SORAIA SIMÕES

  LUSOFONIA. Não é o desígnio,

mas o que se faz com o desígnio

 

O paradigma de uma comunidade lusófona activou, ao longo dos anos, o decurso de uma construção e representação de identidade, que ainda hoje carrega algumas retóricas que procuram legitimar uma argumentação condizente com aquilo que se tenciona evidenciar. O tempo e o espaço são duas directrizes indispensáveis nesse processo de representação identitária.


Tempo e espaço assumiram notável expressividade enquanto directrizes discursivas acerca das ideias de lusofonia ou de comunidade lusófona.


Mesmo que tentemos fugir a essa associação, o tempo/memória pode apoiar ou condicionar a maioria da argumentação que tende a legitimar a historicidade patente no enfoque lusófono. 


Há uns largos dias, numa conversa gravada para o meu trabalho com um músico, ele atentava, à sua maneira, sobre esta inscrição discursiva su-gerida por uma memória historicista em tempos de colonização entre Portugal e as outrora colónias. O certo, é que me revejo na sua forma de pensar o assunto.


Há uma força incutida no discurso actual, apoiada nessa memória ou tempo, que potencia uma narrativa cada vez mais comum dos discursos que celebram as ideias de lusofonia ou comunidade lusófona. O tempo consente uma característica referencial e representativa no âmbito da ideia da lusofonia, fundida nas mudanças operadas na actualidade, que lhe imprimem, ao mesmo tempo, conotações de ruptura com a representação imperialista do passado.


Mas, é, na minha opinião, na segunda directriz – o espaço – sobre a qual incide o que trabalho, que o discurso contemporâneo pós-colonial ou pós-independência mais se materializa.


As referências geográficas e identitárias da ‘comunidade’ que se recolhe ou pretende aludir, tem em conta uma relação comum e transversal a vários discursos – tanto por referência à língua, como meio de partilha, como à referência de uma história comum. As definições de uma aparente unidade, tendo em conta a dispersão territorial e continental dos vários espaços que preenchem a geografia da chamada comunidade lusófona, as suas especificidades culturais, sociais, linguísticas inerentes à historicidade que caracteriza a formação identitária de cada um desses espaços, anula-se, muitas vezes, na prática pela construção da directriz espacial, a partir da qual se imagina a ideia de uma comunidade lusófona com uma língua semelhante.


A retórica que realça o imaginário de pertença/identidade fica tantas vezes unicamente carregada por discursos que resgatam ‘uma história semelhante’ e ‘uma língua partilhada’.


Ora, tudo isto são mitos de acessibilidade a uma linha de entendimento posta no enfoque lusófono cada vez menos integrante e cada vez mais colonizadora.


Estudar e abordar as práticas culturais de vários ‘povos’, tem de permitir que as várias expressões identitárias se conheçam relacionando-se, e não se anulem pela convivência quase unilateral em espaços comuns.


Assim, as ideias e verbalizações tributárias daquilo que constitui a memória histórica e colonial, estão (ainda) afundadas numa realidade imperialista que se não ultrapassada, se deveria ultrapassar. 


Não podemos esquecer, que a representação literária desta ideia de comunidade reproduz os mesmos circuitos efectuados pelos espaços que enformavam a geografia imperial portuguesa.

*Autora Mural Sonoro

Nota: O autor não escreveu o artigo ao abrigo do novo acordo ortográfico

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