Alemães falharam todas as contrapartidas nos submarinos

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Houve uma tentativa sistemática por parte da empresa alemã Ferrostaal de enganar o Estado português, admite o embaixador Pedro Catarino, o último presidente da Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC). Extinta em 2011, esta comissão controlava e validava a execução dos compromissos assumidos por todos os fabricantes de armas com grandes negócios no país.

A Ferrostaal faz parte do consórcio alemão que vendeu dois submarinos a Portugal em 2004 por 820 milhões de euros e que assinou um contrato paralelo em que era obrigada a injetar 1210 milhões de euros em contrapartidas na economia portuguesa ao longo de oito anos.

No final de 2013, e depois de uma renegociação do acordo com os alemães em 2012 que dilatou o prazo para 12 anos, até 2016, o nível de execução das contrapartidas dos submarinos era de 0%, segundo um relatório da Direção-Geral das Atividades Económicas.

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O Governo aceitou, já em 2014, a creditação de 218 milhões de euros relativa à viabilização de uma empresa alemã de engenharia em processo de falência, a Koch Portugal, mas não é claro se esse investimento foi concretizado ou se é apenas mais uma intenção dos alemães, como aconteceu nos últimos anos com uma proposta de investimento de 600 milhões de euros num hotel em Albufeira, no Algarve, e que nunca foi para a frente.

Pedro Catarino falou ao Expresso numa altura em que toma posse, esta quarta-feira, uma comissão parlamentar que vai investigar oito grandes negócios da Defesa feitos nos últimos 15 anos e que deverá ser dominado, em grande parte, pelo tema dos submarinos, a maior compra de sempre a favor das Forças Armadas em Portugal.

Confessando que não deseja nenhum protagonismo, o embaixador assume-se disponível para ir ao Parlamento tirar tudo a limpo: “Tenho prazer em prestar todos os esclarecimentos sobre a matéria. Acho que este é um assunto para se esclarecer do princípio ao fim. Nada deve ficar nebuloso”.

Ao todo existem oito aquisições de armamento com contratos de contrapartidas a decorrer e que vão ser analisados pelos deputados. No lote estão compras de helicópteros, aviões, torpedos para os submarinos, a modernização dos caças F-16 adquiridos aos EUA e o fabrico de carros de combate 8×8, os Pandur.

Associados a essas oito aquisições foram assinados contratos de contrapartidas. Dos 2429 milhões de euros de investimentos que os fabricantes de armamento em causa estavam obrigados a fazer em Portugal, apenas 13% foram concretizados.

Como os alemães foram favorecidos

Reconhecendo que as coisas correram mal na maioria dos casos, Pedro Catarino explica que o contrato dos submarinos tem contornos únicos, que favoreceram os alemães: a garantia bancária, em caso de incumprimento das contrapartidas, é de apenas 10% do valor dos investimentos não realizados, “quando normalmente é de 15 a 25%”.

Ao contrário do que costuma acontecer noutros programas de aquisição, essa garantia bancária só pode ser acionada pelo Estado um ano depois do fim do prazo, e não de forma parcial e gradual. Neste momento, isso só será possível em 2017 e, mesmo assim, antes de o Estado conseguir receber o dinheiro dessa garantia tem de sujeitar à decisão de um tribunal arbitral. “São condições pouco habituais, mas foi o que ficou escrito no contrato”, explica o antigo presidente da Comissão de Contrapartidas.

“Os alemães agiram de má-fé nos submarinos”, reconhece o embaixador atualmente colocado nos Açores pelo presidente Cavaco Silva como representante da República. “O que eu encontrei, depois de ter tomado posse em 2007, foram contrapartidas aceites pelo Estado português que nunca o deveriam ter sido”, recorda Pedro Catarino. “Na altura fui obrigado a engolir algumas delas, com grande relutância, porque já tinham sido creditadas pelos meus antecessores.”

O ex-responsável dá como exemplo um projeto apresentado pela Ferrostaal para transferir equipamento de um estaleiro naval que entrou em falência na Alemanha, Frendel, para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), e que foi creditado antes de 2007 pelo valor de 250 milhões de euros. “Foi claramente sobrevalorizado. Os pareces jurídicos pedidos pelos meus antecessores diziam que estava tudo bem, mas uma auditoria posterior concluiu que o projeto valia apenas 48 milhões.”

O transporte e a taxa de armazenagem do material dos estaleiros de Frendel ficaram por conta dos ENVC, o que viria a custar cinco milhões de euros. O equipamento veio para Portugal mas nunca saiu dos caixotes, porque seriam precisos mais 20 milhões de euros só para o montar.

Pedro Catarino recorda que, quando entrou em funções, e em relação aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, havia ainda 160 milhões de euros de investimento que tinham sido dados como executados. Tratava-se de 14 projetos de construção naval. Para serem aceites com esse valor como contrapartidas, 50% do investimento teria de corresponder a uma mais valia direta para a economia nacional. “Mas quando vieram as facturas, apercebemos que isso não tinha sido assim. A percentagem era muito pequena. Disse aos alemães que assim não podia ser.”

O embaixador argumenta que o reduzido volume de contrapartidas realizadas durante o seu mandato não significa um fracasso do trabalho da comissão. “Fomos exigentes. O contrário, taxas elevadas de execução, é que seria uma ficção. Estaríamos a enganar-nos a nós próprios.”

As contrapartidas que chegaram a ser dadas como executadas acabaram por cair mais tarde, no acordo de 2012 do governo com o consórcio alemão, ao mesmo tempo que o montante global a cumprir pela Ferrostaal baixou dos 1210 milhões para os 820 milhões de euros. Sem nenhuma certeza, ainda, se alguma vez serão cumpridas.

RE

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