Verbas de apoio ao trabalho esgotam em 10 dias

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O aumento dos custos e a diminuição das receitas levou as empresas a fazerem mais com menos trabalhadores. Os empregadores falam em apoios "insuficientes" que os impossibilita de pagar mais. Por outro lado, os sindicatos dizem que sem aumento dos salários, numa região em que o custo de vida não acompanha as médias nacionais, caminhamos para um cenário de "empobrecimento generalizado". A juntar à inflação, à crise energética e à escassez de mão-de-obra, o encerramento antecipado do programa de estágios do IEFP deixou centenas de empresas e jovens "na mão". O IEFP garante apoios e fala da proximidade das empresas

A falta de trabalhadores na região nos mais variados setores da atividade e a necessidade galopante das empresas que cada vez mais sentem dificuldades em encontrar candidatos sem recorrer aos programas de apoio estatais, levaram a uma ‘corrida’ ao site do IEFP, esgotando o plafond previsto, o que provocou a suspensão das candidaturas ao programa de estágios Ativar ao fim de 10 dias.
Madalena Feu, delegada regional do IEFP explica ao JA quem ficou para trás, quando abrirão novas candidaturas e de que forma vai o IEFP apoiar as empresas que já sentem os efeitos da crise inflacionária.
Há seis anos à frente dos destinos do emprego e da formação profissional da região, Madalena Feu atenta que, atualmente, o programa de incentivo Ativar.pt se encontra suspenso “enquanto estiverem a decorrer as candidaturas a uma medida entretanto criada, no mesmo âmbito, mas com apoios mais generosos” – o programa Compromisso Emprego Sustentável, financiado pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).
O segundo período de candidaturas para as empresas concorrerem à medida Estágios.ATIVAR.PT estava estipulado entre o dia 1 de novembro e o 15 de dezembro do corrente ano. No entanto, todas as candidaturas foram preenchidas em cerca de 10 dias “por ter sido atingida a dotação orçamental fixada no respetivo Aviso de Abertura de Candidaturas”, justifica a delegada.
O programa de Estágios.ATIVAR.PT é, por sua vez, uma medida muito procurada pelas empresas que se destina à inserção de jovens no mercado de trabalho ou à reconversão profissional de desempregados, facultando-lhes uma experiência prática em contexto real de trabalho (um estágio), onde possam transferir os conhecimentos e competências adquiridos durante a sua qualificação, bem como desenvolver novas competências.

Pacote de 30 milhões não foi suficiente


Ao que o JA apurou, e de acordo com o Aviso de Abertura para a segunda fase de candidaturas aos estágios, a dotação definida para o efeito totalizava os 30 milhões de euros, tendo sido este ‘plafond’ atingido antes da data prevista devido “ao elevado número de candidaturas que deram entrada em todo o país, bem como os montantes envolvidos”, explica Madalena Feu.
Durante o segundo período de candidaturas, que encerrou antecipadamente, concorreram 6.011 empresas para abranger 6.934 estagiários na região algarvia. Questionada sobre quantas empresas e jovens ficaram de fora do segundo período de candidaturas, a diretora regional assegura que “todas as candidaturas que deram entrada até à data do referido encerramento, serão analisadas, bem como todas as candidaturas que cumpram os critérios de elegibilidade”, destacando ainda que “não existe um critério de apoio pela data de entrada da candidatura”.


O próximo concurso, que será também o primeiro período de candidatura de 2023, decorrerá de 16 de janeiro a 31 de maio. Relativamente à dotação orçamental atribuída, Madalena Feu adianta que será comunicado, no respetivo Aviso, que previsivelmente será divulgado, como habitualmente, uma ou duas semanas antes da data de abertura do concurso”.

Apoios às empresas estão garantidos


Questionada pelo JA sobre de que forma vai o IEFP apoiar as empresas que já sentem os efeitos da crise e se digladiam para manter e criar novos postos de trabalho, a responsável recorda que “o IEFP tem por missão combater o desemprego e promover a criação e a qualidade do emprego, através da execução de medidas ativas de política pública de emprego e formação profissional”.
Essas medidas, explica, “algumas com caráter mais regular, têm procurado responder às especificidades de cada contexto social e económico, tendo vindo sempre que necessário a surgir algumas outras medidas excecionais e temporárias para esse efeito”, exemplificando com o caso do período de pandemia de covid-19.
No trabalho de “estreita relação que efetua com as empresas”, o IEFP procura apoiar no diagnóstico de “necessidades de formação que possam, pelo reforço de competências, ajudar a tornar a empresa mais competitiva, proporcionando formação à medida dessas necessidades”, prossegue Madalena Feu.
Por outro lado, salienta que “é também prestado apoio para o recrutamento e seleção de novos trabalhadores sendo que, na contratação destes novos trabalhadores, as empresas podem beneficiar de apoios financeiros, nomeadamente da medida Compromisso Emprego Sustentável”.
Os apoios concedidos no âmbito desta medida podem variar entre os 5.318 e os 11.436 euros, acrescidos de um apoio financeiro ao pagamento de contribuições para a Segurança Social correspondente a metade do valor das contribuições a cargo da entidade empregadora, durante o primeiro ano de vigência do contrato, não podendo ultrapassar o limite de sete vezes o valor do IAS (3.102,40 euros).
Sobre a possibilidade de existir um aumento das bolsas de estágio e os apoios aos estagiários, a delegada esclarece que bolsas e outros apoios pagos aos estagiários “tiveram um ajustamento em 2020, designadamente no que se refere aos níveis de qualificação. Estes valores são ajustados anualmente em função das atualizações do IAS Indexante dos Apoios Sociais”.
No atual panorama de crise e num contexto económico marcado pela inflação, Madalena Feu garante que os serviços de emprego da região “estão inteiramente disponíveis e empenhados para, com todos os meios e instrumentos de que dispõem, ajudar e estarem ao lado de todos os que necessitam dos seus serviços, quer sejam entidades empregadoras, quer sejam candidatos desempregados”.
Perante as dificuldades de quem contrata e dos que necessitam de ser contratados, sublinha que “numa economia que se transforma a uma velocidade cada vez maior, todos nós temos que estar disponíveis para adquirir novas competências, novas qualificações e mesmo, em determinadas circunstâncias, em efetuar processos de reconversão profissional, porque este é também um tempo em que surgem novas áreas e novas profissões”.
“A formação profissional tem sido e continuará a ser uma área chave em que o IEFP se tem afirmado pela positiva, com a qualidade da formação ministrada a um número muito significativo de candidatos”, conclui.

Empresas atrasam processos de recrutamento


De acordo com a Confederação dos Empresários do Algarve (CEAL), a medida dos estágios profissionais do IEFP “representa um encargo com aquele trabalhador cerca de um terço do valor normal”, o que justifica a atratividade do programa para as empresas. Todavia, para Ricardo Mariano, membro da direção da CEAL, “o facto de esta medida se ter esgotado nesta altura, numa região como o Algarve, acaba por não ter grande impacto porque no inverno não é comparável ao volume de estágios que entraram em relação à primavera, por exemplo”.
Ainda que assim seja, a CEAL reconhece que o encerramento antecipado do concurso “veio fintar as empresas que vão perder dois meses e atrasar processos de recrutamento”, para não falar no facto de, “por ser uma medida especialmente direcionada a uma das faixas etárias mais frágeis, fez com que centenas de jovens vissem a sua oportunidade de entrar ou reentrar no mercado de trabalho adiada”, lamenta Ricardo Mariano.
Ao que apurou o JA, parte dos estágios que não foram concretizados estão a ser convertidos em contratos de trabalho regulares com um custo três vezes superior para a empresa. No entanto, segundo a CEAL, mantém-se a expetativa que possa “haver uma medida de exceção, um reforço das verbas e a antecipação da data de início do novo período de candidatura no programa do IEFP para que a espera de algumas empresas não seja tão longa”.
Ricardo Mariano acredita que “agora é que vamos ter o verdadeiro teste de stress ao nosso tecido empresarial” e argumenta: “A banca continua capitalizada e disponível para apoiar as empresas, mas temos uma bomba-relógio nas nossas mãos. Por um lado, uma série de empresas começaram agora a pagar os empréstimos que receberam em 2020, a somar ao aumento brutal da Euribor. Esses mesmo empréstimos que tinham taxa fixa, mas cuja Euribor é variável, representam, à data de hoje, um valor muito superior face àquilo que os empresários contavam pagar”, esclarece.

“Tempos incertos”


O representante da CEAL disse ainda ao JA que “a problemática do desemprego no Algarve veio para ficar a partir do momento que não se perspetivam soluções, a curto prazo, em matéria de alojamento”. A seu ver, uma atenuante dessa realidade prende-se pelo facto de a comunidade imigrante ter escolhido o Algarve para trabalhar e aprofunda: “Contrariamente aos portugueses, a comunidade imigrante, e sobretudo os que chegaram há pouco tempo, têm uma flexibilidade maior no que toca ao alojamento e por isso os novos trabalhadores que chegam à região são “mais imigrantes do que nacionais”, confirma.
Nos dias que correm, as empresas algarvias, tal como outras um pouco por todo o país, vivem “tempos incertos”. Contudo, o responsável explica que os seus associados, em particular no setor do Turismo, “acreditam que 2023 poderá, em matéria de procura, não ser pior do que 2022”, ainda que a crise energética seja “um dos principais desafios para as empresas”, a par da escassez de recursos humanos.
No Algarve, “há empresas em que a fatura energética não pesa assim tanto, mas há outras que já conseguiram refletir o aumento sentido nos preços praticados, o que acaba por não se traduzir na quebra da margem de lucro operacional”, esclarece Ricardo Mariano, que sublinha ainda assim que “as empresas que consomem mais energia têm de ser protegidas com apoios na faturação”.
No caso da hotelaria, que representa mais de metade do volume de negócios da região, “há faturas da energia que mais que triplicaram”, o que faz com que haja cada vez mais hotéis com a margem de lucro operacional em queda”. No caso dos hotéis, isso acontece porque “há reservas que foram feitas com meses de antecedência e quando alguns quartos foram vendidos, o hotel não tinha a ideia que iria ter mais custos”. Ainda que perante uma “situação aflitiva” para várias empresas, a CEAL diz que as receitas do turismo em 2022, que se preveem superiores a 2019, “atenuam a situação no setor”.
Na visão de Ricardo Mariano, outra das problemáticas que se levanta está relacionada com o facto de parte do tecido empresarial do Algarve não estar “suficientemente organizado e estruturado para perceber o impacto da inflação no seu negócio, o que leva uma parte dos empresário, não sabendo bem o aumento de devem aplicar aos preços, acabam por fazê-lo de forma pouco rigorosa, gerando uma bolha inflacionária”, descreve.

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Sindicatos falam na “desvalorização do trabalho”


Catarina Marques, coordenadora da União de Sindicatos do Algarve (USAL), afeta à CGTP-IN, é incisiva quando diz que “não há falta de trabalhadores no Algarve e isso é visível pelo número de inscrições no fundo de desemprego. O que há é uma desvalorização do trabalho e uma não aposta na qualificação do emprego” vinca. O facto de se recorrer a trabalhadores de países estrangeiros “que acabam por se sujeitar a um salário muito mais baixo, acaba por ter influência na luta pela negociação do aumento salarial”, afirma a coordenadora. Uma vez que o modelo económico da região assenta sobretudo no turismo, “para combatermos isso teríamos também que alargar as áreas económicas dos setores da região”, exemplifica.
O agravamento do quadro político com o aumento dos preços de produtos e serviços essenciais, o aumento das taxas de juro e os cenários de inflação para 2023 que rondam os 8% “colocam os trabalhadores numa situação de empobrecimento e corremos o risco de um aumento sério da pobreza e da exclusão social”, cenário que apenas pode ser contrariado “através de um aumento dos salários que possa fazer face ao aumento brutal do custo de vida porque mesmo pessoas que trabalham e que tenham o seu salário correm o risco de empobrecer”, alerta. Catarina Marques sublinha ainda “as dificuldades dos jovens que não se conseguem emancipar-se e que têm o Governo a cortar-lhes as pernas”.
“Este Governo dá-nos como prenda de Natal um Orçamento do Estado que não prevê aumentos salariais adequados à inflação que está prevista, não estabelece a regulação dos preços e continua a não tocar nos lucros escandalosos dos grandes grupos económicos”, assevera. “Ou há uma alteração política de fundo ou caminhamos para um empobrecimento generalizado dos trabalhadores e das populações”, termina.

“Algarve devia ser a terceira Região Autónoma


O coordenador regional e secretário nacional da União Geral de Trabalhadores (UGT) do Algarve, João Barnabé, disse ao JA que “um dos grandes problemas dos trabalhadores é serem contratados por um salário baixo face aos custos de vida na região” e explica: “O Algarve não acompanha a média do custo de vida nacional. O salário de um dos membros do agregado não dá, em muitos casos, para pagar uma renda… Daí a dificuldade de fixar trabalhadores na região”.
Para o sindicalista, outro dos problemas dos trabalhadores no Algarve “é a baixa percentagem de trabalhadores sindicalizados, o que faz com que os sindicatos não consigam fazer bons contratos coletivos”. Nas palavras de João Barnabé, “existe ainda muito medo da palavra ‘sindicato’ em alguns setores porque os trabalhadores pensam que os patrões ficam a saber que são sindicalizados e pensam que vão ter represálias quando a experiência que temos é exatamente o contrário – os trabalhadores sindicalizados são aqueles que têm menos problemas no trabalho. Em primeiro lugar porque quanto têm dúvidas perguntam-nos como devem atuar e aí já se evitam alguns erros e são devidamente informados”, exemplifica.
Questionado sobre a falta de recursos humanos nas áreas do Turismo, Restauração e Hotelaria, o responsável afirma que “não apenas uma questão de salários, mas também uma questão da regulamentação do trabalho”, desafiando a Autoridade para as Condições do Trabalho “a fiscalizar mais”.
No que toca aos apoios do Estado, acredita que “a questão de haver ou não dinheiro é uma opção porque o dinheiro não dá para tudo, mas somos nós que escolhemos onde o aplicar”. No seu entender, o problema é claro: “Os trabalhadores não são a prioridade. Porque no dia em que forem não estaremos sempre a falar desta problemática… E aqui as médias nacionais não refletem as nossas necessidades. Como costumo dizer, devíamos ser a terceira Região Autónoma para poder negociar com o Governo aquilo que são as diferenças face à realidade nacional”, ironiza.

Joana Pinheiro Rodrigues

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