Yitzakh Rabin foi morto há 20 anos. E com ele a esperança de um futuro mais tranquilo

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Benjamin Netanyahu, que venceu as eleições a seguir

Quando surgiu a notícia de que Yitzakh Rabin tinha sido assassinado, faz esta quarta-feira exatamente 20 anos, este repórter encontrava-se em Nova Iorque, numa zona de Queens onde havia gente de origens muito diferentes, incluindo uma boa quantidade de árabes e judeus. Lembro-me do comentário feito nesse dia por um homem no café: graças a Deus que não foi um árabe. O homem, salvo erro, era greco-americano, mas tinha a noção do sangue que correria em Israel e nos territórios ocupados se um palestiniano assassinasse um primeiro-ministro israelita. Graças a Deus, tinha sido um judeu.

Não foi essa a opinião de milhões de israelitas, horrorizados com a ideia de que um deles pudesse matar um concidadão, para mais alguém que era uma figura lendária no país. De nada valeu a Rabin o seu combate de décadas por Israel. Ygal Amir, o jovem assassino, era judeu ortodoxo e um extremista desde sempre. Ao que parece, tinha confessado os seus planos a um amigo que estava nos serviços secretos, mas ninguém fez nada. Provavelmente, havia dezenas de outros como ele a prometer a mesma coisa.

O acordo de Oslo, assinado entre Rabin e Yasser Arafat em 1993, tinha sido logo estigmatizado pelos que defendiam que Israel não podia ceder a mais pequena parcela daquilo que viam como o seu direito histórico – o território que Deus lhes entregara e ao qual haviam regressado após milhares de anos. Reconhecer a Organização de Libertação da Palestina, mesmo a troco de esta reconhecer por sua vez Israel, já era mau que chegasse. Mas aceitar o estabelecimento de um futuro Estado palestiniano, nas terras “conquistadas” por Israel em 1967, era uma heresia total. E os responsáveis por essa heresia mereciam a morte.

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Gendarme de Israel?

Yitzakh Rabin era o primeiro entre eles, até por ter sido quem tinha apertado a mão a Arafat, para muitos judeus o demónio encarnado, naquela sessão de setembro de 1993 na Casa Branca. Valha a verdade, ele fizera-o com relutância manifesta, visível. O Presidente norte-americano Bill Clinton, que presidia à cerimónia (embora o crédito pelo grosso do trabalho diplomático pertencesse aos europeus), teve de tocar ao de leve no braço de Rabin para ele finalmente se decidir a estender a mão ao velho inimigo. Mas o aperto de mão aconteceu, e com ele a promessa de um futuro menos sangrento.

Não era só do lado israelita que se ouviam críticas ao acordo. Também várias facções palestinianas o rejeitavam. Mesmo uma figura moderada como Edward Said, o intelectual polivalente que há décadas tentava fazer a defesa dos palestinianos nos EUA, onde vivia e ensinava, avisou os seus aliados de que o resultado líquido do acordo ia ser transformar a recém-criada Autoridade Palestiniana (AP) em gendarme de Israel, nas áreas dos territórios ocupados que alegadamente iriam ficar sob o seu controlo.

Como sabemos, nos anos seguintes praticamente tudo o que podia correr mal correu mal. Os colonatos israelitas continuaram a expandir-se e a cortar cada vez mais a possibilidade de alguma vez se estabelecer um estado palestiniano viável. A AP tornou-se uma entidade corrupta, mal administrada e pouco ou nada democrática. Houve numerosos surtos de violência, incluindo um particularmente terrível, já no presente século, em que sucessivos ‘assassínios selectivos’ de Israel responderam aos sucessivos atentados de bombistas-suicidas palestinianos, e vice-versa. A paz estava mais longe do que nunca, e quase parecia ter sido Oslo a provocar essa situação.

De quebra-ossos a homem de paz

Teria sido diferente se não fosse a morte de Rabin? Quem sabe. Ele tinha uma autoridade enorme. Nascido em Jerusalém em 1922, estudara agricultura antes de entrar no exército. Lutara na guerra da independência (1948-49), e tornara-se mais tarde chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, presidindo à vitória na guerra de 1967.

Depois, como outros generais, entrara na política. Começou como embaixador nos EUA a partir de 1968 – um período decisivo, pois foi quando os EUA se tornaram o apoiante fundamental de Israel, em especial a nível de equipamento militar. A seguir tornou-se líder do Partido Trabalhista. Em 1974, foi nomeado primeiro-ministro pela primeira vez. A partir de 1984, ocupou a pasta da Defesa em diversos governos.

Yitzakh Rabin estava longe de ser aquilo a que os adeptos de soluções violentas chamam uma pomba. Durante a guerra de 1948-49, ordenou a expulsão forçada (“rapidamente e sem atenção à idade”, dizia a ordem por ele assinada) dos habitantes de pelo menos uma vila palestiniana. Para reprimir a primeira intifada, que começou em 1987, utilizou meios extremos, incluindo espancamentos, que lhe valeram a alcunha de quebra-ossos.

Essa intifada, que para muita gente deu uma imagem de brutalidade israelita – ao ponto de individualidades habitualmente não políticas, como Woody Allen, criticarem em público o uso de balas contra manifestantes – reforçou a noção de que era urgente resolver a questão israelo-palestiniana. Os contactos começaram em segredo, e em 1993 deram fruto. A base do acordo copiava a dos de Camp David, feitos entre o Egipto e Israel: terra a troco de paz. Devolver territórios ocupados, acabar com a violência. Uma ideia lógica, mas houvesse quem não aceitasse.

À saída de uma missa pela paz, Yitzakh Rabin foi abatido com dois tiros por Ygal Amir, morrendo 40 minutos depois no hospital. Amir seria depois condenado a prisão perpétua. Ministros e Presidentes já disseram que nunca será libertado. Passou anos em solitária. Casou-se, teve um filho. Não consta que se diga arrependido.

Aliás, o seu gesto acabou por conseguir em larga medida os objetivos. Benjamin Netanyahu, que havia diabolizado Rabin por causa dos acordos de Paz, ganhou as eleições seguintes. A viúva Leah Rabin teve de voltar atrás na sua promessa de deixar o país caso isso acontecesse, e o processo de paz, mais trâmite menos trâmite, descarrilou de vez. Duas décadas depois, vemos o resultado.

Luís M. Faria (Rede Expresso)

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