Técnicos da troika não são bons políticos

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O “Irish Times” publicou hoje a entrevista com o ministro das Finanças, Michael Noonan

“A maioria das pessoas que estiveram envolvidas na troika era gente inteligente, formada por tecnocratas competentes, mas não eram lá muito bons políticos”, diz hoje Michael Noonan, ministro das Finanças do governo irlandês em entrevista ao jornal “The Irish Times”.

“Quando falo de política, estou a referir-me à capacidade de levar um programa para a frente mantendo o apoio do povo”, prossegue, para, mais adiante, sublinhar: “É a única crítica que faria à troika. Muita da sua gente, ainda que sendo extraordinária, não percebe que a política é uma arte e que para realizar coisas tem de se usar a arte da política. Não é tão simples como queriam fazer crer, como, aliás, perceberam em outros países”.

Noonan faz um balanço dos anos em que lidou com a troika durante o programa de resgate desde março de 2011, quando um novo governo de coligação entre o Fine Gaél, o seu partido, e os Trabalhistas tomou conta do poder em Dublin. O plano de resgate foi acordado em dezembro de 2010 pela anterior coligação e termina no próximo domingo.

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A Irlanda é o primeiro país a sair de planos de resgate da troika lançados desde 2010 pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional para enfrentar o que, então, se designou de crise das dívidas soberanas na zona euro. Em janeiro será a vez de Espanha terminar o plano de resgate sectorial (ao sistema financeiro) e em junho tocará a Portugal.

O fim do programa de resgate no domingo e a saída sem recurso a qualquer linha de crédito cautelar de transição é hoje marcado em Dublin por uma sucessão de apresentações ministeriais à imprensa internacional. O primeiro-ministro Enda Kenny reuniu-se ontem com os diplomatas da União Europeia acreditados em Dublin explicando a estratégia pós-troika.

Draghi é menos “ideológico”

Na entrevista, Noonan diz que foi muito difícil trabalhar com Jean-Claude Trichet, o anterior presidente do Banco Central Europeu (BCE). A situação mudou com Mario Draghi, que “não era tão ideológico”, diz Noonan.

Draghi assumiu a presidência do BCE a 1 de novembro de 2011 e a ele se deve o lançamento em dezembro e fevereiro seguintes de duas operações de refinanciamento a 36 meses da banca da zona euro que envolveu a injeção de 1 bilião de euros, bem como o anúncio, no verão de 2012, do programa OMT, que até à data não foi concretizado, mas que convenceu os investidores que podiam continuar a aplicar recursos em dívida soberana nos países periféricos da zona euro, mesmo quando o rating era especulativo ou próximo dessa notação.

Juntamente com a reestruturação da dívida grega completada em abril de 2012 (que afastou o risco de saídas da zona euro em cadeia) e com a condução de uma política de austeridade que, apenas, em 12% cortou na despesa pública corrente (segundo cálculos ontem divulgados pelo economista Constantin Gurdgiev, autor do blogue irlandês “True Economics”), as novas circunstâncias permitiram a Noonan um sucesso nos mercados da dívida – a queda abissal do prémio de risco em relação à dívida alemã de um pico de 1134 pontos base (um diferencial de mais de 11 pontos percentuais) em julho de 2011 para perto de 160 pontos base (um diferencial de 1,6 pontos percentuais) esta semana. E a descida também colossal das yields das obrigações irlandesas a dez anos para menos de 3,5%, o nível mais baixo entre os países periféricos, incluindo Espanha e Itália.

Almofada financeira para “saída limpa”

Noonan conseguiu resolver em fevereiro deste ano o problema das notas promissórias detidas pelo Banco Central da Irlanda num montante à data de 25 mil milhões de euros – e que deveriam ser pagas a um ritmo de três mil milhões por ano – em dívida de muito longo prazo, vencendo entre 2038 e 2053. Realizou, também, duas operações de troca de dívida em janeiro e julho de 2012 num total de 4,5 mil milhões de euros e três emissões de dívida obrigacionista num montante de mais de 15 mil milhões de euros em fevereiro e agosto de 2012 e março de 2013.

Este perfil de “regresso aos mercados” obrigacionistas e de imposição à troika de uma solução para as notas promissórias (que haviam permitido o resgate da banca irlandesa), permitiu ao Tesouro irlandês enfrentar um período pós-troika com uma “almofada” financeira de 25 mil milhões de euros que garante financiamento para 15 meses, a que se poderá juntar o equivalente a 10 a 15% do PIB em vendas de ativos bancários no futuro, nos cálculos de Seamus Coffey, professor do University College em Cork e autor do blogue “Economic Incentives”. Esta ampla almofada permitiu ao governo irlandês dizer não a uma linha de crédito cautelar e operar o que foi batizado de “saída limpa” do resgate.

A Irlanda, no entanto, mantém uma taxa de desemprego de 12,6% e um ritmo de emigração anual líquida de 30 mil pessoas (saldo entre os que saem, quer anteriores imigrantes quer irlandeses, e os que entram, pois a Irlanda continua a ser um destino de emigração de outros países, em virtude de ter um salário mínimo interprofissional que ronda os 1462 euros). Segundo o Departamento de Proteção Social, 10% da população passava fome em 2012, uma subida de 3 pontos percentuais em relação a 2011.

O défice público deverá situar-se em 7,8% do PIB no final deste ano, ainda longe da meta de menos de 3% em 2015, e a dívida pública subiu de 91,2% do PIB no final de 2010 para 125,7% no final do segundo trimestre deste ano.

JA|Rede Expresso

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