a inquietação que dela resulta faz parte do processo.

Usemos, pois, este factor em nosso benefício. Consideremos o que tem de mudar, o que queremos mudar e façamo-lo em articulação do produto que queremos apresentar. Nenhuma mudança perturba o conceito de um espaço, pois o mesmo é, por definição, mutável e depende de vários agentes, desde a própria equipa (cozinheiros, pessoal da sala, etc.), passando pelas várias pessoas e entidades cooperantes (fornecedores, serviços, etc.) e pelos próprios clientes, que acabam por modelar e determinar diferenças de restaurante para restaurante.

De resto, de outro modo não poderia ser. Quantas vezes tivemos de mudar um prato por não funcionar? Quantas alterações fazemos numa receita até que a mesma se torne única? Quantas vezes reajustamos uma ideia ou um conceito até que seja eficaz e se traduza naquilo que queremos comunicar? O nosso dia-a-dia encontra-se, na verdade, imerso em diferença e dependente da mudança. Os dias que se seguirão após Abril serão, ainda que com outra dimensão e com diferenças significativas, apenas uma extensão deste raciocínio.

Ninguém diz, porém, que as alterações que se avizinham irão ser fáceis. Mas recuperemos, a este propósito e com todo o alento possível, o refrão que José Mário Branco acrescentou ao citado poema de Camões: “E se todo o mundo é composto de mudança, / Troquemos-lhes as voltas que ‘inda o dia é uma criança”.

Vasco Barbosa Prudêncio

Chefe de Cozinha “A Venda”

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