Sonegar Informação, lá e cá

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Colaboradora. Designer.

Jair Bolsonaro descobriu na passada semana que o segredo da sua cruzada pela normalização da pandemia, e contra os que lutam para que os seus terríveis efeitos se atenuem, está na informação. Se a informação que chega do Ministério da Saúde brasileiro for deturpada, sobrevirá a sua tese normalizadora, o seu “está tudo bem” de sempre, a tese da “gripezinha”. Na sua cabecinha acéfala, perante a opinião pública advirá então a asserção de que se pode acabar com o confinamento (a que lá chamam Lockdown), voltar à economia. E para muitos pobres, dada a falta de respostas sociais do Governo Federal, esse regresso à rua significa acabar com a fome. Sim, à parte os miseráveis e pouco universais 600 reais (cerca de 100 euros) dados a quem sobrevive na informalidade, Bolsonaro castiga o “povão” negando-lhe meios de subsistência para, a custo zero, lhe comprar apoio para o regresso às ruas. No Brasil, o assalariado médio nem sonha o que é um lay-off. E como ele poderia fazer toda a diferença!

Receoso de que se conheça a dimensão do sofrimento de largas franjas do seu povo, Jair Messias decretou no final da passada semana que os números diários da pandemia, até aqui libertados por volta das 19:00, passariam a ser divulgados cerca das 22:00. E habituado à incondicionalidade estúpida dos seus seguidores, não teve pudor em justificar: “Acabou a matéria no Jornal Nacional”, principal bloco noticioso da TV Globo que vai para o ar pouco depois das 20:00. O Presidente mantém uma velha guerra contra a estação televisiva, que aliás lhe respondeu à letra. No telejornal da passada sexta-feira, o pivô William Bonner ameaçava que, caso não houvesse dados à hora do Jornal Nacional, a Globo interromperia a emissão à hora que fosse preciso para honrar o compromisso com o seu público. Ameaçou e cumpriu: pouco depois de os números do dia do Ministério da Saúde terem chegado à redação, ainda não eram 10 da noite, a líder de audiências interrompeu a emissão com uma “última hora” que honrou a promessa aos espectadores. Bofetada de luva branca a Jair.

Mas não se ficou por aqui o estupor, nesta cavalgada contra a transparência da informação. Praticamente em simultâneo com este incidente, Bolsonaro fazia uma declaração de intenções segundo a qual o Ministério passará a divulgar as mortes estritamente verificadas “no dia” e que deixariam de ser contabilizadas as que, sendo levadas em conta nesse dia, se referem a mortes de outros dias, devido a atrasos nos resultados dos testes. Disse-o e deverá fazê-lo, sem que tenha feito saber como serão contadas essas mortes por covid confirmadas no dia, mas verificadas em dias anteriores. Aparentemente, desaparecerão! Mais um passe de mágica contabilística para fazer desaparecer a realidade dos números e iludir o povo.

Nesta cruzada federal contra a verdade, há uma cereja no topo do bolo: também desde o final da semana que passou, o Ministério da Saúde brasileiro deixa de fazer referência diária ao acumulado de casos e mortes, passando a divulgar apenas os números do dia. Se acreditarmos no jornalismo brasileiro, será o mais inócuo dos expedientes presidenciais, pois bastará à Imprensa fazer meras contas de somar para continuar a haver totais acumulados, mas não deverão tardar as divergências numéricas entre os vários órgãos de comunicação, sobrevindo a confusão e o descrédito. Tudo o que Jair Bolsonaro mais deseja: desinformação, falta de transparência, apoucamento dos sinais da pandemia.

O Brasil não é caso único de tentativa de subtração da verdade. Nem Bolsonaro o único mal-intencionado entre os presidentes do mundo. Há os casos da Bielorrússia, Coreia do Norte, Venezuela, Nicarágua, Madagáscar, Rússia. E outros, o mundo deve estar cheio deles, mas a media global esquece os países pequenos.

Já não seria de esperar que a tentação da contrainformação se desse também na Europa: em Espanha – onde repentinamente, vá-se lá saber porquê, os números de mortes diárias passaram das muitas dezenas para o zero – o Governo anunciou que tomará uma das medidas de Bolsonaro: só divulgará os casos em que morte e conclusão sobre causa da morte ocorrem no mesmo dia. Os dados não divulgados não serão encaixotados numa gaveta, como presumivelmente ocorrerá no Brasil, mas serão divulgados semanalmente. Ainda assim, a atitude do governo de Pedro Sanches motivou fortes protestos no país.

Nem nós, portugueses, somos alheios a esta tentação desinformativa, embora estejamos a anos-luz da velhacaria bolsonarista. A quantidade de informação a que hoje temos acesso, por via da DGS e das ARS, é muito inferior à do início da pandemia, sobretudo no que respeita aos dados regionais.

Aqui no Algarve, há boletins com dados regionais, com a frase “Informação Confidencial e Restrita” em letras garrafais, que circulam entre autarcas, delegados de saúde, ARS e Proteção Civil, a que os jornalistas – e, portanto, o povo – não têm acesso. E tinha, no início da pandemia. Isso chama-se sonegar informação. E o que distingue a atitude do Governo português das tontearias autoritárias do Brasil, por muitos anos-luz que as separem, não é questão de natureza, é questão de grau. Em substância, a intenção é a mesma. Encobrir informação.

João Prudêncio

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